Hibisco Roxo: poder, violência e repressão
Já fazia bastante tempo que gostaria de ler um romance da Chimamanda Ngozi Adichie, mas não sabia me decidir por qual. O encontro de janeiro do #LeiaMulheres em Porto Alegre me ajudou: Hibisco Roxo. Confesso que não procurei pela sinopse nem fui atrás de resenhas, apenas comecei a ler sem expectativas (porque gosto de me surpreender, seja positiva ou negativamente).
Título original: Purple Hibiscus
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2003 (EUA) | 2011 (BR)
Página: 328
★★★★★ + ❀
O mundo tem a tendência de estigmatizar e generalizar a África. Sabemos muito pouco além da diversidade animal. Não sabemos sobre especificidades como, por exemplo, que é um país exatamente como o Brasil, cada região tem o seu estilo de vestimenta, o seu prato típico, o seu modo de falar. Desconfiamos que a riqueza está nas mãos de poucos, mas quem são esses poucos? Não sabemos. E Hibisco Roxo tem essa força de conhecimento, de ir além de muros oceânicos e preconceitos étnicos.
A curiosidade de mergulhar na cultura nigeriana foi o que, do começo ao fim, me fez aproveitar a leitura com tamanha paixão. O leitor se depara inúmeras vezes com palavras em igbo (dialeto nigeriano). Além disso, os pratos são muito mencionados, assim como tubérculos e especiarias - e nenhuma vez a autora explica como cada comida é feita. Ela entende que, ainda que cause estranhamento, sua literatura não é, de forma alguma, um beabá africano. Os nomes das personagens, salvo alguns, também causam estranhamento, pois a pronúncia pode frustrar - mas não significa que atrapalhe a leitura.
Hibisco Roxo é narrado por Kambili, uma garota rica de quinze anos. Mas ela não é, de forma alguma, americanizada (ou seja, não é a vilã da escola, não se acha superior e muito menos gosta de aparecer). Kambili é o que podemos dizer ser uma adolescente infantilizada, especialmente pela super-proteção, repressão e autoritarismo de seu pai. Ela tem um irmã mais velho, Jaja.
O pai deles, chamado de Papa, é um homem extremamente machista dentro de seu núcleo familiar, no entanto, é tido como um "salvador" para a comunidade. A construção desta personagem é algo inigualável e único. A grande palavra para descrevê-lo e, também, as relações que permeiam o livro é poder. O livro nada mais é do que as dimensões que o poder pode ter, especialmente o religioso. Papa e sua irmã, Ifioma, são nigenianos católicos. Papa é, basicamente, um fundamentalista e grande adorador do colonizador (a Inglaterra). Rejeita de todas as formas suas raízes africanas: fala inglês, toma chá, apoia e quer o bem somente de pessoas convertidas. Rejeita, inclusive, o próprio pai, pois é "pagão" e segue a tradição religiosa nigeriana. Algo gritante sobre Papa, além de sua riqueza econômica, é sua violência para com sua mulher e seus filhos. É algo que, do começo ao fim, me chocaram e me repugnaram - tanto que, diversas vezes, eu tive que parar a leitura. As cenas de violência física, aos poucos, ganham maior elaboração textual. Mama, a mãe, sofre vários abortos ao longo do livro, como punição física de seu marido.
O cotidiano desta família é regrado, como assim Papa quer. Kambili e Jaja têm horário para tudo e, basicamente, vão da escola para casa, da casa para a escola. Têm liberdade nula. Mama, podemos imaginar, vive somente para a família. No entanto, a rotina muda, finalmente, quando os adolescentes passam alguns dias no apartamento da tia Ifioma. Ela é uma professora universitária da classe média que tem três filhos e mal consegue colocar comida na mesa, pois a universidade federal está um caos - falta de recursos financeiros, falta de professores bons, falta de alunos com afinco. Apesar de ela e Papa terem recebido a mesna educação numa escola católica, o caminho deles foi completamente diferente. Ifioma é uma mulher combativa, em prol da liberdade e muito justa. Ela é a única que enfrenta Papa e que não tem medo de fazê-lo. Nesta casa, Kambili e Jaja se deparam com outra realidade, muito autônoma, participativa e saudável. É na presença de Ifioma, seus primos e um padre, que Kambili, aos poucos, se desfaz de suas amarras.
Ela é uma garota que não se expressa verbalmente e encontra dificuldade em se relacionar com o exterior. Quando voltam para casa, o leitor entende o quanto o choque de realidade proporcionou às personagens, uma vez que a dicotomia entre o amor e o medo (de Kambili por Papa) acontece. Existe uma adoração nem um pouco saudável que permeia a família e que cala as vozes de todos. Era a partir da adoração que Papa era visto como alguém que estava fazendo o certo, ainda que machucasse fisicamente a todos. O poder que ele exercia começa a ruir, ainda que o amor continua.
Jaja é um garoto que, de início, sabemos que não é nada parecido com a irmã. Ainda que também seja alguém submisso, notamos a revolta a situação. Talvez por não querer se parecer com o pai, ele começa a se afastar de diversos rituais que os enlaçam. Ele é consciente de que, logo mais, será o homem da casa e que ainda não teve oportunidade de provar isso, uma vez que seu pai está sempre no controle. É também com tia Ifioma que ele entende que precisa, o mais rápido possível, começar a assumir a casa.
A surpresa que tive ao ler Hibisco Roxo foi ótima. Sofri diversos 'choques' ao longo da narrativa. A narração é algo esplêndido, pois releva tudo muito aos poucos e de forma bastante diferente, bem mais de acordo com a maturidade da narradora (Kambili) do que com a necessidade das situações descritas. A apatia da narradora, seus questionamentos internos, seus conflitos e suas descobertas são encantadoras. A inocência e a imaturidade da personagem é coisa que ora irrita e ora nos faz entender o quanto a realidade dela é opressiva. Ela é alguém uniforme, mas que, aos poucos, se desprende e começa a lutar pelo que quer.
A história é singular de um modo sensacional. Conquista por diversos fatores: culturais, conflitivos e sentimentais. Qualquer resenha que eu tente escrever não chega nem perto de tudo o que passou na minha cabeça enquanto fazia a leitura.
Para mim, apenas há um único ponto negativo, que foi o desenrolar do final. Achei pouco inteligente, na questão puramente literária, que a autora tenha se livrado do conflito central de uma forma tão óbvia. O final, para mim, perdeu muito da força que havia antes e terminou de uma forma minguada e praticamente sem emoção. Ainda assim, não compromete o desenvolvimento de todas as questões debatidas anteriormente.
. . .
Ontem (28 de janeiro), aconteceu o encontro para debatermos a história, dentro do projeto #LeiaMulheres. Foi num local bem alternativo, com pessoas bem diferentes e com opiniões incríveis. Foi uma experiência muito gratificante e única <3
Sim, homens foram super bem-vindos! :) |
Love, Nina :)
Olá, Nina
ResponderExcluirEm primeiro lugar, queria te dizer que mal me lembrava de tão agradável que é a tua escrita e que, pelo visto, só melhorou.
Tenho muita simpatia pela Chimamanda e gosto especialmente de Americanah, livro dela que li no ano passado. Acredito que você já conheça, mas a autora tem alguns vídeos no TED que também são muito interessantes.
Oi Nina, tudo bem?
ResponderExcluirNão sabia que tu era de Porto Alegre hahaha! Não conhecia o projeto também, mas achei fantástico.
Aliás, muito interessante esse livro que vocês escolheram. Não apenas pelo tema, como também pela ambientação - diferente de tudo que já li.
Beijos,
Priih
Infinitas Vidas
Um livro interessante, acho que ter esse choque cultural faz bem para gente. E perceber que existe culturas bem fechadas.
ResponderExcluirBeijinhos, Helana ♥
In The Sky, Blog / Facebook In The Sky
Oiii
ResponderExcluirSuper legal esse evento que você participou. infelizmente moro em um lugar onde essas coisas não acontecem =(.
Sobre o livro, achei fantástico. Adoro conhecer mais sobre outras culturas e este livro parece ser um ótimo jeito de fazer isto. Também sou destas pessoas que não tem profundidade nenhuma em relação a Africa. Então o livro seria de um grande aprendizado.
Infelizmente existem várias famílias em todos os lugares que vivem exatamente como a da protagonista, Esta relação de amor e ódio, privação de liberdade entre outras coisas.
Vícios e Literatura
Olá, tudo bem? Adorei a resenha, o livro parece ser muito bom mesmo... Muito bacana o evento, deve ser ótimo compartilhar suas emoções com pessoas que leram a mesma obra que você...
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oi Nina, acho este projeto incrível! Já li um livro da Chimamanda, e conheço este, apesar de não ter lido. Pelo visto a autora envolveu o leitor em um enredo que passa muito bem as coisas relacionadas à Africa, como costumes, comidas e mesmo seus conflitos. Um livro muito bom para se ter na estante.
ResponderExcluirBjs
Eu ainda não conhecia esse livro mas também tenho muita vontade de ler algo dela, gostei bastante da sua resenha e achei uma ótima dica. A obra parece mesmo ser rica e espero que eu possa realizar a leitura em breve.
ResponderExcluirMuito bacana esse encontro e o projeto!
ResponderExcluirQuanto ao livro, estou conhecendo-o agora através da sua resenha. Não li nada da autora até agora e gostei da sua sinceridade sobre o final da história. Apesar da narrativa ser esplêndida, as questões debatidas não despertaram a minha curiosidade.
Bjs!
oi! adorei seu projeto Leia Mulheres! eu tenho um parecido, mas pequeno ainda.. desejo que dê muito certo! Não conhecia o livro nem a autora, e preciso dizer que este não é um gênero literário que me atrai. POrém achei a história bem cativante e boa de se ler. talvez eu me arrisque. preciso pensar melhor e ter certeza para não comprar e não ler kkkkk
ResponderExcluirbeijos, isa
Oiii Nina
ResponderExcluirVocê sempre trazendo esses encontros incríveis de poa para nós, fiquei bastante interessada e se não fosse tão ruim me deslocar até aí, adoraria participar, tenho certa vontade e curiosidade de conhecer esse livro e ler.
Beijinhos da Morgs!
Oie
ResponderExcluirMuito bacana esse projeto Leia Mulheres. Aqui em Brasília tem um parecido.
Adorei suas impressões do livro mas confesso que o que comentou sobre o final me deixou um pouco desanimada, já que acredito que o desenrolar do final é quase o ápice da leitura, então, tem que conquistar.
Bjo
OI!!
ResponderExcluirNem sei o que falar. Sou uma admiradora da Chimamanda desde época da faculdade onde assiste sua palestra e li seus textos maravilhosos sobre a única cultura. Desde então tenho namorado vários livros dela e esse é um deles. A temática parece ser maravilhosa e estou esperando o preço baixar para adquirir. Beijos e obrigada pela deslumbrante dica. Amei!
Olha você também é gaúcha! Eu sou de São Leopoldo! :D
ResponderExcluirTa vamos ao livro que pelo visto é uma leitura maravilhosa e única. Nunca li nada do autor e nem mesmo havia lido uma resenha sobre essa história e após ler a sua sinto que é uma leitura que eu quero fazer, mesmo com um final que posso me decepcionar, sinto que esse livro tem muitas questões culturais sobre a Nigéria e seus moradores que com certeza irá vale a pena.
Beijos e até logo! :*
Olá! Tão bom quando a leitura do livro nos surpreende e nos prende até o final. Ainda não conhecia, mas pareceu interessante. Vou anotar a indicação, bjoo
ResponderExcluirAmei a indicação! Muito obrigadoo, eu já participei de varios eventos assim e não tem coisa melhor haha eu sou o que sempre fica discutindo pq eu sempre acho que irria acontecer algo no final, mas na verdade é outra coisa kkkkk
ResponderExcluirbeijos
eu tô numa vibe de ler mais africanos esse ano... curti bastante a premissa de Hibisco...cara, eu já tô com ojeriza do Papa... espero que o final não seja decepcionante pra mim, a ponto de me frustrar demais...
ResponderExcluirmas acredito que a boa trama vai balancear isso...
bjs...
Olá Nina!
ResponderExcluirNão conhecia esse livro, mas já ouvi elogios incríveis sobre a autora e acabei comprando na Amazon o Americanah (estou louca pra ler). Esse projeto leia mulheres parece ser incrível, adoraria ter a oportunidade de participar.
Parabéns pela tua resenha, apesar de Hibisco Roxo parecer ser uma leitura complexa, com temas bem impactantes, você conseguiu expressar muito bem a tua visão sobre ele e me deixou bastante curiosa em realizar a leitura.
Beijo
Achei um livro de conteúdo riquíssimo e interessante. Gostei da sinopse e pretendo lê-lo algum dia, mas por agora estou na fase dos romances bobos. hahaha
ResponderExcluirE olha, parabéns pela resenha.
Olá, não conhecia a obra...a leitura parece ser ótima, vou anotar a dica.
ResponderExcluirAdorei saber sobre o projeto...parabéns!