#Casulo dos sentimentos

abril 18, 2015
Preciso te dizer que a confusão mora em mim, que tá tudo muito ruim desde a virada do ano e que nem sei mais o que ando fazendo. Só fico lá, em todos os lugares, sentindo-me uma peça desencaixada, uma parte de algo que todo mundo rejeitou e um rosto que ninguém vê. Um fantasma na multidão. Eu estou lá, mas não estou. Vejo tudo, mas ninguém devolve na mesma moeda. Eu sempre soube que era uma moeda perdida, vagando pelos cantos mais obscuros da cidade. Quase sem validade, quase sem cor. Desaparecida, eternamente. 

Eu passo tempo demais escondida dentro de mim, porque, para conhecer os outros, precisamos começar por nós mesmos. Se a gente não se conhece, como podemos permitir que outro alguém nos conheça? Mas eu me perco lá no fundo, na imensidão azul que nada em mim, e me vejo constantemente sufocada, emergida como que por obrigação. Depois de repetidos insucessos, eu desisto de resistir. Deixo a correnteza me levar para onde ela desejar. Não adianta lutar contra a nossa natureza, eu sempre soube disso. 

Às vezes, permito abrir uma portinhola estreita, de dentro pra fora. Só pra espiar que o tem acontecido lá fora. Só pra constatar que o mundo continua o mesmo e que é melhor eu continuar no meu casulo. Ninguém diz que um casulo é uma fortaleza. Pode parecer frágil para quem está no exterior, mas lá dentro, lá na proteção de saber quem somos e de perceber que não somos quem os outros gostariam que fôssemos, há pedras resistentes que cumprem com o seu objetivo de manter as almas azuis, as espumas brancas e as nuvens cinzentas fora do alcance das mãos negras do Universo. Essas mãos já tentaram me agarrar duas, três vezes; mas eu sempre fui de me proteger. 

Digo não na maior parte do tempo. Desisto de companhia. Encontro os caminhos reversos apenas para ficar comigo mesma. Quando digo sim, é porque tento ver as borboletas sobrevoando as cabeças cujas mãos negras não param; são apanhadoras de sofrimento. E, de meu sofrimento, nunca levam. Deixo-o aqui, porque ele me faz bem. Remoê-lo torna-me quem sou. Senti-lo apenas me lembra que estou sozinha nessa fábrica de almas perfeitas. 

As borboletas estão sumindo. Saem por aí, sem direção, e esquecem que precisamos do trabalho delas. Estão cada vez mais fugitivas, talvez porque, depois que nascem, entendem que não queriam ter nascido. Só depois de se libertarem da fortaleza que as protegeu é que percebem que precisam dela para sobreviver, que aquela fortaleza é a única coisa que permite lembrá-las quem são e que o Universo nunca será delas. São insignificantes. Quem para para admirar uma borboleta? Quem consegue entender que seus casulos são suas moradias e que quebrá-los é como quebrar suas inquilinas? Depois de quebrados, a liberdade some. Deveria ser ao contrário, mas o Universo não foi feito para ser conquistado pelos fantasmas. O Universo bate em que é fantasma, bate pra valer. 

Fantasmas e borboletas não recebem amor e não sabem prover suas sobrevivências sem alguns mergulhos na imensidão azul que lhes habita. Não foram feitos para entenderem o mundo lá fora, pois conhecem demais o que há dentro de si mesmos. Afogam-se na correnteza desembestada. E, afogados, fingem ser partes de algo. Levam a vida aos arrastões. Sem nada, além do sofrimento que transborda em fluxos infinitos, palavra por palavra. 


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Já faz algum tempo que me desabituei a falar e a escrever sobre mim mesma, pois sou escritora e dou valor aos personagens que crio, então, como autora fico soterrada de sentimentos, de situações e de obrigações que não são minhas. Mas, dessa vez, precisei largar as mãos dos meus personagens e dar voz a mim. 

Ando desencontrada esse semestre, muitas situações e pessoas têm me colocado para baixo, ultimamente, e tentei com esse texto expurgar um pouco do que represei durante esses meses. Espero que tenham gostado! 

Sejam borboletas e fantasmas,
sejam o contrário. 
Nina 

21 comentários:

  1. Oi Nina, gosto muito da delicadeza e firmeza do seu texto, reconhecer as próprias fraquezas não é tarefa fácil, querer lutar contra a própria natureza ainda é um desejo de muitos, talvez se tornar borboletas, ou seja se libertar de tudo isso seja algo difícil, mas certamente é preciso!


    Bjs

    http://joandersonoliveira.blogspot.com.br/

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  2. "porque, para conhecer os outros, precisamos começar por nós mesmos." Algo no seu texto me fez lê-lo. Simples assim. Sua escrita é suave e ao mesmo tempo dura haha Isso faz sentido? Sua metáfora do casulo é a mais pura verdade... se libertar é muito difícil o.o

    Ps: tenho medo de borboletas by the way kkkkk
    www.belapsicose.com

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  4. Oi, Nina! Saudade de você também :)
    Acho que eu também sempre fui uma pessoa escondida, como uma borboleta. Como você me recomendou, esse texto reflete bastante uma fase da minha vida que eu até diria que estou enfrentando agora. Tá vendo o que disse na cartinha? Tu escreves de uma forma tão profunda e bonita, usa tanta poesia, tanta graça <3 É pura fofura!
    Aliás, essa flutuação na escrita (ou seja lá como se chama esse fenômeno) acabou me lembrando muito o Neil Gaiman, autor que estou lendo atualmente. Acho que tu poderias gostar bastante dos livros dele, caso ainda não os conheça :)

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  5. QUE CONSTRUÇÃO LITERÁRIA INCRÍVEL! Nina, cada dia mais apaixonada pelas levezas que você escreve. Nunca perca isso! *-*

    Um beijo de uma grande fã. <3

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  6. Olá querida,
    A melancolia produz coisas lindas, não produz? Doloridas, tristes, mas lindas. Não vou elogiar seu texto porque é óbvio que ele é incrível, então tentarei ser mais amiga e menos crítica literária: vai ficar tudo bem, você vai ver. Não digo que é uma fase porque melancolia é assim mesmo, mas uma hora se aprende a lidar com ela e ela se torna menos difícil.

    Beijão da Ruh
    perplexidadesilencio.blogspot. com

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  7. Meu Deus Nina!
    Estou me lendo nesse texto, mesmo tendo vidas diferentes, acredito, mas me li em muitos trechos. Fizeram todo sentido pra mim e acertaram em cheio o meu interior.
    "Ninguém diz que um casulo é uma fortaleza. Pode parecer frágil para quem está no exterior, mas lá dentro, lá na proteção de saber quem somos e de perceber que não somos quem os outros gostariam que fôssemos, há pedras resistentes que cumprem com o seu objetivo de manter as almas azuis, as espumas brancas e as nuvens cinzentas fora do alcance das mãos negras do Universo." - PERFEITO
    Eu amei, amei e amei!
    Lindo e tocante.
    Eu sempre ponho muito de mim em cada frase que escrevo e me sinto melhor depois. É uma ótima terapia.

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  8. Acho as visões de mundo coisas poéticas, a forma como você vê as borboletas e os fantasmas, que difere da minha, mas é uma visão profunda e curiosa. Conversar com nós mesmos é importante pra não perdermos o fio da meada. Eu já fui mais poético, mais calmo e alegre, hoje em dia, embora tenha minhas alegrias, não sou mais aquele mesmo eu. É importante passar por casulos e decidir se viraremos mariposas ou borboletas e o que é melhor pra nós.

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  9. Olá, Nina.

    Que texto mais lindo. Eu me sinto assim na maioria dos dias, presa em meu casulo, minha proteção e não deixo ninguém entrar, mas e quando as pessoas mais próximas não estiverem comigo. Não sei se aguentaria ficar por aqui. Parabéns pelo texto.

    Beijos.
    Visite: Paradise Books BR

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  10. Moça, há anos me sinto peça desencaixada. Que roupante legal que deu ao seu texto, para conhecer o externo é necessário uma viagem interna, no mais obscuro... Perfeito como seu texto oscila entre caos e cosmo. eu já te disse que precisa publicar?
    http://www.poesianaalma.com.br/

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  11. Oi Nina, uma pena que estes texto tenha sido para dar uma espantada nas coisas que tem lhe puxado para baixo, mas não poderia dizer que beleza de texto! Uma delicadeza nas palavras, mas ao mesmo tempo uma força de sentimentos.
    Parabéns!
    Bjs, Rose

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  12. Acho que eu sei como você se sente. Quando o ano virou eu sabia que não seria fácil porque eu comecei num desespero e num choro que só eu sei. Depois disso eu fiquei vagando por ai como alguém que não se sente bem em lugar nenhum. Acho que eu to presa nos meus próprios sofrimentos.

    http://laoliphant.com.br/

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  13. Oi Nina!
    Nossa, quanto o seu texto me descreveu.
    Às vezes também desisto de companhia, tão dificil conhecer a nós mesmas.
    Só acho isso.
    beijos

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  14. Bonito texto, mas muito triste.
    Não sei...mas acho que as borboletas só vivem mesmo quando saem de seus casulos. E não importa se a vida é curta pra elas. O importante é que, mesmo por pouco tempo, elas fazem com que o universo seja mais belo.


    Beijos!

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  15. Olá,
    Adorei o texto, também me sinto assim às vezes, principalmente esse ano =/
    Beijos.
    Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

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  16. Olá querida
    Foi muito bom ter lido seu texto de desabafo, não sou acostumada a fazer isso mas deveria e sinceramente, entendo você, ás vezes fica tudo tão difícil, escrevemos tanto e acabamos não desabafando, é muito ruim isso, então, desabafe mais vezes ;)

    http://realityofbooks.blogspot.com.br/
    Beijos

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  17. Escrever é dar-se a conhecer. Entregar de nós mesmos ao mundo, da forma como for. Parabéns pelo texto e toda sensibilidade nele contido.

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  18. Nina
    Voce escreve muito muito bem, parabens!
    Foi muito bom ter lido esse desabafo, me encheu de ideias e de forças para algumas coisas na vida!
    Super beijo
    Gio - Clube das 6
    www.clubedas6.com.br

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  19. Belo texto! Como todos os outros que você escreve. Foi inspirador, especialmente pra mim, que estou passando por uns momentos chatinhos que todos nós passamos, quando não acreditamos em nossa capacidade e em nós mesmos... Mas isso vai passar, eu sei. Ainda mais com o estímulo de seu maravilhoso texto. Parabéns.
    Com carinho,
    Celly.

    Me Livrando

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  20. Nina! Li o teu texto com um grande aperto no coração. É um texto lindo, sem dúvida e muito bem escrito. E por falar de você ele se torna ainda mais belo. Terminei de ler um livro do Manoel de Barros onde ele diz assim "Uso palavras para compor meus silêncios" e esta é uma forma de conseguirmos colocar um pouco de nós para fora.

    Concordo muito com você quando diz que é preciso se conhecer para poder conhecer o outro. Mas por experiência própria te digo que às vezes temos que fazer os dois ao mesmo tempo. E é extremamente difícil. Que venham as palavras.

    E meu maior medo era que você terminasse o texto acreditando que as borboletas e os fantasmas fossem embora... Não tivessem significado.

    Mas as suas ultimas palavras foram sejam borboletas e fantasmas... Sejam ao contrário! Confesso que fiquei muito feliz com isso. Porque quando você diz assim é porque você acredita lá no fundo que pode ser diferente. Que essa desorganização ai pode mudar. E eu acredito junto com você viu!

    Desculpa escrever este monte, mas teu texto mexe demais comigo.
    Um abraço carinhoso e se precisar de alguém para conversar pode contar comigo viu!

    E não deixe nunca de valorizar as palavras. Elas libertam!

    Beijinhos!
    Vanessa Vieira
    Pensamentos Valem Ouro

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  21. Oie, tudo bom?
    Muito bonito seu texto porque faz a gente refletir sobre os sentimentos que guardamos para nos mesmos e para nos lembrar de sair um pouco do casulo. Espero que seus dias se tornem melhores. Parabéns pelas palavras.
    Beijos,
    http://livrosyviagens.blogspot.com.br/

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