#Resenha de livro: O oceano no fim do caminho

julho 22, 2016
Sim, estou com m-u-i-t-a-s resenhas atrasadas. Um indício disso é que O oceano no fim do caminho, do Neil Gaiman, foi a primeira leitura de 2016 e só agora a resenha está saindo. Muito se deve por duas coisas: 1. o livro é tão maravilhoso, que eu não consegui sentar e escrever e 2. emendei tantas leituras umas nas outras nesse ano que não tive tempo de escrever todas as resenhas.


Título original: The Ocean at the End of the Lane
Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Páginas: 205
Ano: 2013
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O oceano no fim do caminho é o primeiro livro que leio do Neil Gaiman e fico muito contente por ter conhecido sua escrita e sua mente genial a partir dele. Isso porque, realmente, a trama é in-crí-vel, me fez pensar durante dias em muitas questões e quase agoniar entre sonho e razão. O mundo do autor é mergulhado, literalmente, em uma espécie de subconsciente alerta que, por muitas vezes, sabe enganar o leitor de forma deleitosa e encantadora. 

Tudo começa quando um homem re-visita sua região de infância à procura de uma antiga vizinha. Com isso, ele começa a ter regressos de memória, narrando seus tempos de criança na fazenda onde morava, a relação com a imaginação e com Lettie Hempstock, uma garotinha que o embarcou em várias aventuras e o apresentou ao oceano. Embora o leitor saiba que as memórias do protagonista podem muito bem estar equivocadas, é inevitável que sejam muito convincentes.
"E não era mar. Era oceano.
O oceano de Lettie Hempstock.
Lembrei-me disso e, ao lembrar, lembrei-me de tudo".
p. 16
O grande valor do livro é, realmente, o poder que as lembranças têm. A trama envolve o leitor de tal forma que, ainda que saibamos que existe muita fantasia nas situações, nos deixamos levar por tudo aquilo. Lettie e o protagonista, quando crianças, têm idades diferentes e, ainda assim, formam uma dupla ótima. A garota é articulada, ardilosa e muito inteligente, portanto, contrasta levemente com o tipo que o garoto era. O protagonista vivia na imaginação, por isso, talvez, tenha sido fácil que ele entrasse nas "brincadeiras" da menina. Lettie parece ter respostas para as perguntas dele, em especial sobre a morte de um hóspede de sua casa. É a partir dessa morte que o mundo da fantasia começa a despertar de forma descontrolada. 

Algo que me chamou atenção é a força que Neil dá à família de Lettie, composta somente por mulheres. Lembro vagamente, inclusive, de um trecho que uma delas (acho que a avó de Lettie) diz que elas não precisavam de um homem por perto, porque ele não ajudaria em nada. Alusivamente, fiz uma co-relação com o fato de as mulheres serem associadas à bruxaria - pois toda a fantasia da trama é justamente calcada em certa magia, algo que vai além da compreensão racional. E é justamente a partir da falta total ou parcial de razão que a história mexeu tanto comigo. Neil se provou um autor maravilhoso, fantástico - e, ainda assim, não deixa de promover uma linha real. Ele brinca com o subconsciente de forma tão livre e cativante que este estado conversa com o leitor de forma muito lúcida. Esse jogo de realidade versus imaginação é quase como que uma balança o tempo inteiro permeando a leitura. 
“Existem monstros de todos os formatos e tamanhos. Alguns deles são coisas de que as pessoas têm medo. Alguns são coisas que se parecem com outras das quais as pessoas costumavam ter medo muito tempo atrás. Algumas vezes os monstros são coisas das quais as pessoas deveriam ter medo, mas não têm”.
p. 129
Algo muito perceptível é o fato de Neil deixar exposto o quanto o ser humano se deixa enganar em razão da verdade e da mentira. O protagonista, mesmo sabendo que o entranhado de rememorações pode enganá-lo (pois, diversas vezes, ele se vê em dúvida quanto a certas informações), vai até o fim em valor da sua verdade, ou seja, em valor de sua mente. O final deste livro é algo tão bem elaborado que o leitor se vê igualmente perdido, enganado e confuso. Porque a valoração da verdade versus a mentira, finalmente, é colocada à prova e o mais incrível de tudo é que o autor não apresenta essas questões de forma objetiva - o que faz é deixar que o leitor continue seu próprio caminho a favor da mentira ou da verdade. Ou seja, o livro termina nas páginas de papel, mas continua na mente daquele que o leu. Eu achei isso absurdamente fantástico, pois a questão não é que Neil tenha deixado um final em aberto, é muito mais do que isso. É um final tão certeiro, que as dúvidas ainda estão ali, à espreita do leitor. O sentimento de trapaça e de enganação explode de forma epifânica no desfecho, devo dizer - e é isso que, justamente, faz o livro e o autor serem maravilhosos
“Nada nunca é igual. Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto oceanos”.
p. 185
Eu comecei a ter notícias sobre a existência literária do autor justamente com o lançamento de O oceano no fim do caminho, entretanto, dá pra perceber que levei algum tempo para realmente ler esta obra dele. O que mais me motivou foi todo o ambiente e a proposta - já inerente - do Neil. Me afastei um bocado de fantasia, e com alguns empurrõezinhos de ótimas amigas (Ruh e Karla), escolhi o Neil para me guiar, novamente, rumo a este gênero - que foi a razão de eu embarcar no mundo dos livros aos 11 anos, aliás. 

A capa foi uma das grandes chaves para eu querer ler o livro, pois ela é tão objetiva e implícita (em igual simetria com a proposta da obra), que foi impossível não amá-la de prontidão. A contracapa é ainda mais marcante (que é uma cortesia do autor, aliás, e você pode conferi-la aqui). Então, esse conjunto muito bem pensado e elaborado de fotografias conseguiu exprimir de forma agoniante, estranha e encantadora o que é o livro. A escrita do autor é outra coisa que se casa perfeitamente com a atmosfera da trama - não é exacerbada, nem pobre. Tem ritmo e é muito cativante. Gostei muito do fato de Neil conseguir equilibrar diálogos e muitas memórias no decorrer do livro, pois não ficou nada maçante, ou corrido. Tudo tem o seu tempo na escrita dele e é algo que vai desabrochando aos poucos, como que numa forma de mostrar ao leitor que seu livro não é apenas uma coisa hermética e desconexa. A conexão e a costura - de forma a desencadear viagens temporais e de lucidez - que o autor conseguiu fazer e transmitir em sua obra, creio que poucos escritores já conseguiram.

E uma resenha que, imaginei, ficaria bastante curta... está desse tamanho. Prova de que não podemos mesmo confiar na nossa mente - lição número um de O oceano no fim do caminho ;) 
“Pessoas diferentes se lembram das coisas de jeitos diferentes e você nunca vai ver duas pessoas se lembrando de uma coisa da mesma forma, estivesse elas juntas ou não. Se elas estiverem uma ao lado da outra ou do outro lado do mundo, isso não faz a menor diferença” - p.196
Love, Nina :) 

13 comentários:

  1. Só vejo o povo falando bem do Neil, meus amigos o tempo todo mandando eu ler qualquer que seja do livros que ele escreveu, que eu vou gostar, mas acabo não lendo. E a capa é realmente linda, aguça a curiosidade de qualquer leitor. E parece que o autor soube o tempo todo administrar sua escrita no livro, não sendo algo cansativo, chato ou corrido, como às vezes acontecem com alguns. Enfim, eu tenho que ler esse livro, pois acho que O oceano no fim do caminho, deve ser meu primeiro contato com o Neil.
    Leitor Irônico

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  2. Oi Nina, eu me sinto um ET quando leio resenhas deste livro. A leitura dele para mim foi super arrastada, não fiquei envolvida pelo enredo e só terminei o livro porque era de um desafio. Foi meu primeiro livro do autor, e estou querendo ler outro para tirar esta impressão que fiquei. Que bom que com você foi bem diferente.
    Bjs!

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  3. Olá! Parabéns pela resenha, está maravilhosa! Nunca li nenhum livro do Neil e também não conhecia O oceano no fim do caminho, mas com tantos elogios assim, fiquei encantada com a história e espero poder ler um dia. Poucos autores tem esse dom de conseguir nos fazer refletir sobre a história mesmo depois de já ter terminado, então esse livro com certeza merece ser lido.
    Beijos!

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  4. Gente! Parece um livro incrível, não conhecia o autor!Parabéns pela resenha!

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  5. Eu li um capítulo deste livro e me encantei.Essa é a primeira resenha dele que leio e você conseguiu algo que não achei possível acontecer antes de ler o livro: me encantei ainda mais. Definitivamente vou lê-lo o mais rápido possível! Parabéns :D

    http://madminds.weebly.com

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  6. Que resenha mais linda! Adorei. E que bom que você gostou tanto desse livro! É um dos meus favoritos da vida e agora fiquei com ainda mais vontade de reler e reencontrar os personagens dessa trama tão incrível <3
    Beijos!

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  7. u sinto dificuldade de resenhar uma obra depois de muito tempo de lida...quando o livro me abala psicologicamente, acabo escrevendo assim que fecho o livro, pois sinto uma necessidade de jogar a emoção que tô sentindo na hora pro texto...
    eu sou Neil Gaimete mas ainda não li O oceano, apesar de ter muita vontade... ele está em minha lista de desejos há um bom tempo...
    sua resenha ficou maravilhosa...
    bjs :D

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  8. Tem muita coisa que eu gostaria de falar sobre esse post porém quando se trata de Neil Gaiman eu fico sem palavras então vou dar uma resumida: <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3 <3
    Trem marrrrr lindo é ver Neil Gaiman, que eu amo, escrevendo sobre mulheres, e fazendo metáforas com oceano, Senhorrr! E como se não bastasse esse seu jeito pra resenhas vem como a cerejinha do bolo! <3
    beijos, flor!

    www.horinhasdedescuido.com

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  9. Oiee

    Sua resenha ficou ótima!!
    Eu já li alguns livros do autor e gostei muito mas esse não rolou pra mim. De começo foi uma leitura muito arrastada e eu acabei não conseguindo chegar ao fim. Abandonei.
    Deve ser porque eu não curto o estilo mas que bom que para você foi diferente. Quem sabe um dia eu resolva dar outra chance e ler.

    Bjs
    Fernanda

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  10. Autor de Coraline ♥. Já tinha visto falar deste livro e o curioso em que todas as resenhas que eu vi o protagonista não tem nome no citado.O homem foi corajoso a volta naquela cidade de sua infância.Pela resenha vista o que ele passou em sua infância e tão triste.

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  11. De longe - longíssimo, quilômetros de distância - é a melhor resenha sobre este livro que já li. As desvantagens de um livro virar moda é que muitos o lêem, mas poucos o entendem, ainda mais se tratando de Neil Gaiman (que é o senhor das muitas camadas). A sua resenha fez juz ao livro e ao mestre e estou feliz feliz feliz que consegui te empurrar para lê-lo.

    Já disse que te amo hoje? hahaha
    Um beijo,
    Ruh Dias
    perplexidadesilencio.blogspot.com

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  12. Só li comentários positivos a respeito deste livro até hoje!
    Gostei bastante de sua resenha. Fiquei com mais vontade ainda de ler o livro, que já está no topo da minha lista!
    De muita garra o personagem. Estou ansiosa para ler!


    Beijinhos...
    http://estantedalullys.blogspot.com.br/

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  13. Primeira leitura de 2016? Nossa, você deve estar super corrida mesmo. eu já teria esquecido a história do livro. Estou com a resenha de Ana C. atrasada, tem um mês, correria da vida. Eu também me afastei da fantasia, estou com umas leituras bem direcionadas, principalmente na produção de autoras negras.

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.