#Resenha de livro: A vida que ninguém vê

setembro 08, 2015
Creio que poucos conhecem a Eliane Brum. Antes de eu ingressar no Jornalismo, confesso que nunca tinha ouvido falar dela. Engraçado que estou estudando na instituição que formou jornalistas atuais renomados (a exemplo dela, do Caco Barcellos e da Mariana Becker) e pouco sei da vida deles. No final do semestre passado, entretanto, tive o imenso prazer de ler A vida que ninguém vê, obra da Eliane Brum, que ganhou como o Melhor Livro no Prêmio Jabuti, em 2007. 

Título: A vida que ninguém vê
Autora: Eliane Brum
Editora: Arquipélago Editorial
Páginas: 205
Ano: 2006

Eliane Brum é jornalista e já ganhou mais de 30 prêmios de reportagem, no Brasil e no exterior. Ela teve muita dificuldade de se encaixar na profissão na época em que fazia a graduação, pois "gostava de olhar, mas não gostava de falar" - gostava de ser invisível. Quando li isso, quase chorei, porque eu me encontro exatamente no mesmo ponto que ela. É difícil estar na área da comunicação quando se é tímida e observadora, portanto, Eliane, de certo modo, me acalentou bastante com sua história. Bem, a situação dela só mudou no último semestre da faculdade, com um professor (#saudadesLeonam) que a fez descobrir a paixão pelo ofício de contar histórias. A primeira matéria que ela escreveu para a aula deste professor concorreu à vaga de um estágio no maior jornal do Rio Grande do Sul (a Zero Hora). Foi assim que ela entrou para o time do jornal e continuou a colecionar mais prêmios (como o Açorianos de Literatura, com a obra Coluna Prestes - O avesso da lenda). 

Escrevi um pouco da biografia da autora, pois é importante para entender a maneira que A vida que ninguém vê foi construído. A obra é uma coletânea de reportagens com uma gritante diferença no que toca à questão da forma com que estas reportagens foram trabalhadas. 

Há uma espécie de convenção dentro do Jornalismo que diz que notícia é quando o homem morde o cão, pois a notícia precisa, digamos, sair do "lugar comum". No entanto, Jornalismo pode ser, sim, feito a partir da ideia contrária: quando o cão morde o homem. E é na segunda proposta que o trabalho jornalístico de Eliane Brum se baseia. Portanto, as reportagens dela, além de derrubarem as barreiras formais da construção de um texto jornalístico (que dá importância à falas de fontes, dados transformados em informações etc), têm traços de crônica e coluna. Ao invés de abordar o que mais "chama a atenção" (seguindo o pensamento o homem morde o cão) - tanto do veículo quando do público -, Eliane conta histórias que, se não fosse pelo seu olhar diferenciado, continuariam invisíveis. É assim que Zés e Marias do Sul do Brasil ganham destaque e atiçam o interesse do leitor. O título de sua obra, portanto, é completamente auto-explicativo. 
“Esse texto poderia acabar aqui, porque tudo já estaria dito. Mas às vezes é preciso contar uma história de mais de um jeito para que seja entendida por inteiro”.
p. 37
Há 23 histórias ao longo do livro, cada qual com um personagem (fonte) inusitado. A princípio, o leitor pode não se interessar pelo personagem, mas o desenvolvimento que a jornalista dá a sua narrativa nos encanta absolutamente. O vocabulário utilizado é notoriamente gaúcho, mas simples, assim como seus entrevistados. O que mais chama atenção é que, em algumas reportagens, há transcrito o diálogo dela com sua fonte e, em vários momentos, a fala da pessoa está intacta (ou seja, já erros de concordância, de gramática etc). Isso proporciona maior proximidade com o personagem sobre o qual Eliane escreve e proporciona, também, toda a "atmosfera" simples da obra. O mais cativante é que o mundo "pobre" que ninguém vê é apresentado de forma muito humana e sensível. 
“Para entender o resto da história que ainda virá é preciso conhecer o que é a morte do pobre. É necessário compreender que a maior diferença entre a morte do pobre e a do rico não é a solidão de um e a multidão do outro, a ausência de flores de um e o fausto do outro, a madeira ordinária do caixão de um e o cedro do outro. Não é nem pela ligeireza de um e a lerdeza do outro.
A diferença maior é que o enterro de pobre é triste menos pela morte e mais pela vida”.
p. 39
Cada história é diferente uma da outra, mas todas são sofridas e acometem sentimentos de compaixão e solidariedade. O legado jornalístico de Eliane é justamente dar rosto e voz àqueles que têm muito pouco ou que carecem de auxílio. As reportagens são corridas, relativamente curtas e o entendimento é bastante fluído. As abordagens são totalmente imparciais e contam as histórias sem edição alguma, ou seja, não há julgamento. Por ter modificado a maneira de enxergar as pessoas, a autora consegue se adentrar muito bem neste universo que quase sempre é ignorado e transmitir a mensagem de que é possível tratar todos com igualdade e respeito.

Cada reportagem é dividida por uma foto que ilustra o personagem abordado. As fotos são um elemento incrível na obra e fazem o papel de "fisgar" o leitor. Impossível não gostar do livro, mesmo quem não tem familiaridade com o texto jornalístico. Recomendo A vida que ninguém vê especialmente pela leveza e humanidade que passa. Eu marquei várias e várias passagens legais para transcrever aqui, mas teria de fazer um post só com elas, então deixo com vocês a que mais resume a obra por completa: 
“Quem consegue olhar para a própria vida com generosidade torna-se capaz de alcançar a vida do outro. Olhar é um exercício cotidiano de resistência”.
p. 188
Para saber mais sobre jornalistas que se formaram no Sul, dê uma olhada no projeto Filhos da Famecos ;) 

Love, Nina :)

11 comentários:

  1. Nossa Nina, acho que ainda não tinha visto o novo layout do blog. Curti muito!
    Sobre o livro, eu conhecia Eliane Brum por causa das colunas delas e compartilhamentos no facebook. Ela parece mesmo um bálsamo entre vários jornalistas execráveis que lemos por aí.
    Não sabia do livro dela, mas parece muito interessante. Deixei anotado.

    Infinitos Livros

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  2. Estou louca por esse livro, já acompanho a Eliane Brum e os textos dela e adoro. Acredito que o livro não fique atrás.

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  3. Oi, Nina! Não conhecia a autora nem o livro, e fiquei com muita vontade de conhecê-la logo! Lerei o livro em breve, se possível ainda neste mês. Obrigada pela dica! :)
    www.literasutra.com

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  4. Nina lindona não conhecia o livro e me interessei por todos relatos repletos de sofrimento emoção, deve ser complicados querer mostrar sem falar devido a timidez. Dica mais que anotada. beijos

    Joyce
    www.livrosencantos.com

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  5. Oláá
    Não conhecia o livro mas parece ser uma leitura bem interessante, gostei da resenha e do enredo, boa dica ;)

    Beijos
    http://realityofbooks.blogspot.com.br/

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  6. Oie Nina!!
    Jornalismo sempre foi uma opção para mim,admiro muito a profissão mas optei por seguir outro caminho.
    Ainda não conhecia o trabalho da jornalista mas fiquei extremamente curiosa sobre ele, e com o livro também. Vou procurar saber mais sobre ela ;)
    bjs

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  7. Hey,
    Nossa amei essa dica. Já conhecia a jornalista, mas muito pouco e agora fiquei com muita vontade de conhecer mais sobre ela e o trabalho da mesma. Esse com certeza vai para a listinha de desejados.
    Beijos,
    Dois Dedos de Prosa

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  8. Ola Nina.
    Ótima resenha flor.
    Infelizmente não é meu estilo de leitura, mas achei a história da autora bacana. Acho que nunca pensei em fazer jornalismo por causa da minha timidez... hehehe

    Beijos
    http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br/

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  9. Olá,

    O livro parece ser bem interessante.

    beijos

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  10. Olá!
    Adorei o novo visual do blog.
    Sobre o livro, gostei muito e fiquei muito interessada na leitura.

    Bjos!

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  11. Oi, Nina! Também sou jornalista e a Eliane é uma grande inspiração. Ainda não li nenhum de seus livros jornalísticos, tive apenas uma experiência com a sua literatura, com o livro "Meus Desacontecimentos". Por aí já pude ver como sua narrativa é poética e sensível, e com os livros de não-ficção não deve ser diferente. Devem ser relatos únicos, incríveis. Com certeza este livro está na minha lista! Beijos

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