#LeiaMulheres: A redoma de vidro

Este ano eu me desafiei a ler mais livros escritos por mulheres. Quem olha pra(s) minha(s) estante(s) vĂȘ claramente que 85% de tudo aquilo foi produzido por mulheres, entĂŁo, nĂŁo Ă© como se eu estivesse me desafiado porque estĂŁo faltando textos femininos. O que me motivou a ter entrado para o Clube de leitores do #LeiaMulheres (Brasil) foi o meu desconhecimento literĂĄrio das autoras que compĂ”em a minha lista e a vontade de terminar ou reler obras de duas delas (Lygia Fagundes Telles e Marion Zimmer Bradley). 

A obra da Sylvia Plath, embora nĂŁo tenha sido a primeira que comprei e tentei ler do desafio, Ă© a primeira que venho resenhar. 


TĂ­tulo original: The bell jar
Autora: Sylvia Plath
Editora: Editora Globo
PĂĄginas: 274
Ano: 1963 (original) | 2014 (tradução para o portuguĂȘs)

Existem muitos artigos que falam sobre os problemas psicolĂłgicos de Sylvia Plath, muitos deles a apontando como alguĂ©m frĂĄgil. Na orelha dessa edição, estĂĄ escrito que a obra "Ă© mais do que um relato sobre o desequilĂ­brio emocional de uma grande personagem (...)" e, desde a primeira vez em que li isso, sĂł consegui rolar os olhos e sentir desprezo pela pessoa que escreveu esse trecho. NĂŁo acho que palavras estereotipadas sejam saudĂĄveis para descreverem doenças mentais, em especial porque muitas delas propagam a ideia errada da realidade psicolĂłgica da qual a pessoa vive/convive/estĂĄ. 

A redoma de vidro faz muito mais do que falar sobre a depressĂŁo: desnuda diversas ideias prĂ©-concebidas erroneamente sobre a doença. Esther Ă© uma garota de sorte para alguĂ©m da classe social dela, pois recebeu uma grande chance de trabalhar durante o verĂŁo em uma prestigiada revista de moda e deveria estar cheia de energia e alegria. O inĂ­cio da narrativa mostra liberdade, indiferença Ă  alegria das suas companheiras de estĂĄgio e ansiedade. Existe muito desejo por parte de Esther de conquistar a tudo e a todos. A Ășnica pessoa em que a personagem nĂŁo pensa Ă© nela mesma, porque coloca os outros em primeiro plano. Esther esconde a inquietação trabalhando, indo a festas, desfiles e rememorando pessoas de seu passado, Ă  exemplo de Buddy, um garoto que conhece hĂĄ muito tempo e por quem achou que era apaixonada. 

O estĂĄgio termina e Esther volta para casa, onde a onda de ĂȘxtase diminuiu e ela se envolve em perĂ­odos de grande melancolia e incapacidade. O sonho da personagem Ă© escrever um livro, mas nem isso consegue, porque nĂŁo consegue mais encontrar motivação naquilo que gostava. Reconheci diversos momentos desses perĂ­odos de Esther imersa em si mesma e, por mais que a personagem seja muito diferente de mim, senti muita empatia por ela. 
"Para uma pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imĂłvel como um bebĂȘ morto, o mundo inteiro Ă© um sonho ruim. 
Um sonho ruim. 
Eu lembrava de tudo. 
(...)
Talvez o esquecimento, como uma nevasca suave, pudesse entorpecer e esconder aquilo tudo. 
Mas aquilo tudo era uma parte de mim. Era a minha paisagem".
p. 266
Foi impressionante constatar que a linguagem e a personagem sĂŁo muito atuais, apesar de mais de 60 anos da publicação. A liberdade sexual estĂĄ muito presente em diversos trechos e grande parte das convicçÔes de Esther posso dizer que compartilho, o que somente me fez entender a personagem cada vez mais. NĂŁo espere ler sobre a depressĂŁo a partir de um olhar imediatista, porque a intenção do livro nĂŁo Ă© amenizar ou colocar um ponto final na doença, pelo contrĂĄrio: tenta, a cada capĂ­tulo, fazer com que o leitor entenda que a depressĂŁo nĂŁo existe a partir de um Ășnico sintoma e de um Ășnico tratamento (embora, na Ă©poca em que o livro tenha sido escrito, os mĂ©todos fossem precĂĄrios e praticamente medievais - Ă  exemplo da eletroterapia). 

Os relatos da doença sĂŁo muito reais, uma vez que a autora conviveu com a depressĂŁo e fez tentativas de suicĂ­dio muitas vezes ao longo da vida, antes da definitiva, aos 30 anos. Houve uma mudança drĂĄstica na minha percepção em relação Ă  personagem depois que ela tenta seu primeiro suicĂ­dio, pois a partir daĂ­, nĂŁo consegui mais visualizar a Esther - quem eu via era a prĂłpria Sylvia Plath. O desfecho aconteceu de forma inesperada para mim e, por isso, acredito que tenha ficado em aberto (e quem o continua Ă© o prĂłprio leitor). Isso me cativou ainda mais na narrativa, porque me fez aproximar mais ainda de toda a situação-chave do livro. 
“Aproximei minha imagem da foto da garota morta. Eram idĂȘnticas: mesma boca, mesmo nariz. A Ășnica diferença estava nos olhos. Na foto instantĂąnea eles estavam abertos, no jornal estavam fechados. Mas eu sabia que, se os olhos da garota morta estivessem abertos, eles me encarariam com a mesma expressĂŁo vazia, morta e soturna da foto instantĂąnea”.
p. 164
A proposta do livro permanece dentro da gente mesmo apĂłs a leitura e nos faz repensar nĂŁo somente na depressĂŁo, mas em nossos ambientes de socialização, em nossas obrigaçÔes sociais e naquilo tudo que achamos que precisamos fazer, mas que acaba nos fazendo muito mal. Repensar sobre nossa saĂșde mental e nossos limites psicolĂłgicos deveria ser uma ação diĂĄria, mas acabamos nos sufocando com tantos compromissos (escola/faculdade/estĂĄgio/academia/festas/cotidiano) e A redoma de vidro nos proporciona esse perĂ­odo de reflexĂŁo. 
“Quanto pior vocĂȘ ficava, mais longe eles te escondiam” - p. 179
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I. Confira a minha lista de autoras para o desafio #LeiaMulheres de 2016 AQUI.

Love, Nina :)

10 comentĂĄrios:

  1. AI MEU CORAÇÃO.
    VocĂȘ anda numa inspiração para escrever resenhas que nossa senhora, ninguĂ©m te supera, garota!
    TambĂ©m senti isso que vocĂȘ mencionou, que depois da tentativa de suicĂ­dio a Esther nĂŁo era mais a Esther, e sim, a Sylvia, e gostei tambĂ©m de como vocĂȘ levou a resenha para os temas de pressĂŁo da sociedade. ParabĂ©ns, flor, nĂŁo Ă© Ă  toa que Ă©s minha blogueira preferida.

    Um beijo do tamanho do mundo,
    Ruh Dias
    perplexidadesilencio.blogspot.com

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  2. OlĂĄ, o nome da autora e do livro jĂĄ forma vistos por mim inĂșmeras vezes, mas nĂŁo sabia exatamente do que a obra se tratava, e apĂłs ver sua Ăłtima resenha, fiquei ainda mais interessada em ler o livro, nĂŁo sĂł por ter personagens interessantes como por falar sobre depressĂŁo, uma temĂĄtica que me interessa muito. Certamente lerei quando puder.

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  3. OlĂĄ,

    NĂŁo conhecia a obra, mas parece ser incrivelmente bem construĂ­da e ambientada. Gostei tanto da sua resenha que jĂĄ estou procurando o livro para comprar. Os temas abordados na histĂłria, sem dĂșvidas sĂŁo fortes e isso sĂł me motiva mais a conhecer melhor o enredo.

    Abraços
    CĂĄ Entre NĂłs

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  4. Oiii Nina, como vai?
    Realmente não conhecia a autora e nem o livro e creio que seja um leitura até um tanto quanto forte, gostei que tu trouxestes resenhas assim, não gosto de livros comuns e este estå indo diretamente para minha lista de desejados.
    Beijinhos

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  5. Eu queria participar deste clube, mas acaba nunca batendo uma data boa para mim :( Este livro eu nĂŁo conhecia, e me pareceu uma leitura sofrida por conta dos problemas da personagem. Um drama que eu vou querer conhecer.
    Bjs!

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  6. Oi, eu estou louca para ler esse livro depois que vi um video da Tatiana Feltrin elogiando a obra dessa autora, e eu também me propus a ler mais livros escritos por mulheres, só não faço parte desse grupo, mas me desafiei, pois percebi que lia mais livros escritos por homens do que por mulheres e esse parece ser o tipo de livro que mexe com a gente e nos då uma sacudida, nos tirando da nossa zona de conforto, o que pode incomodar, mas ao mesmo tempo, nos fazer refletir.
    bjus

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  7. OOI!Confesso que quando vi o tĂ­tulo achei que fosse sobre Under The Dome kkkkkk
    Não conhecia o livro e nem a autora, mas a dica jå estå mais que anotada, principalmente pelos temas tratados e sua ótima avaliação.

    Beijoos
    http://estantemineira.blogspot.com.br/

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  8. Ja vi esse livro, mas sua resenha me atraiu muito para a leitura desse livro, jå tinha visto mesmo esse livro, mas nunca tinha parado pra prestar atenção em sua sinopse ou visto alguma resenha.
    Parabéns!

    Beijos
    Viviana

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  9. Nina, acho a sua ideia de ler mais mulheres Ăłtima.
    NĂŁo conhecia o livro, mas o achei muito interessante, principalmente pela maneira como a autora trata a depressĂŁo e isso de vocĂȘ começar a enxergar a autora tambĂ©m Ă© bem interessante.
    Fiquei com vontade de ler.

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  10. Oi, tudo bem? Eu ainda não conhecia o livro e achei o enredo dele pesado e forte como tudo que aborda a depressão. Me då uma raiva dajada quando vejo pessoas que rotulam essa doença ou mesmo a consideram frescura. Só eu sei os estragos que ela pode causar não só para quem tem depressão mas para aqueles ao redor.
    Dica mais que anotada! Pretendo ler em breve.
    Bj

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OlĂĄ, obrigada pelo comentĂĄrio, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, nĂŁo seja machista, LGBTQAfĂłbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.