O furacão chamado ensino médio, vol. I: um lugar no mundo para ser

Eu conheci a Marcia Dantas em 2015 e, desde então, estamos juntas trilhando nossos caminhos literários, com muito apoio e conselhos. Quando ela me disse que estava escrevendo uma história adolescente, fiquei bastante curiosa, uma vez que seu primeiro romance apresenta personagens adultas e menos dinâmicas.


Título: O furacão chamado Ensino Médio - Relatos e crônicas da garota nova, vol. I
Autora: Marcia Dantas
Publicado em: Amazon / Wattpad
Páginas: 76
Ano: 2018
★★★★

Antes que você se engane, O furacão chamado Ensino Médio não é picotado de histórias curtas. Apesar do pouco número de palavras e de páginas, é um romance que tem conflitos bem posicionados: a ânsia de pertencimento e a rivalidade feminina. 

Nessa trama, que é o primeiro volume de uma série, conhecemos Bianca, uma adolescente de dezessete anos. Ela não é nem um pouco americanizada, ou seja, não é a popular, a cobiçada e a líder de nada. Por ser, justamente, a garota nova na escola, é muito na defensiva. Eu me vi muito nela, na questão do isolamento social, especialmente devido ao fato de ela carregar livros e os ler em meio aos colegas numa atitude muitíssimo antissocial. 

Ficamos sabendo que sua mãe morreu há dois anos e que ela e seu pai estão tentando reconstruir a vida em outra cidade. Mas Bianca detesta tudo, a princípio, especialmente a escola. Lá, é vítima de bullying, praticado por Giovanna, uma colega popular, cujo namorado parece estar interessado em Bianca. Para amenizar a situação entre as duas garotas, uma professora propõe um trabalho em dupla, e claro que as duas precisam trabalhar juntas. 

A vantagem de se ter uma personagem tão madura, que às vezes não condiz com uma adolescente, é que ela vê o mundo de um modo mais atento, por isso o debate sobre o machismo está presente em detalhes e em passagens mais escancaradas. Isso é muito bom e se relaciona muito com a questão de se falar sobre um amor romântico entre duas mulheres. Bianca e Giovanna, a principio, parecem antagônicas, o que dá margem à mesmice narrativa, mas é algo muito bonito também, conforme elas vão vencendo as diferenças e extinguindo preconceitos. Exatamente como em A cor púrpura, o leitor percebe que a união feminina contribui para a aceitação, a auto-estima e o reconhecimento de que o laço entre duas mulheres, inclusive, corrói alguns pilares do machismo. Aliás, isso pode ser comprovado em muitas cenas de Bianca com o namorado de Giovanna. 

A leitura é agradável e motivadora, especialmente quando vai chegando ao final, porque traz questões mais conflituosas. A trama, na verdade, é muito mais do que sobre rivalidade feminina - algo que gostei demais ter sido abordado. 

Toda a literatura da Marcia fala sobre bissexualidade feminina e este livro não fica de fora do contexto. Então, é natural que Bianca e Giovanna se encaminhem, posteriormente, para uma amizade. O romance, como é de se esperar, acontece, mas, por causa das raras descrições sentimentais, a noção do leitor é reduzida. Eu não senti, por exemplo, que existiu um trabalho profundo na relação amorosa delas e, por isso, para mim isso foi algo que nasceu do nada, que eu não li acontecendo. 

Eu li O furacão chamado Ensino Médio muito rápido, não apenas porque o livro é mesmo curto, mas porque é muito objetivo - o que, pra mim, soou um pouco superficial. Eu já conheço o estilo da autora, mas faltou fazer o leitor sentir, sabe? Não me refiro a uma narrativa sentimental, mas de uma que seja profunda, que exprima o âmago das personagens com mais facilidade. Pessoalmente, isso me incomodou, porque parece que faltou algo. Pela objetividade da narrativa, não há muitas descrições emocionais ou físicas. A narradora, apesar de sentir várias coisas - raiva, desinteresse, angústia, amor -, pouco consegue transmitir essas emoções, por causa da dureza contida no estilo narrativo. Essa falta contribui, inclusive, para que a gente não consiga se conectar tanto assim com as personagens, mesmo com a protagonista. 

Outro ponto que me soou superficial foi o tom adolescente. É provável que a autora ainda esteja tentando encontrar a sua voz própria no gênero young adult, e a voz de Bianca é ora dramática de um jeito forçado, ora madura demais para um público que está acostumado com outro tipo de adolescente. 

No entanto, a adolescência retratada pela autora é inclusiva. Há estereótipos e clichês, tanto narrativos quanto de construção de personagens, mas Bianca tenta ser uma espécie de ponte para jovens que se veem desorientados e desesperados por um espaço no mundo - independente do modo que são. 

Existe uma previsibilidade constante na história, mas que é confortável, especialmente se você nunca leu livros young adults nacionais sobre uma orientação sexual diferente da heteronormativa. As personagens são todas planas, o que significa que auxiliam na trama "redondinha". 

Por este ser apenas o volume I, algumas questões ficam em aberto, como a relação de Giovanna com o pai e a própria descoberta da sexualidade de Giovanna - que foi a menos mostrada. Ao mesmo tempo em que é bom perceber que não há crises existenciais nessa descoberta - tanto de Bianca como de Giovanna -, parece que faltou tratar mais desse assunto, especialmente, porque ele é uma das questões apresentadas no livro. Então, espero que haja mais desenvolvimento no volume II, também para que o leitor conheça mais das personagens que não somente suas superfícies.

"Você não entende o significado das pequenas coisas,
até o momento em que elas demonstram uma ausência".
~

A autora publicou, originalmente, O furacão chamado Ensino Médio, vol. I no Wattpad, mas, ao comprar o exemplar na Amazon, o leitor ganha uma parte extra da narrativa. 

~

BÔNUS: entrevista com a autora

1) O que te motivou a falar com/para o público jovem?
Inicialmente não pensei muito em fazer uma história com personagens adolescentes. Recebi o tema de "amor improvável" e logo pensei nos estereótipos de garota popular sente-se ameaçada em seu namoro pela novata e quis subverter isso e essa "brincadeira" ficou tão divertida que quis ampliar isso. Na época também estava bastante influenciada pela minha maratona de Gilmore Girls, o que me impulsionou um bocado.
Mas acho que o que mais me motivou foi fazer algo que nunca tinha sentido segurança em fazer e que me surpreendeu pela relativa facilidade que senti, porque essa primeira parte da história fluiu tão bem que até fiquei de queixo caído. Além disso, essa coisa toda de escola é meu universo. É como se eu tivesse unido as duas coisas que mais gosto de fazer na vida: escrever e ensinar.

2) Qual a melhor e a pior parte no processo de ter escrito esse gênero?
A melhor parte foi o desafio. Eu me senti empolgada com essas novas águas para navegar. Tenho meu estilo e as coisas que costumo fazer, mas sair da zona de conforto de vez em quando é muito excitante (tanto é que também me arrisquei em narrativa em primeira pessoa).
A pior parte é reconhecer a influência da cultura norte-americana na minha escrita. A própria existência dos estereótipos na essência da história é algo muito mais deles do que nosso, o que é frustrante pra mim, porque quero muito escrever algo que tenha uma cara mais brasileira. Esse é um defeito meu, eu sei, tanto é que tenho planos futuros para um YA e, para tal, quero conversar com alunos e ex-alunos e entender essa dinâmica que eles têm dentro da escola (afinal, faz um tempo que saí do Ensino Médio [risos]).

3) O que podemos esperar para o próximo volume da história da bianca
A segunda parte dessa história vai acompanhar nossa protagonista mais madura e lidando com coisas novas em sua vida. Ela vai tatear esses novos status de sua vida. Além disso, Bianca vai ter que enfrentar algumas coisinhas do seu passado.

Love, Nina.

20 comentários:

  1. Oi, Nina. Adorei tanto a resenha quanto a entrevista com a autora. Eu não conhecia o livro, mas já havia ouvido falar da autora. Achei a premissa muito interessante e fiquei curiosa para poder ler também. Eu gosto de livros assim mais objetivos, mas há casos em que ter um pouco mais de detalhamento faz falta mesmo. Espero poder ler esse livro e pelo que você falou eu sei que vou gostar. Já quero ler tanto o primeiro quanto o segundo! Obrigada pela dica.

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  2. Olá, tudo bem?
    Adorei a resenha e entrevista. Não conhecia nem a autora nem a obra, e fiquei muito interessado pelos temas abordados como a bissexualidade e também a rivalidade feminina. Parece uma excelente obra, apesar dos pontos negativos como a voz da narradora forçada.

    Abraço
    www.decaranasletras.com

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  3. Oi Nina, que livro bacana, talvez não seja para minha idade, mas tenho uma filha desta idade e é bom estarmos sempre por dentro dos dramas da adolescência. Bullying é um tema que mexe muito comigo, então tenho certeza que vou sofrer horrores com a protagonista.
    Muito obrigada pela dica.
    Bjos
    Vivi
    http://duaslivreiras.blogspot.com.br/

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  4. Eu adoro suas resenhas, são sempre tão detalhadinhas. Adorei a entrevista, eu não conhecia a autora e logo de cara a capa da obra me chamou a atenção, não é o tipo de enredo que eu leria mas que certamente me conquistou pela sua resenha, me parece ter bons elementos para questionar algumas coisas, principalmente sobre machismo.

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  5. Olá Nina, como vai?
    Quero parabeniza-la pela parceria com um autora tão incrível, amei ler a entrevista que você fez com ela, apesar de ter feito poucas perguntas eu gostei muito das respostas. O ensino médio é sempre complicado para os jovens e um livro como esse deve ser amplamente divulgado em todas as escolas, porque é nessa época que vivemos muitas mudanças.

    Beijos e abraços
    http://vickyalmeida.blogspot.com.br/

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  6. Olá Nina!
    Sempre que venho no seu blog sei que vou encontrar um conteúdo diferenciado. Não são todas as obras que me chamam atenção, mas essa em particular parece ser bem especial. Nunca li nada parecido e com tantos elementos importantes a serem colocados principalmente nos dias em que vivemos. Uma dica e tanto não só para os jovens, mas para quem procura esclarecimento sobre sexualidade, bullying com uma abordagem responsável.
    Parabéns pela resenha e entrevista.

    Beijos!

    Camila de Moraes

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  7. Oi Nina, agradeço não só pela indicação do livro através da resenha, como pela entrevista com a autora, visto que não conhecia ambos.
    Bjs Rose

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  8. Pela entrevista deu pra sentir que a autora é a simpatia em pessoa.
    Gostei da sua resenha, principalmente da sinceridade. Eu daria uma chance sim, mesmo com as ressalvas. <3 Eu não conhecia a autora, porém fiquei curiosa..

    Beijos
    Sai da Minha Lente

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  9. que amor de livro!
    fiquei com muita vontade de ler, to até pesquisando aqui pra comprar

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  10. Olá, tudo bem?
    Eu não conhecia esse livro e nem a autora, mas confesso que, apesar de ter gostado da premissa, algumas coisas me incomodaram e me desanimaram um pouco de ler. Acho que a autora trouxe um tema muito importante, mas que me pareceu não ter sido bem explorado. Acho pouco provável que uma adolescente que está se descobrindo sua sexualidade não tenha alguns conflitos pessoais (ou existenciais, como você falou) até se entender. Além disso, me pareceu que ela não conseguiu transmitir as emoções das personagens de modo a fazer o leitor conseguir realmente se conectar com elas. Isso me incomodaria muito, pois quando estou lendo um romance eu preciso acreditar nos sentimentos dos personagens para acreditar e torcer por eles.
    Enfim, adorei a resenha, mas acho que vou passar a dica dessa vez. De qualquer forma, espero que nos próximos livros a autora consiga expressar melhor os sentimentos dos personagens e se aprofunde mais nessa descoberta da sexualidade das protagonistas.
    Beijos!

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  11. Juro que comecei lendo a resenha pensando "mais um livro sobre adolescente em uma escola" mas o qie me deparo na sua resenha foi algo totalmente diferentre, algo que eu me interessei pelas questões abordadas, mesmo tendo alguns pontos que deixou a desejar acho que me aventuraria nessa leitura, bem bacana a sua resenha!

    Beijos,
    Conta-se um Livro

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  12. Oi Nina.
    Muito legal esse bônus, lemos a resenha e depois um pouco sobre a autora e sua obra.
    Apesar das questões abordadas serem interessantes, minh experência com livro adolescente não foram boas, sei que algum dia vou ler um que vou adorar, não foi por falta de tentar. Então por hora passo a dica mas vou indicar a leitura para quem eu sei que irá gostar.
    Bjus

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  13. não espero algo diferente de superficialidade no gênero YA, então pra mim não é surpresa... ler em formato ebook pra mim não rola, não tenho paciência nem me concentro direito, salvo umas raras exceções.
    de qualquer forma, a proposta da obra parece caber dentro do que a autora se propôs...

    bj...

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  14. Oi Nina.
    Achei muito bacana esse formato de resenha seguida de entrevista.
    Sobre o livro, acho muito positivo que a autora aborde assuntos que não se vê sendo muito discutidos como a relação amorosa entre duas mulheres. Eu vejo mais relações entre dois homens do que o contrário.
    É uma pena que o livro soe um pouco superficial e com uma narrativa pouco crível, mas como é o primeiro volume, esperamos que nos próximos a autora consiga acertar essas coisas.
    Obrigada por sua resenha sincera.
    Abraços.

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  15. 76 páginas me passa a ideia de novela, bem curtinho.. se é um livro voltado para o público adolescente, ao menos foi o que eu entendi (posso estar errada), certa superficialidade é bastante natural e até necessária. Se tiver oportunidade, quero ler, quem sabe uso com o pessoal em sala de aula.

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  16. Olá, tudo bem? Nossa isso tudo em 76 páginas. Achei que a autora aborda bastante coisa, para algo que é curto, então seria perceptível alguns assuntos passarem superficialmente. Não sou o público, mas por ser algo " rápido" acho que daria uma chance sim, por apresentar uma protagonista um pouco mais madura que os adolescentes no geral. Ótima e sincera resenha!
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com.br

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  17. Oi, tudo bem?
    Eu não conhecia esse livro ainda, mas de cara fiquei curiosa, pois é uma história curta e como no momento estou sem tempo, essa história seria uma boa para mim. Mas o principal motivo foi por ser uma história que fale sobre machismo e rivalidade feminina, pois são temas interessantes e bacanas para serem abordados em histórias adolescentes, assim como o bullying, a bissexualidade e outros. É uma pena que o relacionamento amorosa das personagens não tenha sido tão bem construído e que a narração tenha sido tão objetiva a ponto do leitor não sentir a história. Enfim, gostei muito da sua resenha, é uma história que parece interessante apesar dos pontos negativos.

    Beijos :*

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  18. Olá!
    Gostei muito da resenha e da entrevista. Não conhecia a obra ainda, mas me pareceu ser um tema bem relevante. Já sei para quem indicar!
    Beijos

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  19. Oie! TUdo bom?
    Primeiramente, seu blog é uma graça! Amei tudo aqui!
    E eu adorei a resenha! Não conhecia a obra mas fiquei com vontade de ler, e adorei a entrevista com a autora!!

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  20. A premissa da história me parece ser muito interessante, não estou acostumada com o gênero YA então não sei o que esperar da narrativa, me identifiquei bastante com a protagonista por ela ser mais reservada e madura. Parabéns pela entrevista com a autora, ficou ótima!

    www.estante450.blogspot.com.br

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