O próximo da lista: identidade sexual em descoberta

A Lola Cirino é uma das novas autoras parceiras de 2017

Anunciei a parceria há pouco tempo e, em poucos dias, fiz a leitura de seu romance de estreia O próximo da lista. O tema da sexualidade, de cara, me fez criar grandes expectativas que, infelizmente, não foram atingidas. Conhecer o livro, entretanto, foi ótimo e me serviu para passar o tempo de uma forma suave. 


Título: O próximo da lista
Autora: Lola Cirino
Editora: Multifoco
Páginas: 250
Ano: 2017
★★★☆

Em O próximo da lista temos Felícia e Lara, que usam suas vozes em tempos diferentes da narrativa. Por vezes, esse recurso me confundiu, pois até certo ponto quem narra é somente a Felícia. Ambas estão bem perto dos trinta anos, mas esse fato dito algumas vezes não demarcou de forma alguma a mentalidade e a (i)maturidade das personagens. 

Felícia é a quem tem maior destaque. Logo de cara, sabemos que foi largada pelo ficante - ficante este que não sabemos nada além disso. Seu nome nem mesmo é mencionado, sua história tampouco. O melhor amigo de Felícia sugere que ela crie um perfil no Tinder, já que ela não quer ter um relacionamento com ninguém. É no ambiente virtual que ela descobre que o amor pode ser bem diferente do que imaginou: surge Lara, uma garota bem mais decidida e resolvida do que ela. Encontro marcado, elas têm uma conversa precipitadíssima sobre tudo. Apesar das dificuldades de se abrir e de aproveitar as coisas novas, Felícia se vê cada vez mais atraída por Lara. Muito atropeladamente, um relacionamento real se desenvolve entre elas.

"Eu sei que essa não é uma relação - ainda -, mas foi a única vez em que senti, de fato, alguma coisa que me fizesse correr atrás de algo, de alguém. Como pode ser errado?".

Muitas, muitas, muitas coisas me incomodaram neste livro, começando pela imaturidade da linguagem. Se as personagens tivessem quinze anos, não notaria disparidade, mas, como têm quase trinta, a linguagem não pareceu nada convincente e crível. Ainda assim, isso contribui para a leitura rápida, pois não coloca barreiras de raciocínio. 

Por ser em primeira pessoa, é bastante fácil se aproximar das vozes das personagens, que não se separam muito - o que me provocou certa confusão. Felícia e Lara têm atitudes e gênios bem diferentes, mas suas vozes se aproximam de um tanto, que se torna difícil separá-las. A descoberta da sexualidade, entretanto, é o que as separa. Enquanto Felícia se contesta se, agora, é lésbica (às vezes bissexual), Lara não tem receio de assumir a sua homossexualidade. 

Outro grande incômodo para mim foi a narrativa extrema e forçosamente alossexual do início. Por eu me identificar como alguém demissexual, não consigo encontrar sentido em personagens que enfocam na atração e no sexo sem considerar nada mais. O primeiro encontro das personagens, por exemplo, me incomodou demais, especialmente porque a Felícia não sabe reagir à Lara, mas ainda assim a situação pseudo-sexual continua acontecendo de uma forma inacreditável e forçada.

"Um dia as pessoas vão entender que amor nunca é desrespeito. Aliás, desrespeito é não ser fiel ao que sentimos (...) A vida é curta demais para mentir para si mesmo". 
O relacionamento delas é algo, também, bastante imaturo - continuam parecendo ter quinze anos. De começo passa a máxima de que são a "cara metade" uma da outra, mas as falhas de confiança - e a própria imaturidade de ambas as partes - tornam o namoro mais humano, ainda que bastante clichê e previsível. Talvez, pela minha mente estar muito mais à frente desse desejo de amar romanticamente o tempo todo, a relação delas poucas vezes me emocionou - mas muitas vezes me irritou e me fez rolar os olhos. 

O ponto alto e positivo da obra é, justamente, essa oscilação e descoberta de Felícia, de não saber como e onde se encaixar. As formas como seus medos e suas entregas se desenrolam são bastantes complicadas para ela - e acompanhar isso é agradável, porque coloca em  pauta as muitas identidades sexuais e os modos de se afirmar sexualmente. Felícia não é alguém que se questiona e rapidamente se acomoda - pelo contrário: ela reflete as inseguranças e os constrangimentos de quem, por muito tempo, rejeitou outras formas de amor. Há poucos diálogos sobre o assunto, mas todos me tocaram e me deixaram orgulhosa por soarem tão naturais e verdadeiros. A reflexão na obra acontece de forma sutil, não tão aberta e explícita, mas é muito importante.

O próximo da lista é agradável e tem pontos positivos para quem é familiarizado com narrativas que tragam a descoberta da sexualidade, especialmente a feminina (a carência de personagens lésbicas e bissexuais nacionais é visível). A escrita é ótima na questão gramatical e na coesão, também. No entanto, senti que o desenvolvimento das personagem se perdeu com o tempo e o crescimento pessoal de cada uma delas não se concretizou de fato.

"AMOR É AMOR E O NORMAL É O QUE ESTÁ DENTRO DE VOCÊ". 
. . .  

*BÔNUS: entrevista com a autora

1. Você teve contato com outras obras LGBTQ para se "inspirar" a escrever seu romance? Tem alguma preferida?
Tive contato sim, por ter passado bastante tempo no Lettera e ABCLes. Lia coisas dos estilos mais variados. Mel Bessa e Sara Lecter, por exemplo, são autoras que me conquistaram. A Mel, aliás, foi uma das primeiras escritoras LGBT+ que li na vida. Não sei se posso dizer que me inspiraram, porque sempre quis ser escritora. É quem eu sou. Independentemente do formato, que geralmente varia entre poemas e crônicas e matérias, eu preciso dar vida para coisas por meio das palavras. Mas, sim, tenho minhas autoras favoritas e leio sim histórias LGBT+. Queria, inclusive, que mais meninas dos fóruns chegassem a publicar. Tem histórias incríveis lá.

2. Apesar de O próximo da lista já estar na plataforma digital e ter apoio do público, você encontrou barreiras para a publicação física, de forma geral, por causa do enfoque literário? 
Não. A Editora Multifoco foi a primeira - ou uma das primeiras - a me responder quando enviei a proposta do livro e eles nunca tiveram problemas com ele. Eu fiquei surpresa. Acho que a gente espera por resistência, né? Então, já estava pronta para defender minha cria, mas não tive que fazer em momento algum. Foi tudo bem tranquilo.

3. Você acha que a literatura que traz a homossexualidade e bissexualidade feminina tem ganhado espaço no mercado? Como "convencer" o público geral que esta literatura existe e que precisa ser vista e lida?
‬Aos poucos, sim. Hoje temos a PEL e a Vira Letra, que já publicam livros maravilhosos com esse enfoque e, a cada dia, vejo mais meninas lançando seus livros. Eles não ganham as propagandas que livros de editoras como Record, Cia das Letras ou Intrínseca ganham, mas existem. E acho que esse é um primeiro passo. Quanto a "convencer" o público, não acho que seja necessário. Pode ser meio otimista ou Alice da minha parte, mas quando vejo os números de acesso de sites que publicam obras LGBT+, sempre penso que temos um público enorme. E não acho que sejam só de pessoas que fazem parte do grupo, sabe? As pessoas gostam e acho que se interessariam sim se as editoras trabalhassem essas obras como trabalham para divulgar as outras. Mas isso não acontece. Quando elas começarem a investir nesse tipo de literatura, penso que teremos, sim, grande demanda de todos os públicos. Ou assim espero.

*Lembrando que o bônus acontece em resenhas de autores parceiros

Love, Nina :) 

4 comentários:

  1. Oi Nina, infelizmente não me interessei pelo livro. Talvez por esta inconsistência dos personagens, ou melhor na linguagem deles. Fica para a próxima.
    Bjs

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  2. Oi Nina,
    Fico triste por você não ter gostado muito, e ter se decepcionado. Eu odeio quando isso acontece comigo. Apesar de você dizer que é uma leitura agradável, não é meu estilo nem meu gosto literário.
    beijos, isa

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  3. Olá!
    Eu gosto muito de livros desse estilo, mas esse não me chamou muito a atenção especial por causa desses pontos negativos que você destacou, principalmente essa narrativa pouco crível. Vou deixar essa dica de lado por enquanto.
    Beijos.

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  4. Oii Nina, tudo bem?
    Super compreendo essa relação de se decepcionar com alguns livros e isso baste uma tristeza mesmo a gente querer, achei o assunto até interessante, mas no momento ainda não sei se leria.
    Beijinhos da Morgs!

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