Roverandom: a magia da infância nos corações de todos

abril 07, 2017
Eu a-m-o fantasia. Me tornei leitora por causa de Harry Potter, aos 11 anos. Na mesma época, os filmes baseados em O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien, ganhavam o amor do público nas telas de cinema. A trilogia voltou a ser bastante lida e adorada. 

Mas a fantasia de Rowling e de Tolkien são completamente diferentes. Embora ambas as histórias sejam classificadas como alta fantasia (e tendo o Tolkien como "pai" do subgênero), foi a história do bruxo órfão que dialogou com quem eu era aos 11 anos - e que dialoga comigo até hoje, 14 anos depois. 

Em Roverandom, entretanto, há algo de peculiar: não existe uma elaboração complicada de enredo, personagens heroicos e subtramas. Neste livro, o que existe é um resgate do sonho de criança, de uma magia que, enquanto envelhecemos, deixamos de lado. Vamos esquecendo que sonhar é incrível, porque o mundo real assoma e delimita quem quisemos um dia ser. Mas, em Roverandom, tudo de que lembramos é que a magia do sonho é inerente aos humanos. 

Tolkien resgatou essa magia a partir de um cãozinho, mas poderia ter sido a partir de uma fada, ou uma pétala de flor. Não importa muito sobre o protagonismo dado, porque, na verdade, ele pertence ao leitor.

Título original: Roverandom
Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: Martins Fontes
Ano: 2002
Páginas: 127
★★★★★ +


Roverandom é parte baseado na vida real do autor J. R. R. Tolkien. O filho do meio de Tolkien, Michael, era "apaixonado por cãezinhos" (p.7) e foi um episódio, numa casa de praia, que a ideia para o livro nasceu. Quando criança, Michael tinha um cãozinho de brinquedo, branco e preto, exatamente como o da história, e o acabou perdendo em um dos passeios pela praia da encosta. 

Na primeira parte, chamada de "Apresentação", há toda essa contextualização - são estudos a partir dos rascunhos e versões do autor, que deixaram vários indícios sobre o caráter autobiográfico do livro. A segunda é a narrativa em terceira pessoa de Rover. E a última parte é um completamento da primeira, pois é um glossário de trechos da história que os explica, ora fazendo menção a outras obras do autor (e outros autores), ora à sua vida e ora a radicais de outras idiomas.

A história é bastante curta, quase como um conto dividido em cinco partes. Há vantagens nisso: a leitura é rápida e sem truncamentos temporais ou de enredo. Entretanto, quando terminamos, dá uma enorme saudade - ficamos com aquela sensação de que poderia ter tido muito mais páginas, pois queremos continuar acompanhando as aventuras do cãozinho. Não que a história termine sem um fechamento digno: ela é muito bem amarrada e o leitor sabe que a jornada do personagem acabou na última página. 

A história é tão encantadora, por reavivar sentimentos adormecidos em nós, que dialoga com todos os públicos. Diversas vezes, eu me imaginei lendo-a a alguma criança, mas sabendo que o efeito dela já estava em mim. Não é somente o fato de Rover ser um cãozinho que conquista o leitor, mas o conjunto de personagens ser tão pitoresco - mas ainda sutil e convincente - e os cenários tão fantásticos. A imaginação, enquanto a leitura avança, é a chave para que entremos nesse universo completamente alheio ao mundo real.

"(Roverandom eu o chamo, e Roverandom você terá de ser. Não posso ter dois Rovers aqui)", p. 31

Rover é esperto e curioso, tem aquele típico espírito de filhote animado, ainda que suas situações iniciais sejam o oposto de alegria. Quando é transformado em brinquedo por um mago mal-humorado, sua vida vira de cabeça para baixo. Sua liberdade some e seus dias ensolarados se tornam tristes. Sua jornada de volta para casa começa quando é deixado para ser vendido em uma loja. Aqui, fantasia e realidade se misturam de forma acalentadora: o cãozinho é comprado e dado ao "menino Dois", mas a história da vida real se repete quando Rover cai do bolso da calça do menino e é deixado para trás. 

A partir daí, ele precisa pedir ajuda a outros seres para que volte a ser um cachorro real. Para ajudá-lo, entra em cena o feiticeiro-da-areia e o Homem-da-Lua. Destaco os dois, pois são os personagens de maior personalidade bondosa dentro da trama - eles acolhem Rover e dão a ele um destino, embora que bastante aos tropeços. E é por causa disso que a narrativa funciona tão bem. Ao invés de o leitor se ver entediado e irritado pela jornada do cãozinho se estender de formas pitorescas, apenas há uma ansiedade boa aguardando o próximo reino ou personagem encantador aparecer. 
"Rover não fazia a menor ideia de para onde conduzia o caminho da lua; e naquele momento estava assustado demais e empolgado demais para perguntar. E, de qualquer maneira, estava começando a se acostumar a que lhe acontecessem coisas extraordinárias", p. 21
Como dito, a trama é muito bem amarrada e, com isso, me refiro também ao final. A "saída" que Tolkien criou para o fechamento é sutil e nos deixa com a sensação gostosa de surpresa. É difícil não fechar o livro e não sorrir, por conta da leveza e da harmonia encontradas nas páginas. A linguagem do autor também é algo sensível, nem infantil, nem adulta. Existe um meio-tom, que funciona bem para qualquer idade. É compreensível, mas não limita a imaginação e a aventura. 

Roverandom poderia ser somente um conto para crianças, mas vai muito além disso: ele faz um resgate primoroso e aconchegante do que é a magia dos bons momentos e das boas histórias, independentemente de quem são aqueles que as estão sentindo.  

O livro dialoga com qualquer momento real de nossas vidas e dá a entender que nossas jornadas para casa existem - mas que nunca estamos sozinhos e que momentos ruins não são para sempre. Roverandom é, com certeza, uma lição sutil para que paremos alguns minutos e façamos a reflexão de onde o nosso poder de sonhar está. 


Love, Nina :)

12 comentários:

  1. Faz tempo que estou com vontade de ler esse livro e, depois de ler sua resenha, fiquei com mais vontade ainda. Linda como sempre!

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  2. Olá, tudo bem?
    Eu tenho uma relação de amor e ódio com os livros do Tolkien. Ler O Senhor dos Anéis foi quase uma tortura para mim, parei na metade do segundo porque não aguentava mais as descrições, os personagens eram chatos e a trama não me prendia. Porém, algum tempo depois, eu li O Hobbit e me apaixonei. Nem parecia um livro do mesmo autor e, mais ainda, no mesmo universo ficcional. Hoje eu até penso em ler outros livros dele, ou até fazer uma segunda tentativa com O Senhor dos Anéis, mas fico com o pé atrás.
    Acho que Roverandom é uma boa opção para me reconciliar com a escrita do Tolkien. Como é um livro menor e com uma linguagem sensível, acredito que será uma boa leitura.
    Gostei muito da sua resenha e já anotei a dica.
    Beijos!

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  3. Oi Nina, conheço o livro, mas não o li ainda. Gostei de saber que o livro consegue agradar várias idades, com seu jeito simples e fantasioso. Talvez seja por conta do cachorrinho, mas acho que tem mais haver mesmo com o talento do autor.
    Bjs

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  4. Olá, tudo bem? Também sou muito fã de fantasia, afinal J.K.Rowling e muitos outros autores marcaram a minha infância, porém e não sei o porquê até hoje não dei uma chance para Tolkien. É um dos grandes que mais me dói falar que nunca li. Espero mudar isso em breve, e pelos elogios que você trouxe para as obras dele e Roverandom com certeza ele será uma super dica anotada.
    Adorei!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com.br

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  5. Oi Nina,
    Que delícia de resenha! Confesso que a magia de HP nunca me encantou, e nunca tive a oportunidade de me dedicar a ler algo de Tolkien. Essa obra em especial, me chamou bastante atenção pela sua singularidade e simplicidade. Espero me agradar dessa leitura.
    Bjim!
    Tammy

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  6. Que coisa linda, resenha maravilhosa! Achei incrível esse resgate do imaginário infantil que pode ser a partir dessa história do Tolkien. Apesar de nunca ter lido nada do Autor, sei que o mesmo escreve muito bem (apesar dos muitos detalhes... Rsrs) e sabe criar um novo mundo como ninguém, eu amo os filmes dele! Sem dúvida irei procurar esse conto o quanto antes!! Parabéns pela resenha muito bem escrita! Beijos do Wes ^^
    PS: Também amo HP <3

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  7. Faz tanto tempo que não leio uma fantasia menina, e agora você trazendo a resenha de Tolkien, com toda certeza adoraria ler será que encontro em sebos?Vou ver né, parabéns pela sua resenha Nina, que ficou incrível e convidativa.
    Beijinhos

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  8. Posso dizer com propriedade que é o Gênero que eu mais amo... no entanto ainda não li essa belezura, mas já anotei a dica por aqui.
    Obrigada por me proporcionar conhecer essa lindeza.
    Beijokas!

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  9. Eu também amo fantasia, sou super fã da saga Harry Potter. Do Tolkien ainda não li nada, tentei ler O senhor dos anéis e não fluiu, depois de um tempo vi os filmes no Netflix e adorei rs
    Adorei seu resenha e a dica foi anotada, quem sabe passo a gostar do Tolkien.

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  10. Olá!
    Moça, adorei sua resenha! Sou fã de Tolkien e li há um tempinho atrás (inclusive também fiz um post sobre minhas impressões) e tive os mesmos sentimentos que você em relação à obra. Realmente aquece o coração! <3

    Beijos!

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  11. Olá tudo bem?
    Comecei a ler fantasia recentemente e tenho gostado bastante! No entanto não gosto de O Senhor dos Anéis, mas gostei de saber que esse livro do autor te agradou e que é recomendado para qualquer idade. Lendo sua resenha realmente parece ser um livro leve e que consegue atingir um bom público mas eu tenho um certo pé atrás com o autor então não sei se leria essa obra.

    beijinhos!

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  12. Oi Nina, tudo bem?
    Apesar de ser muito fã dos filmes do universo da Terra-Média, só li O Hobbit até agora. Nunca tinha ouvido falar em Roverandom, mas achei a premissa absurdamente fofinha! <3 Super leria, mesmo não tendo simpatizado muito com O Hobbit! :)
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.