Nanette: o stand-up que você precisa

Como os meus primeiros planos para falar mais da visibilidade lésbica e bissexual deram certo, decidi que Nanette precisava de uma resenha. A princípio, pensei em fazer um post só com quotes, mas eu amei tanto esse stand-up que gostaria de falar dele para sempre. 


Título: Hannah Gadsby: Nanette
Onde assistir: Netflix
Duração: 1h e 9 minutos
Gênero: stand-up comedy
Ano: 2017
★★★★★ +

Antes de ver muita gente falando de Nanette e de assistir ao show, eu não sabia quem era a Hannah Gadsby. Apesar de ter começado a assistir Please like me, não cheguei a acompanhá-la no seriado, pois as aparições dela começam na segunda temporada (e eu larguei o seriado já na primeira haha). 

Ainda assim, a Hannah não é uma figura muito conhecida fora da Austrália. Ela se achou no ramo da comédia há uns dez anos, ainda que tenha estudado História da Arte. Durante o stand-up ela conta fatos sobre si mesma, a princípio, com muita comédia. Fala da mãe, do que aprendeu sobre Van Gogh, de como foi crescer na Tasmânia homofóbica, do esforço da sociedade em fazê-la se encaixar. 

É muito difícil escrever essa resenha. Para mim, é sempre muito difícil escrever sobre algo que amei ler ou assistir, porque sempre parece que está faltando algo, sabe? Traduzir em palavras, às vezes, é insuficiente. E eu senti muito assistindo Nanette. 

O ponto de partida (e o que une tudo o que Hannah fala sobre sua história) é a sua lesbianidade. Parece exagerada ou desnecessária essa atenção, mas acontece que o espectador vai percebendo que o fato de sua sexualidade se divergir da heterosexualidade, tão naturalizada pela sociedade, influiu basicamente toda sua vida. 

São muitos os assuntos que ela engata um no outro e é muito legal, ao final, entender que todos fazem sentido e que todos são necessários para se contar a grande história: Hannah Gadsby. Apesar de o show ter o título de "Nanette", não existe Nanette alguma. Quem existe mesmo é a Hannah e isso vai ficando visível conforme suas histórias são contadas. 

Até pelo menos a metade do show, a gente vai colecionando suas histórias para tentar entender quem é a a pessoa no palco. Então, depois de muitos risos, as coisas vão ficando mais sérias, especialmente porque é impossível não falar de lesbianidade sem falar de machismo. Aí, entra toda uma desconstrução de gênero, do que é violência, do que é poder. Essa é a melhor parte. Essa é a parte que é impossível não sentir. 

Apesar de eu não me identificar como lésbica, eu me identifico como mulher. E, como tal, certas histórias são sentidas como se fossem comigo. Eu compartilhei muita da raiva da Hannah. E quando digo "raiva", é a pura expressão do não aguento mais. Não aguento mais: pessoas serem violentadas pelo que são. Não aguento mais: o poder estar nas mãos daqueles que escolheram o ódio. Não aguento mais: o ódio ser mantido com mais ódio. 

Acho que o melhor ensinamento de Nanette é falar sobre sentimentos. Eu sei, a gente não espera isso num stand-up comedy. A gente se prepara para rir, mas nunca para ser pega de surpresa e chorar. Pode ser que a Hannah esteja cansada de fazer as pessoas rirem, mas eu tenho certeza de que ela sabe que fazer os outros chorarem é também uma arte. 

Nanette foi como receber vários tapas na cara, todos necessários. Eu sei que a gente não quer ser violentada quando quer rir, mas acaba acontecendo. Isso porque as emoções não existem isoladas. E a forma como Hannah, sutilmente, vai mudando seu enredo para nos fazer sentir várias emoções é incrível. De início, o expectador nem percebe as nuances, até que chega num ponto que é impossível ignorar a raiva, a dor e as lágrimas. 

Fazer sentir é o que eu mais amo sobre as pessoas. É claro que pra fazer sentir você não precisa ser artista, basta existir como é. Um ponto que me fez refletir foi justamente esse: o quanto a gente não entende que basta existir para surtir algo no outro. Basta sentir raiva. Basta querer que o outro suprima quem é. Basta achar que você vale mais. Basta reproduzir o ódio. Basta fingir que não ouviu o não. Basta combater algo que você nem mesmo entende. 

Falar de Nanette é falar do que queremos sentir e do que queremos fazer os outros sentirem. É lembrar que ser diferente não significa ter de ser punido. É querer que o mundo mude, livrando-se de todo o ódio que ensinou. 

Falar de Nanette nunca vai ser suficiente para traduzir toda a dor que senti durante a uma hora e nove minutos de show. E acima de tudo: eu nunca vou conseguir agradecer o suficiente por estar viva para ter tido a oportunidade de assistir a esse stand-up. 

Sabe algo que você sabe que vai lembrar para sempre? É assim que me sinto em relação a essa grande história. 

Não importa se você não é lésbica. Você precisa assistir a esse show. 

Eu conto isso, porque a minha história tem valor. (...) Se alguém tira as suas forças, não destrói a sua humanidade. Sua resiliência é a sua humanidade. As únicas pessoas que perdem a humanidade são as que acham que têm o direito de tirar as forças de outro ser humano. Eles são os fracos. Envergar e não quebrar, isso é uma força incrível. Destruindo a mulher, você destrói o passado que ela representa. Eu não vou permitir que a minha história seja destruída. Eu teria feito de tudo para ouvir uma história como a minha. Não por culpa. Nem por reputação, dinheiro ou poder. Mas para me sentir menos sozinha. Para me sentir conectada. Eu quero que a minha história seja ouvida. Porque, ironicamente, acredito que Picasso estava certo. Acho que podemos pintar um mundo melhor, se aprendermos a vê-lo de todas as perspectivas, de quantas perspectivas forem possíveis. Porque diversidade é força. A diferença é uma professora. Tenha medo da diferença e não vai aprender nada. 

 Love, Nina :)

12 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Não sabia da existência desse stand-up, mas pelo o que tu disse parece ser bem importante que todos assistam. Adorei a postagem e a indicação!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  2. Olá
    Eu não conheço essa historia e nem sei quem é a Hannah ou Nanette. Mais fiquei curiosa para saber mais sobre ela e vou assistir ao stand-up com certeza

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  3. Seu post ficou incrível: bem elaborado, bem escrito e bem convincente. Definitivamente vou assistir, você me deixou curiosa!

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  4. Oiii Nina

    Não conhecia, mas achei tão leve, bacana e divertido que fiquei com vontad ede cofnerir o stand up. Vou anotar a dica, nem conhecia a Hannah.

    Beijos

    www.derepentenoultimolivro.com

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  5. Obrigada por essa dica, é super curtinho então posso assistir antes de dormir. Eu adoro seus projetos e ainda nao tinha visto posts sobre a visibilidade lésbica, e é tão necessário! Sem dúvida alguma acho que o caminho que ela encontrou para falar sobre coisas tão sérias, surtiu efeito.

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  6. Sei bem como é isso de gostar tanto de uma obra que por mais que a gente fale, ainda sinta que falta dizer algo. Eu ainda não conhecia esse show, mas pleo seu post já fiquei curiosa para ver e vou sim assistir na Netflix. Precisamos sempre lembrar dessas verdades e das crueldades do machismo especialmente com quem não segue o "padrão".

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  7. Oi, Nina!
    Eu te entendo na dificuldade de falar de algo que você tenha gostado tanto, isso acontece muito comigo também.
    Eu gosto muito de ver na Netflix conteúdo de documentário e stand-up, não conhecia esse e já vou adicionar à minha lista. Você falou de uma maneira tão profunda sobre que eu já imagino como vou gostar do show também.

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  8. Olá,
    A história parece ser um tanto emocionante, e confesso que nem sabia da existência da pessoa e do programa na Netflix. Vou tirar um tempinho para ver também!

    Debyh
    Eu Insisto

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  9. Nina, minha amiga me recomendou, mas não me deu muitos detalhes.
    Agora lendo sua resenha deu pra sentir a importância desse trabalho. Não conheço a Hannah, mas já quero ver ainda essa semana. AMO essa reflexão e discussão sobre diversidade (precisamos conversar SEMPRE sobre isso). Amei demais sua crítica <3

    Sai da Minha Lente

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  10. Olá. Eu costumo gostar muito de standup, mas o fato de esse ser bem mais sério do que se é esperado me deixou um pouco "com pé atrás". Acredito que eu me identificaria melhor e me interessaria mais se fosse algo mais "divertido" e menos "choroso", mas é apenas uma opinião minha, pode ser que eu esteja enganada. No momento, passo a dica. Mas foi uma excelente resenha.
    Abraços

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  11. Olá, tudo bem? Não conhecia a história, mas fiquei bem curiosa. Assuntos assim precisam ser debatidos, vistos, lidos e quanto mais informações, melhor. Vi que você se apaixonou realmente pela Hannah e isso me anima mais ainda em conhecer! Como tenho Netflix será uma das coisas salva por lá. Adorei a crítica!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com.br

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  12. Estou simplesmente encantado com essa resenha. Não conhecia esse stand-up, mas suas considerações foram incríveis e me deixou louco para conhecer. Fico feliz em saber que o show te trouxe tantas coisas positivas e a discussão sobre diversidade tenha te agradado. Estou ansioso para assistir.

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Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.