Desconstruindo Una: silêncios femininos marcados pela violência

Mais um título que está na minha meta para o Leia Mulheres 2017. Já fazia algum tempo que queria ter tido a oportunidade de lê-lo e, leitura agora feita, só posso dizer o que está escrito na quarta-capa: esta é uma das graphic novels mais importantes do (seu) ano.


Título original: Becoming unbecoming
Autora: Una
Editora: Nemo
Páginas: 207
Ano: 2015
★★★★★

Estou cada vez mais feliz por estar encontrando ótimos materiais em HQ's e grapfic novels. O tema de Desconstruindo Una não tange apenas uma parcela da população. A violência contra mulheres, hoje se sabe, não é apenas a física. Aliás, as violências não são testemunhadas dessa forma simplesmente porque deixam marcas visíveis. Muitas vezes, as marcas invisíveis são as que mais doem e que mais traumatizam os violentados. 

Nesta graphic novel há duas narrativas entrelaçadas: a) a da comunidade e b) a da protagonista Una. As ilustrações mostram não somente o objetivo da história, mas oferecem subsídios que nos permitem "construir" Una. Então, há memórias de infância: o casamento de seus pais, seus gostos musicais, suas preferências artísticas. Enquanto a personagem está crescendo tem de lidar com notícias e noticiários da comunidade: relatam assassinatos a diferentes mulheres. Aos poucos, isso muda a rotina do local e o medo é a atmosfera constante. 

É na puberdade que a realidade de Una muda completamente. Ela não tem o total entendimento do que lhe fizeram, mas suas habilidades sociais decaem, ataques de pânico começam a surgir e ela é levada à terapia. A baixa comunicação com todos à sua volta é algo que sua família não entende, e Una prefere que isso se mantenha assim. 

A narrativa cresce e se desenvolve de muitas formas, abordando os diversos vieses da violência contra a mulher e, também, do machismo. Há partes inteiras que relatam construções sociais (à exemplo de como garotas/mulheres deveriam se comportar) e que se utilizam de elementos presentes para falar sobre saúde mental, pós-traumas, silenciamento de vítimas e feminismo. A personagem é imensamente mais profunda do que, simplesmente, a garota que foi estuprada e não consegue dizer a ninguém. A todo momento, o leitor se depara com as várias essências dela, com as várias consequências sobre seu futuro e com as suas várias técnicas para sobreviver com um segredo tão cruel e pesado. 


Desconstruindo Una é um relato tanto adorável quanto angustiante. É adorável conhecer a personagem, mas sua essência violentada causa muita angústia. Achei, entretanto, que o ponto do silêncio é muito realista e condizente, uma vez que a maioria das vítimas prefere (ou não pode) denunciar seus agressores. Ao utilizar o fechamento de mundo e a fobia para com os outros, a autora conseguiu trabalhar, também, a comunidade. Apavorada com a série de mortes, o local também vai cada vez mais se silenciando e demonstrando a ansiedade de alguém que lida com traumas invisíveis.

A leitura da grapfic novel se faz importante não somente por abordar um assunto tão em pauta hoje em dia, mas também por oferecer informações e dados sobre este assunto. Não se limita a contar uma história "fechada", pelo contrário: tenta, em muitas vertentes, trazer aspectos além da visibilidade da violência contra as mulheres. E, para isso, fomenta debates, questionamentos e reflexões sobre uma sociedade que faz o movimento oposto ao de educar e punir os agressores (ou seja, culpa e, ao mesmo tempo, silencia as vítimas). 

A história dos assassinatos não é ficção, aliás. A autora faz referências a livros, jornais, artigos e estatísticas. No final do livro, é possível consultar a todas essas referências e links dos mais variados para e de mulheres em situações de violência.


Apesar de há pouco iniciada nesse gênero narrativo e de já ter lido ótimas HQ's e grafic novels, com certeza Desconstruindo Una é a minha preferida por ser atual, oferecer uma temática tão delicada e ser potente. 

Eu sempre acreditei que a arte e a cultura - sejam elas das naturezas que forem - têm a capacidade de nos dizer as verdades mais cruéis, românticas ou esperançosas com o intuito de tentar mudar nossas realidades. E Desconstruindo Una consegue nos emocionar com a frieza dos acontecimentos ali ilustrados e, também, de nos engajar a assuntos que precisam ser vistos, ouvidos e debatidos. 

A questão da história não é se você é feminista ou feminista o suficiente para concordar que violências de gênero devem acabar - é a de dizer que a situação existem independentemente de você ser contra ou a favor do feminismo. A narrativa não é, de forma alguma, voltada apenas para feministas. O objetivo dela é alcançar a todos, é ir para além da comunidade local e de realidades individuais.

Você nunca foi estuprada. Você nunca foi assediada. Você nunca foi ameaçada. Você nunca foi rebaixada. Você nunca. E nunca será. Mas, ainda assim, essa história é para você. É para todas as mulheres que precisam lembrar que poderiam ser estupradas, assediadas, ameaçadas, rebaixadas (etc) por terem nascido mulheres. 

. . .

No Brasil (informações também encontradas ao final do livro):

1. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Central de atendimento à mulher
2. Secretaria de Direitos Humanos: Disque 100
3. Childhood (sobre violência sexual contra crianças e adolescentes)









Una é artista, acadêmica e quadrinista. Suas narrativas gráficas, feitas de forma independente, já exploraram a deficiência, a psicose, o ativismo político e a violência contra mulheres e meninas.




Love, Nina :)

14 comentários:

  1. Gostei muito dessa indicação, realmente, em alguns casos, os efeitos da violência psicológica devasta de tal forma que parece que a alma morreu. Eu não conhecia Desconstruindo Una e gostei substancialmente da indicação, no próximo mês, inicio um trabalho de grupo com jovens e acho que é uma ótima ferramenta didática.

    ResponderExcluir
  2. A violência contra a mulher é um tema que precisa muito estar mais em evidência, as mulheres precisam se conscientizarem que não são obrigadas a ficarem caladas. Eu não conhecia e adorei essa indicação.

    ResponderExcluir
  3. Olá!
    Olha que interessante. Apesar de estar em muitas gravuras não conhecia essa obra com temas bem polêmicos e bem atuais sobre as mulheres e a violência doméstica.
    Uma ótima indicação sem dúvidas.
    Beijos!

    Camila de Moraes.

    ResponderExcluir
  4. Fiquei sem chão em ler a sua indicação e muito triste porque eu não conhecia essa obra e quero conhecê-la melhor, ate o momento estou procurando ler muitos livros que abordam essa temática e vindo dessa sua resenha não vejo outra escapatória a não ser ler, é um assunto importante e intrigante. Suas indicações estão se tornando cada vez melhores.
    Beijinhos

    ResponderExcluir
  5. Oi!
    Faz tempo que estou procurando esse livro, mas não lembrava o título. Quero pra ontem... É um tema forte e necessário. Há quem ainda culpe a vítima pelo estupro, e parece que mesmo no século em que vivemos ainda não entra na cabeça das pessoas. Vejo próprias mulheres culpando outras mulheres. Portanto vou anotar a dica e indicar para o maior número possível de pessoas.
    Beijos :*

    ResponderExcluir
  6. O que me deixa mais encantada com esta nova leva de HQ/Graphic Novel são a introdução de assuntos tão importantes e polêmicos de nossa sociedade em geral. Desconstruindo Una é um belo exemplo disso. Uma pena que eu ainda não tenha lido.
    Bjs

    ResponderExcluir
  7. Oie amore,
    Esse título parece ser bem intenso hein. Anotei a dica por aqui, porque curto a temática tratada.
    Adorei sua resenha, deu pra ter uma noção boa do que trata o livro.

    Beijokas!

    ResponderExcluir
  8. Oi Nina.
    Ótima resenha!
    Eu nao conhecia a obra e achei a tematica super interessante e com certeza leria a obra. Dica anotada e vou aguardar a oportunidade de ler.

    Beijos
    http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  9. Deve ser uma leitura pesada e forte, certamente gostaria de fazer... Acredito que até mesmo em sala de aula eu poderia trabalhar com essa HQ... Sugestão anotada...
    Infelizmente a realidade para nós é repleta de medo, insegurança é somos alvos em potencial apenas por termos nascido mulheres...

    Bjs...

    ResponderExcluir
  10. Oi!
    Adoro quadrinhos, ainda mais quando são utilizados pra trazer à tona assuntos cuja discussão é essencial. A obra parece ser bastante intensa, daquelas que mexem com a gente e nos deixam imersas no assunto mesmo depois da leitura já ter acabado, sem falar que a violência contra a mulher precisa e muito ser mais discutido.
    Excelente dica.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  11. Oi.

    É nessas horas que fico bem triste por não gostar muito de HQs, rsrsr. Essa parece ser uma obra incrível, mas sempre deixo para depois por se tratar de um quadrinho. Vou tentar ler pelo menos essa HQ;

    ResponderExcluir
  12. Oi, Nina! Tudo bem?
    Que resenha maravilhosa, estou até agora encantado com sua escrita e com os detalhes apresentados nesta postagem! Ficou lindo! E ah, adorei as fotos da diagramação! Bom, é a primeira história em quadrinhos que vejo sobre este tema, acredita? Infelizmente ainda não tive oportunidade de ler uma certa quantidade de obras sobre este tema, mas adorei toda a discussão apresentado neste HQ. A violência contra mulher infelizmente está se tornando cada vez mais presente e precisa ser discutido mais ainda, porque infelizmente conheço membros da minha família que sofreram com isso e também pessoas até aqui da blogosfera, onde uma pessoa acabou sendo assassinada pelo marido. Adorei seu ponto de vista!

    Beijos.
    Lu - @justificou

    ResponderExcluir
  13. Olá, tudo bem? Não conhecia a graphic novel, mas adorei saber mais sobre ela e sobre o tema tratado. Acho ele de extrema importância, principalmente para nós mulheres e por isso mais que dica anotada. Ótima resenha!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com

    ResponderExcluir
  14. Olá!
    Achei essa graphic novel sensacional. Ultimamente ando procurando obras sobre o feminismo, e achei essa de uma importância extrema, além de seu formato super fácil de ler e entender. Dica mais do que anotada!
    Beijos.

    ResponderExcluir

Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

Qualquer preconceito exposto está sujeito à remoção.

Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.