#Vasto mundo que deságua no infinito
Amélia se calara há algum tempo. A morada se tornou silenciosa por dentro e por fora. Nenhum ruído, nenhuma reclamação, nenhum grito. Nada. Silêncio predominante. O mundo rodava, sua mãe estendia a roupa lá fora, Zé desaparecido, Dona Mari na cerca velha.
Suspirante, a criança deixou a casa. Ouviu a mãe cantarolar qualquer canção perdida no tempo. O sol batia no descampado, fazendo-o brilhar. A terra estava quente, ninguém se aproximava do quintal. O mundo lá fora estava em sua comum ordem – todos continuando algo. E Amélia tentando desfazer suas continuações, parada na soleira da porta, observando o que o meio havia lhe dado. De fato, havia pouco. Ali fora, o mundo era nada – pequeno, carente e mensurável numa colher de chá. Do avesso, o mundo de Amélia desaguava em rios e, neles, corria para a imensidão eterna. Às vezes, era represado em comportas pequenas e ali ficava até conseguir avançar para outro lugar, um que fosse mais acessível à imensidão libertadora.
Amélia sabia que a imensidão libertadora era pouco conhecida. Se existia, ela nunca a vira, nem sentira. Havia a imensidão eterna – imponente, que prenunciava todos os seus males e afeições. Ela se entregava ao imediatismo, sentindo-se aliviada por meros segundos, enquanto avaliava suas chances. Chances, essas, que mal eram verdadeiras. A criança as agarrava, mas, teimosas, escapavam dos pequenos dedos. As possibilidades se esvaíam pelos temores, pelas desilusões, pelas incompreensões de felicidade. Chegou a achar, certo dia, que o mundo pouco lhe servia – onde estavam as suas chances de libertar o que lhe mantinha presa? Todos aqueles sentimentos revoltos, consumindo seus pensamentos, terminando com suas esperanças.
Não havia quem culpar senão a si própria. Se a confusão a atormentava, era porque deixava que isso ocorresse. Dava-lhe carta branca para bagunçar o que for. E, bagunçada, ela vivia, mesmo que doesse, mesmo que a angustiasse – já tinha perdido o controle do mundo que lhe fora concedido. E como remontar a ordem? Ela não sabia. Já tentara deixar que as palavras a guiassem, que o sono a acalmasse e que seu silêncio lhe proporcionasse alguma resposta. Nada. O tormento continuava agarrado a ela, sem espaços, sem qualquer escapatória.
Avançou, sabendo que Dona Mari a esperava. A velha a esperava não porque tivesse soluções, mas porque era a única que sabia ler os olhos das pessoas, sabia revelar a tristeza e sabia evocar a alegria delas. Dona Mari assistiu ao longo dos dias aquelas orbes ameliadas, pesadas, encobertas pela derrota. Amélia era um fantasma do que já fora um dia. E a criança sabia que o mundo a fizera assim e que ele, com toda a sua graça, estava vazio, finito, clichê – uma representação do que costumava ser.
Dona Mari lhe sorriu, a boca contorcida numa espécie de rasgo na face, a pele repuxada e seca. As mãos, uma cópia exata do sorriso, ansiavam o rosto da menina. Ainda em silêncio, Amélia concordou com o contato áspero, mas preciso. A velha ajeitou os cabelos da criança e segurou seu queixo. Olhou, olhou, olhou de forma demorada, até que a voz rouca sentenciou:
– Seu vasto mundo deságua no infinito, sabia? Corre por entre todas as coisas.
– É que tá tudo errado, Dona Mari – a voz de sino perdeu a força no meio das palavras e o silêncio se tornou mais presente. Tentou se afastar, dizer que se enganara, mas não pôde. Mentia para si: vai passar, vai passar. Mas Dona Mari entenderia a mentira e saberia que nada ficaria bem.
– Tudo o quê, criança?
– Aqui dentro, entende? O mundo que existe em mim é desencontrado. Perdido que só ele. Não sabe o que fazer, não saber para onde ir.
– E para onde você quer ir, Amélia?
A velha esperou a resposta.
– É que eu ainda não achei a minha rota. Tô perdida também.
Elas se encararam. O sofrimento abatido daqueles pequenos olhos não escondia quem a criança era: alguém que pouco sabia sobre a vida e que expectava muito. Esforçava-se para ter algo, sem saber o que procurava.
Amélia recuperou seu silêncio e, ainda desencontrada, voltou para sua morada sem saber qual seria sua próxima chance de encarar a vida.
Reencontrando seu vasto mundo infinito, entendeu que a finitude da vida desaguava na bagunça na qual se encontrava.
É que eu desisti de me encontrar,
minha rota ficou perdida em algum infinito por aí.
Nina ♥
Espero que a Amélia passe por aqui mais vezes, porque ela é linda, pequena e melancólica. Adorei o texto e me emocionei muito com ele, de verdade. O diálogo foi lindo e muitíssimo bem escrito. E tomara que a Amélia, eu e você nos encontremos, em algum momento.
ResponderExcluirBeijinhos
http://perplexidadesilencio.blogspot.com
Estou apaixonada por Amélia, você com esses textos encantadores e uma narrativa poética, sabe que não resisto. Assim sou forçada a me tornar sua leitora!!!!!
ResponderExcluirhttp://www.poesianaalma.com.br/
Que texto lindo e encantador! Parabéns! Amo ler textos assim, inspiradores...
ResponderExcluirUm grande beijo!
Blog Cheiro de Livro Nacional
Nina amo a maneira profunda que você escreve.
ResponderExcluirMe dá sempre aquela impressão de: Foi Com a Alma
Passarei sempre por aqui pra me emocionar com suas histórias.
Beijos
Conversas de Alcova ❤
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirOi, mais um texto encantador, quem tem o dom e a sensibilidade da escrita é um tipo de Deus para mim. Rs. O que eu mais gosto em um texto, e em um autor, é a maneira que ele faz o texto nos tocar. Amei a Amélia, as vezes me sinto perdida e sem rumo neste mundo louco, mas a gente se encontra aos poucos. Tudo passa, Amélia.
beijos, Nina. <3
http://livrosfilmeseencantos.blogspot.com.br/
Olaaa
ResponderExcluirSeu texto esta lindo e encantador, adorei a sensibilidade e o tema, amo textos assim haha.
Beijos
Reality of Books
Que lindo, li e reli.
ResponderExcluirQuanta sensibilidade em suas palavras, concordo com a Kris "foi escrito com a alma". Arrisco-me a comparar com nossa querida Lispector.
Parabéns, Nina. <3
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirGostei bastante do seu texto, ele ficou tão sensível e emocionante, além disso a Amélia me conquistou, então espero que ela apareça mais vezes por aqui também :3
Beijos :*
Larissa - srtabookaholic.blogspot.com
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirGostei muito do texto. É bem sensível e reflexivo, e a dona Mari me pareceu uma mulher muito sábia, uma ótima conselheira.
beijos
http://meumundinhoficticio.blogspot.com.br/
Oi Nina, amo seus textos, é um mais incrível que o outro. Esta sua última frase foi tocante. Parabéns.
ResponderExcluirBjs, Rose.
Nina! Não aprove este comentário, vou deixar outro logo em seguida este aqui é só uma dica: Alguns textos do seu blog são bens ruins de ler por causa das cores. Por exemplo, eu só descobri que o seu texto tinha um título porque selecionei a página inteira por acidente. Dá uma revisada nisso! ;) Se quiser, eu posso mandar um print pra você de como eu vejo por aqui. Me chama lá no facebook.
ResponderExcluirBjinho!
Nina, que bonito assim, do nada, eu encontrar o blog de uma escritora! :) Tenho algumas observações para fazer, posso? Antes de tudo, eu fiquei com muita vontade de saber mais sobre a Amélia. Mas sendo ela uma criança, achei seus pensamentos e falas maduras demais... Eles não precisam ser simplórios, não me entenda mal, mas a complexidade de um adulto é diferente da complexidade de uma criança, sabe? Então eu fiquei com a sensação: Ou a Nina não construiu muito bem essa personagem ou essa personagem é extremamente especial, o que me faz querer muito saber mais sobre ela! :)
ResponderExcluirTem um grupo do qual eu faço parte (lá no facebook) chamado Ninho de Escritores. Eu te recomendo a entrar lá também, você vai adorar. Somos todos cientistas com seus experimentos, guiados pelos Tales Grubes, um rapaz muito legal. E no grupo há muita troca, sabe? Conversa-se muito sobre a arte da escrita. Acho que você adoraria!
Um abraço, e continue escrevendo!
www.literasutra.com
Nina que texto maravilhosos repleto de sensibilidade . Amei o texto, que a Nina visite mais o Blog iremos adorar . beijos
ResponderExcluirJoyce
www.livrosencantos.com
Nina seus textos são sempre tão incriveis, parabens!
ResponderExcluirAdoro a sensibilidade, o conforto que você transpassa para o leitor.
Continue a escrever cada vez mais, pois vc tem talento de sobra
beijos
Mayara
Livros & Tal
Muito interessante a estilística do texto. Essa falta de palavras, proposital, para expressar o que Amélia sente, nos causa um angustia. Frases intercortadas. É interessante também perceber a intertextualidade com Alice no país das maravilha - não sabe que caminho/rota seguir.
ResponderExcluirBeijos! Lindo texto.
Nina e quanto mais leio o seus textos mais eu me apaixono por seu blog! Meu Deus por que não achei seu blog antes? rsrsrs <3
ResponderExcluirhttps://meninaespertaecomplicada.blogspot.com