#Rimas em saudades perenes

janeiro 17, 2016
Fiquei afastada por um tempo e, às vezes, até acho que desaprendi a ser eu mesma. Guardei tanta coisa aqui dentro que, de tanto que sentia, acostumei a achar que não sentiria mais nada. Nada novo, entende? Nada que me fizesse entender que a vida tá aí, bem diante dos meus olhos, aguardando que eu a coloque em palavras. Acontece que eu me desalinhei e, junto, levei a vida. Foi aí que comecei a acreditar que tudo tem um porquê, um ponto final, um desfecho feliz. E quando os porquês se apresentaram invisíveis, o ponto final se estendeu em reticências e o desfecho não passou nem perto de ser bom, quanto mais feliz... Bem, o desespero bateu. Entendi que nem sempre as rimas podem consertar toda a minha alma.

A poesia fez um sentido em tudo aqui dentro, organizou a minha desordem e me deu uns sentimentos sorridentes pra colecionar. Mas esqueci que, depois de um tempo, as palavras precisam ser exercitadas. Quando desaparecem, levam embora o que trouxeram. Quando você foi embora, todas as rimas deram a partida também. Ficou tudo vazio, nublado, sobraram apenas todos os pedaços de você, isso mesmo, aqueles que eu inventei. Silêncio, melodias tristes e memórias suspirantes. Foi tudo falência depois disso. E, ainda assim, eu via você em todos os lugares. Não, não era você. Era só aquele seu casaco azul que, durante muito tempo, ficou jogado na minha cama. Era só a cor do seu cabelo. Era só alguém que tinha o mesmo nome que você. Foi sufocante, entrei em pânico diversas vezes e, quando achava que já tinha atingido o limite, você ainda me fazia ficar. E eu ficava, ficava, ficava. Relembrava uns versos preferidos para reanimar um pouco a felicidade adormecida e, assim, amenizava a saudade dos meus segundos preferidos. Dizem que o que é bom dura pouco, né? Mas acredito que, dentro daquela única respiração que abrigou olhares e sorrisos, a eternidade vingou. Eu não a conhecia, daí você fez questão, sem querer, de me dar isso - não, não dá pra esquecer, ou desvanecer. É um pedaço de paraíso num piscar de olhos: é o momento indo embora, mas fazendo ninho na gente. De vez em quando, volta pra casa só pra trazer um tiquinho de saudade. 

Tô pra te dizer que sempre dá pra resgatar memórias. Todas elas. Às vezes, revisito meus escombros só pra tirar aquela caixinha de música da poeira, ou para sentir mais uma vez o efeito da minha primeira eternidade em mim. Vou te dizer: é bom. Dizem que saudade machuca, que devemos seguir em frente, mas a minha porção de pretérito perfeito sempre vai rir disso tudo. Sempre vou arranjar um tempo para abraçar todas as lembranças, mesmo as em decorrência de algo que me feriu. Falando em ferida, não dá pra deixar de lado os dias de raiva e de lamento. Saudade não é apenas rima e faísca. Saudade é, também, lágrima, aperto no peito, vontade de morrer. A saudade é um intrincado de fiapos desconexos, todos de natureza e razões diferentes. Na maioria das vezes, não dá pra separar as emoções felizes das tristes - você arranca um pedacinho e tem que lidar com o surpreendente destino da vida: saber o que fazer com aquilo tudo. Uma coisa é certa: não dá pra jogar fora. 

É por isso que a deslembrança não acontece: não existe uma lata do lixo que indique para onde vão as recordações que nos machucam. Afinal, somos feitos de fiapos. Fiapos de minutos, criações, estrelas, gentes, beijos, poemas, flores e abraços. Somos uma miscelânea de causos, respirações e eternidades. 

Ainda te vejo por aí com o seu casaco azul, o seu cabelo de trigo e o seu nome ainda aparece pichado na porta da minha casa, vez ou outra. Vejo assonância e vejo poética. Vejo a sua natureza florescer diante do palco e me trazer flores. Guardo todas. Traga mais, mas não deixe de colecionar as suas perenidades. Eu tenho as minhas e são todas sobre você, apenas espero que, das bilhões que tem, umas três sejam sobre mim, que é pra eu não achar que decorei rimas em vão.

Fotografia: Brooke Shaden (veja mais aqui).

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Esse texto foi inspirado na canção Mid Air, de Paul Buchanan, e você pode ouvi-la AQUI
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Love, Nina :)

9 comentários:

  1. Só consigo suspirar e querer te abraçar. Sempre me impressiono com sua habilidade com as palavras, parece que você é dona de todas elas. São tantos trechos maravilhosos - "porção de pretérito perfeito", "nem sempre as rimas podem consertar toda minha alma", "deslembrança" - que nem sei o que dizer que fique à altura disso tudo. Te admiro tanto que até dói. <3

    Beijos
    Ruh Dias
    perplexidadesilencio.blogspot.com

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    1. Você, como sempre, sendo uma fofa!
      Muito obrigada pelo amor <333

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  2. Poxa que texto profundo é esse Mocinha!
    Me vi um pouco nesses sentimentos todos.
    Gostei muito, parece que você me viu e me descreveu em algumas partes. Parabéns pelo texto!

    Beijos
    devoreumlivrooufilme.blogspot.com.br

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  3. Ai gente, que coisa mais linda e triste ao mesmo tempo. Poético e fofo, cheio de mágoa e cheio de amor, cheio de esperança e cheio de certeza de ter apenas as lembranças. Senti tudo isso e mais um turbilhão de emoções ao ler seu texto, daria um belo livro. Parabéns.

    bjs

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  4. Nina, que texto lindo!!!! Confesso que me emocionou a ponto de me levar às lágrimas! Trabalho maravilhoso!

    Bjs

    livrosdabeta.blogspot.com.br

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  5. Nina, impossível dizer de que parte gostei mais. A saudade é mesmo coisa que a gente carrega mesmo sem saber o motivo, a falta machuca e, apesar de o texto trazer a tona um pouco mais de um amor-paixão me peguei encaixando saudades de outras pessoas queridas em todos os versos. Eu nem sei o que dizer.

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  6. Caramba Nina, assim você deixa a gente sem jeito, sem ar, sem folego pra tantas palavras belamente lançadas, laçadas. Suas palavrinhas, tão bem compostas, cada frase tão profunda vai entrando dentro da gente e nos guiando dentro de nós mesmos, nas nossas lembranças que não podem ser deslembradas. Lindo texto!

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  7. Sempre que leio seus textos eu fico com aquela sensação de querer demonstrar o quanto me impressiono... mas esse seu modo delicado de escrever tudo arranca as palavras de mim, de verdade. Simplesmente lindo!

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  8. Olá, tudo bem?

    Seus textos são sempre ótimos e esse não foi diferente, você consegue tocar a pessoas com as palavras e de certa forma tem uma delicadeza.
    Adorei!

    Beijo!

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