Esse amor é corajoso

outubro 10, 2020

Você ficou quando o mundo de dentro se desfazia em uma nuvem de fragmentos; esperou até o último raio de sol desaparecer atrás das montanhas para se levantar e sacudir a poeira de outrora. Mas você não sabia mais onde estava; esperou que o dia lhe desse opiniões e certezas, mas esqueceu-se de que nunca ouviu direito seu coração — sempre esperou que ele lhe mandasse sinais de fumaça, talvez uma chuva de meteoros brilhantes. E, por isso, estou de volta aos dias que perdemos. Eu fiquei com as lembranças, com os sorrisos, com os olhos, enquanto você guardou o desgosto, os machucados, todos os nãos que já te disseram.


Você se acostumou a conviver com a dor de se sentir quebrada — e todas as vezes eram como a primeira. Você nunca quis ser salva, assim como nunca previu a tempestade — ou o arco-íris — se aproximarem. Então, você fugiu de tudo que não lhe fazia mais o coração vermelho e quente. Ressignificou os olhares, os muros, as estrelas, transformando-os em letras douradas.


Eu me lembro bem de você correndo assustada e quebrando promessas infundadas. Você sempre soube onde depositar seu amor, mas correu alguns riscos porque acredita demais em qualquer batida perdida do coração. Você as abriga como uma canção de ninar, coleciona momentos passageiros e guarda as fotografias em caixas de fita. Nunca conseguiu se desfazer de nenhuma delas, por mais que lhe mandasse. Você queria uma fogueira para abrandar o frio, para que seu coração trêmulo retornasse à vida; ninguém foi capaz de construí-la e você decidiu fazê-la com as próprias mãos. 


Estamos vivendo pela esperança de dias brilhantes em frente às ondas. Ela te deu alguns céus cor de rosa e outros amores, dos quais esqueceu-se três semanas depois. Você coleciona fotografias de pessoas que desapareceram da sua vida, mas que te fizeram outra pessoa — você nunca soube responder se construíram um barco à vapor ou um submarino de guerra; para você, elas nunca vão realmente embora. Elas ficam enquanto você também ficar. E você sempre escolhe ficar, por mais vermelho-sangue seu amor se mostre. 


É difícil estar em qualquer lugar quando ainda me lembro do seu coração machucado, cuja ferida ainda faz seus olhos arderem. Você nunca sabe quando ela se tornará apenas mais uma cicatriz.


Eu te vi morrer muitas vezes e você mentiu todas as vezes sobre a cura estar perto demais; você queria ser curada da bagunça de ser apenas mais uma na imensidão na noite. O tempo levou embora a água que nadava nos seus pulmões, mas não conseguiu remendar as farpas que ainda moram no seu cansado coração. Você esperou por um milagre, três palavra — eu estou bem —, mas elas nunca vieram.


Você achou que o amor viria embrulhado numa caixa de presente, mas descobriu que ele não é óbvio — não é como uma noite de Natal festiva e colorida; é como a enseada nublada nos dias frios. Mas a vida te revelou novas coisas e novas tardes de verão abaixo do pôr do sol. Você soube entender os sinais de aviso.


Você ainda tem amor para mim. E eu espero que seja o bastante para nós deixarmos nossas pegadas na areia da sua praia favorita. Você tentou calar as feridas, mas percebeu que deveria ir atrás do destino sozinha — mesmo que a dor fosse insuportável, você dava mais um passo. Você parou de se esconder, parou de acreditar que os outros estavam certos, parou de se lembrar das memórias esmorecidas de um passado que o vento já despedaçou. 


Eu me lembro de você na baía, desencontrada como nunca, andando pelas dunas. Você nunca viu a paz chegando, mesmo nos dias mais calmos. Você nunca mais foi a mesma depois da primeira onda. Tudo o que você fez foi ir embora e ficar sozinha — você dizia que era mais fácil, que era o que sempre procurou. Acontece que você esqueceu que amar também é coragem, é olhar no espelho e vislumbrar um sorriso, é andar de mãos dadas no meio da multidão, é amanhecer num quarto desconhecido, mas acolhedor e caloroso. É se embrenhar na floresta cada vez mais, seguindo a esperança e largando o medo. É acreditar na magia mesmo quando se está partida em cinco pedaços diferentes. 


Todos os seus ossos reclamaram para um final, mas ele nunca chegou — e você continuou. Seguiu os caminhos tortos e os mais bonitos, aqueles com flores nas encostas, mesmo quando estava exausta de tanto tentar procurar outras saídas. Você gostou de todas as vezes em que seus pés afundaram na espuma do mar e trilharam matas fechadas e escuras. 


Você segurou a minha mão nos piores momentos, dizendo que o sol ia retornar. Eu espero não perder esse enlace de novo, por favor, fica. Fica pra ver o novo amanhecer azul celeste banhado de púrpura. Fica pra encontrar novos sorrisos enfeitados. Fica pra perceber que não está sozinha — que parece que estamos perdidas, mas que você sempre soube o caminho de volta para si. Você sempre esteve pronta para o combate mesmo quando ele era contra sua alma. Você golpeou e arranhou todas as superfícies de si mesma apenas para perceber que perdeu tempo, que o amor não era isso que pensava — que era como o final do dia: bagunçado, mas quentinho, como seu cobertor preferido. 


Você nunca soube quem ia ficar, mas escolheu todas essas pessoas sabendo do pior. Ficou porque não tinha mais para onde ir; não tinha um corredor luminoso para te guiar para fora dessa floresta tropical e selvagem. Seus olhos se acostumaram à pouca luz, porque já fazia muito tempo de morada — você construiu uma cabana, trouxe as suas almofadas amarelas e espalhou velas pelo lugar; você queria um lar mesmo não sabendo o que era um. 


Eu te digo para deixar pra lá, para parar de procurar a luz do dia, mas você nunca se cansa. Você não consegue deixar pra lá: as músicas, os rostos, os sorrisos, as palavras. Você não sabe dizer adeus, mesmo sabendo que procura uma transformação. Você se apavora diante do desconhecido, mas também não sabe sentir a mesma coisa por mais de cinco semanas — você muda, reconstrói, ressignifica. Você altera tudo, mas não se esquece de nada. 


E você quer esquecer. Quer esquecer as mãos, as conversas, as risadas, o aconchego. Mas você ama o amor tanto quanto ama essa busca incessante pelo próximo passo. Pela próxima clareia depois do precipício. Você tem medo, não quer ser definida por ele — por todas as vezes que chorou escondida, por todas vezes que correu dos olhos de alguém, por todas as vezes que te elogiaram e você duvidou. Você aguarda pelo dourado da vida, porque já foi muito azul — agora, você quer largar os últimos anos, deixá-lo encaixotado num quarto fechado da cabana e seguir em frente. 


Você ama o mar, mas não quer mais se parecer com ele. Você quer ser definida pelas coisas que ama — por todo o amor que já sentiu e agradeceu sentir. Você quer sair da floresta e vislumbrar um destino menos doloroso; tudo que já experimentou até agora só te fez ficar encolhida em posição fetal. 


Você quer a coragem de amar a vida sem medo, sabendo que vai se machucar na próxima clareira e rolar montanha abaixo. Você quer a coragem de sentir amor sem ter de questioná-lo. Você quer ter a coragem de lembrar de como o amor sempre foi colorido e quente no seu coração. 


E, quando conseguir, não vai deixar ir embora. Não vai esquecer. Vai guardar junto com as outras lembranças para que, um dia, você olhe para trás e perceba que sempre teve tudo. Que você sempre foi tudo.


Imagem: Annie Spratt.


Essa jornada foi dividida em três partes. Leia a parte 1 AQUI

Love, Nina :)

6 comentários:

  1. Oi Nina, tudo bem?
    É tão difícil amar, não é? E ao mesmo tempo é tão fácil. E vale tanto a pena! Eu sei que é complicado tentar sem defesas por causa das lembranças de experiências ruins. Por isso concordo que precisamos ter coragem. Ótima reflexão.
    bjs.
    cila.

    ResponderExcluir
  2. Preciso ler a parte um, porque me identifiquei tanto com esse texto. Parecia que estava conversando comigo =)

    Sai da Minha Lente

    ResponderExcluir
  3. Aqui: "É difícil estar em qualquer lugar quando ainda me lembro do seu coração machucado, cuja ferida ainda faz seus olhos arderem. Você nunca sabe quando ela se tornará apenas mais uma cicatriz." você me pegou.
    Mais uma vez parecia que você tava falando comigo ou falando de mim sabe. Eu acho que amar é um ato de coragem tão grande, e também penso que não deveria ser assim. Obrigada por mais esse texto, de verdade. Você é incrivel, Nina.

    ResponderExcluir
  4. Oiii Nina

    Essas palavras são tão verdadeira,s me identifiquei muito com vários pontos do texto. Amar dói, mas também é uma experiência tão única e inexplicável, a gente só sabe que de repente acontece e está lá. Adorei.

    Beijos, Ivy

    www.derepentenoultimolivro.com

    ResponderExcluir
  5. Oi, tudo bem?
    Que linda reflexão sobre o que é amar. A dor que vem com esse sentimento, mas também todas as coisas boas e momentos inesquecíveis. É algo complexo, mas que faz a vida valer a pena. Amei seu texto e a sensibilidade com que você escreve é encantadora.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  6. Gostei bastante do artigo, muito bom mesmo! Estou amando ler seus artigos e compartilhar com os amigos!


    Meu Blog: Como realizar uma aposta no Gol Bet?

    ResponderExcluir

Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

Qualquer preconceito exposto está sujeito à remoção.

Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.