#Culturalegrando: "Pois é, Vizinha"
Neste ano, decidi trazer a vocês conteúdos que não falem somente de literatura. Apesar de a literatura ser grande parte de mim, obviamente, transito por outras formas de cultura. Desde Setembro estou trabalhando em um Centro Histórico-Cultural e, por causa disso, tenho estado bastante conectada a programações de museus e teatros. Então, o #Culturalegrando será sobre o que tem acontecido pela minha cidade em termos de exposições, eventos, arte de forma geral - e tudo aquilo que me inspira.
Lá onde trabalho, entre Janeiro e Fevereiro, estamos recebendo peças teatrais de um festival de verão (o Porto Verão Alegre) e a segunda a ser apresentada foi a já bem conhecida (pelo menos aqui no Sul) Pois é, Vizinha..., dirigida e adaptada pela atriz Deborah Finocchiaro.
A peça é quase um monólogo: a personagem Maria conhece Ana, uma vizinha, e abre sua vida para esta moça. Enquanto limpa a casa, cuida do cunhado semi-paralítico e do filho e atende o telefone, Maria nos apresenta uma história de peso e recorrente na vida de muitas mulheres reais. A personagem casou relativamente cedo com um homem mais velho e bastante rude que, tempos depois, revelou-se violento. Para piorar, além de Maria receber vários tapas, é mantida cárcere dentro do apartamento.
"Ele diz que faz isso porque me ama. Me ama, mas me caga a pau. Me ama, mas me caga a pau*”.
*a expressão, aqui no Sul, significa “bater”.
Eu nunca tinha assistido a montagem, embora ela exista há 23 anos. Tudo o que eu sabia era que a violência doméstica e as relações humanas são elementos essenciais da trama. O que vi na hora foi que, embora o tema seja pesado e difícil de ser tratado com tanta naturalidade, a comicidade está muito presente em várias cenas - mesmo naquelas que não deveriam ser engraçadas. Então, é fácil perceber a proposta de Deborah com a peça: a conscientização não precisa vir de forma cáustica, tensa e fechada.
Sempre houve uma tentativa de dar voz às mulheres, independentemente sobre o quê. E por que é importante essa representatividade?
1. Toda história tem dois lados
2. Mulheres também falam, sentem e desejam coisas
"Eu acredito que trabalhar com o teatro é isso, que a vida é isso, que a gente tem que construir mundos melhores no meio desse caos, dessa loucura, desse drama existencial que se vive". – Deborah Finocchiaro, para o site do Centro Histórico-Cultural Santa Casa.
Não há mais como calar a realidade e não estou falando apenas de feminismo(s), mas daquilo que a gente sabe que acontece e finge que não vê. Estou falando, também, das nossas relações humanas. Pense bem, trocando a mulher por um negro, por exemplo, ainda sobram os mesmos questionamentos. O que mais falta acontecer? Por que isso não muda? Por quê, por quê, por quê?
Por que a gente vê um sem-teto na rua e passa reto? Por que ouvimos alguém sendo tratado mal e não interferimos? Por que respondemos grosseria com mais grosseria? Afinal: por que a gente não tenta melhorar aquilo que somos e aquilo que podemos ser?
Desde que me adentrei no mundo das artes - lendo e escrevendo -, percebi algo que tomei como um objetivo de vida: tocar os outros. Quando leio algo e esse algo me toca, eu me sinto grata pelo autor e me sinto conectada de uma forma indissociável. E, quando estou escrevendo, quero que minhas palavras não sejam apenas um conjunto de parágrafos, quero que elas façam a sua parte nas vidas alheias.
Digo isso, porque ainda que a realidade seja hipócrita, injusta e muitas vezes terrível, a arte está aí para tentar lhe dizer algo muito mais do que apenas bonito - é algo que tange aquilo que nos faz humanos: você não está sozinho(a). Sei, a gente tem esse pensamento de que somos incompreendidos. E sou assim o tempo inteiro, mas me encontro na literatura por causa disso: algumas palavras podem me devolver aquilo que sou, aquilo que deixei para trás e aquilo pelo que quero lutar. A questão da arte não é simplesmente ser um escape, mas a potencialização daquilo que deveríamos enxergar no nosso mundo real.
Então, quando você coloca uma mulher abusada, diminuída e molestada numa peça acontece uma coisa: catarse. Está dando chances às pessoas de se livrarem se seus grilhões, de seus pensamentos retrógrados e de seus medos. Porque o abuso, da espécie que for, reduz a alma da gente. A Maria poucas vezes enfrentou o trânsito, entrou em outras casas e conheceu gente nova, porque estava reduzida àquilo que lhe foi imposto. E, muitas vezes, se livrar dessas migalhas que nos oferecem tem uma consequência - e não dá para julgar.
Não dá para julgar, porque:
1. A situação podemos conhecer, mas não somos a mesma pessoa - ou seja, não reagimos, não sentimos e não vemos da mesma forma que aquela pessoa em questão
2. Podemos não conhecer nem a situação, nem toda a bagagem emocional daquela pessoa em questão
Maria, com seu cenário colorido, seu telefone-Mickey e sua enceradeira, reagiu. Não reagiu da mesma forma que eu reagiria, nem da forma que você poderia reagir. A reação diante de qualquer abuso, da espécie que for, é única. Oras, por quê? Porque não dá pra generalizar nada: nem a Maria, nem o marido, nem eu, nem você.
Para acabar - sei que nem todo mundo ama textão -, a arte serve para que a você? E, se você é artista, ela serve para que aos outros?
"Se a gente olhar num padrão, a televisão, por exemplo: na novela, o que é a mulher? Daí tu vai no shopping, vê as pessoas reproduzindo o que veem na televisão, imitando os personagens da novela e cada vez mais se afastando de si mesmas. E aí gera frustração, doenças, loucura. Então, acho que [o tema da peça] é totalmente atual e a gente tem a obrigação de falar sobre essas coisas, de mudar as nossas relações, principalmente – porque não adianta ficar com “discursinho” e no teu dia a dia ser hipócrita, ser cínico, tratar os outros mal. Acho que o grande desafio da vida é o relacionamento com o outro, ser mais transparente". – Deborah Finocchiaro, para o site do Centro Histórico-Cultural Santa Casa. (Para ler a entrevista completa, CLIQUE AQUI).
Love, Nina :)
Olá Nina.
ResponderExcluirAcho legal você trazer outras formas de cultura/arte para o blog.
E eu gosto quando algo toca a gente, mexe com os nossos sentimentos mais profundos, nos causa euforia, alegria, e até mesmo quando nos cutuca e mostra situações que não deveriam existir, mostram um lado da humanidade feio, cruel e desumano. Aí sim serviu ao seu propósito.
Beijos
http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br
Sempre é bom conhecer novos cenários culturais. Fiquei com muita vontade de assistir essa peça. Espero que algum dia ela venha para minha cidade.
ResponderExcluirBjs
www.livrosdabeta.blogspot.com.br
Oi Nina, tudo bem?
ResponderExcluirNão sei se eu iria me envolver com uma peça monologo. Não entendo muito esta arte, então é difícil julgar. Mas concordo quando você fala que cada um tem uma reação diante do abuso. A história deve ser bem profunda...
beijos
Kel
www.porumaboaleitura.com.br
Ola lindona nossa menina lendo essa postagem me peguei a pensar que há anos não assisto uma peça, preciso remediar essa situação, com relação ao monólogo gostei do tema e prenderia minha atenção. beijos
ResponderExcluirJoyce
www.livrosencantos.com
Oi flor, muito bacana essa mesclagem no blog, faço no meu com outros assuntos e amo, só resenhas cansa o povo, e toda forma de cultura é bem válida. Adoro teatro e gostei da história dessa peça.
ResponderExcluirbjs
Gente, que postagem maravilhosa, não sabia de seu trabalho, deve ser encantador. Eu amo visitar museus, e fiquei bem empolgada com a série que descreveu, me fez lembrar de um que vi no Sesc de Pernambuco. Que bom que seu intuito no mundo das artes é tocar os outros, seu espaço literário é bem sensível as questões sociais, isso me alegra muito.
ResponderExcluiroi, tudo bem?
ResponderExcluirlegal essa nova coluna, gosto de informações sobre centros culturais e sua riquiza.
Essa peça parecer ser belíssima, e super reflexiva. É impressionante como tornamos coisas absurdas em normais, e passamos a ignorar tudo o que deveria nos incomodar a nossa volta.
fiquei bem curiosa
beijos
http://meumundinhoficticio.blogspot.com.br/
Oi, Nina *-*
ResponderExcluirFiquei com muita vontade de assistir a peça, mas acho que iria me irritar com a inserção do humor em algumas cenas. Acho que isso é algum trauma, pois odeio ver coisas sérias sendo levadas na base da piada, como uma forma de tirar a importância de algo sério.
Também vejo a arte dessa forma. A literatura, por exemplo, precisa ser mais do que um amontoado de palavras. Uso a minha escrita como uma válvula de escape. É lá que coloco tudo o que me aflige, que mostra o meu ponto de vista sobre o mundo e as coisas, gosto de verossimilhança tanto no que leio quanto no que escrevo.
Abraços,
Karina do blog Eu e Minha Cultura.