Estar; oceano
Faz mais de cento e oitenta e dois dias, de quatro mil trezentas e sessenta e oito horas, de quatro sorrisos e de uma batida - muito fraca - perdida. Faz mais tempo do que gostaria de lembrar. O problema mesmo é que eu não consigo lembrar. Não lembro qual foi o último dia - aquele em que eu pude me sentir como uma canção alegre no meio das nuvens que não eram cinzentas.
Faz mais de cem dias com o estômago embrulhado, de noventa noites que desejei não acordar no dia seguinte, de duzentos suspiros preenchidos de exaustão e de seis noites que caminhei para longe, muito longe de um vazio que já era vazio o suficiente. Faz mais tempo do que todo o amor que havia em mim, numa época diferente - em que eu ainda era eu, em que as coisas não eram pesadas nem mortas. Em que tudo era diferente, porque não havia morte. Mas, hoje, a morte é a única que fica, e às vezes eu a quero tanto, cada vez com mais frequência. E faz mais de dois anos. E faz mais do que uma vida inteira. Faz mais do que eu pude esquecer. E eu esqueci, porque o tempo precisa ir.
Faz mais do que aqueles meus cinco minutos e nove segundos que tentaram me fazer voltar para a vida, mais do que aquela sexta-feira de 2015, mais do que todo o meu 2015, mais do que aquele vidro que separou algumas coisas, mas não pôde escondê-las. Faz mais tempo do que um coração pedindo clemência e, logo em seguida, relembrando que é preciso ter calma - opa, calma aí, vamos ter calma. Vamos ter calma, eu quero ter calma, eu quero ir embora. Eu quero voltar para onde eu não conhecia ninguém, e ninguém se importava com a existência do meu tempo. Quero voltar para onde não aconteceu amor, onde o amor nem mesmo consegue nascer, porque não existe vida suficiente. Faz mais de nove mil e trezentos dias de uma vida que já nasceu morta.
Faz mais tempo do que todo o amor que eu perdi.
Faz mais de duzentos e trinta livros, de doze músicas festivas, de vinte e seis palavras tristes, de uma cor preferida e de duas flores coloridas. Faz mais tempo do que um par de olhos que não reconheço mais. Eu acabei esquecendo - esqueci o cabelo, as sardas, a voz, o tique das mãos. Eu acabei deixando que o tempo levasse. Não quis de volta, porque esse é o rumo. É o final da vida. É para onde todas as coisas precisam ir. As coisas precisam morrer, talvez para que sejam lembradas como vivas - estiveram vivas um tempo, mas já faz muito tempo. Faz mais tempo do que tudo o que me consome a alma. Faz mais tempo do que a morte me deseja. E já faz tanto tempo.
Faz mais tempo do que achei que suportaria.
Faz mais de vinte e quatro batidas engraçadinhas, de uma piscina inteira de perdão, de um rosa esmaecido que consola o meu azul assustado. Faz mais do que todo o rancor que jurei que cultivaria - mas que morreu antes que as duas primeiras horas se completassem. Faz mais do que todo o esforço que jogo fora para sobreviver, quando gostaria de ter ido com todas as outras coisas. Faz mais tempo do que eu espero melhorar, do que todas as mil duzentas e três últimas esperanças que cantei. Faz mais do que as incontáveis respirações automáticas que nem mesmo pareciam minhas.
Faz mais tempo do que você gostaria que eu tivesse. Mas eu não tenho mais - tempo. Não tenho mais nada. Eu quero ir. Para todas as coisas.
Eu vou para onde todas as coisas precisam ir. Eu vou até que o tempo recomece, até que a fita seja rebobinada e aconteça o solavanco do coração em vida. Porque, nesse momento, ele não está.
Foi junto com o tempo. Para o final da vida. Se tivesse havido uma vida.
Ilustração: tsukiko-kiyomidzu
Nina.
Eu achei o texto um pouco cansativo e repetitivo. Com muito "faz mais" isso e "faz mais" aquilo. Achei até que ele mostra um forte e intenso sentimento, mas se tivesse um pouco menos de repetição eu acho que teria aproveitado melhor a leitura. Ficou um pouco confuso.
ResponderExcluirOi tudo bem?
ResponderExcluirSeu texto foi um pouco confuso para mim mas ao mesmo tempo emocionante, vi um protagonista que ia se perdendo dentro de si mesmo ao passar dos dias e isso foi bem triste pois muitas vezes não sabemos lidar com nos mesmos.
Beijos
Eu gostei de seu texto Nina, por mais que tenha repetido algumas coisas, percebe-se que quis se expor os sentimentos e o que estava a faltar,gostei bastante, é algo novo para mim vindo de ti, mas espero que escreva mais.
ResponderExcluirBeijinhos
Achei interessante a maneira como você se utilizou das palavras para envolver o leitor na história, bem como as repetições para destacar alguns sentimentos.
ResponderExcluirBeijos
Mari
www.pequenosretalhos.com
Olá!
ResponderExcluirEu gostei do texto maaaas
Achei triste parece uma despedida da vida, um adeus sem esperança, sei lá rs
Bjs
Oi Nina, que lindo seu texto. Triste, é verdade, mas mesmo assim lindo. Me pareceu uma despedida, principalmente por conta deste final. Aliás, a imagem ficou linda também.
ResponderExcluirBjs, Rose.
Olá, gostei do seu texto, um pouco triste e com algumas repetições. Acredito que seja o seu estilo de escrita, continue escrevendo. Sucesso!
ResponderExcluirEu estou lendo esse texto pela terceira vez e ele é ainda mais intenso a cada vez que se lê. Não sei se é o momento de agora - o meu momento de quem tem uma bagagem pesada nas costas, ao mesmo tempo em que nada em gratidão e tem medo de se afogar -, só sei que senti mais hoje do que senti da primeira vez. Eu consegui enxergar muito de você e de mim, muito das nossas angústias. Mas eu quero dizer mesmo é que eu amo a sua escrita, esteja você escrevendo sobre o que for. Eu amo. E simplesmente amo que você consiga passar tanto sentimento através das palavras. Isso é lindo. Isso é um dom. E isso é você. E é por isso que eu amo.
ResponderExcluirOlá! Que texto! Eu entendo as suas repetições, a sua escolha por elas. Isso deixa a narrativa mais angustiante, que é justamente o sentimento mais presente na personagem. Sua escrita é bem envolvente e sensível, gostei muito. Parabéns.
ResponderExcluirBeijos!
Esse texto me remete a uma catarse, ficou bom, bem escrito, não por uma questão gramatical, mas pela estética que é o mais importante. gostei!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirMeio cansativo, porém real e cruel. Posso estar errada, mas por acaso seria uma mãe chorando a perda de seu filho? Ou uma grávida que sofreu um aborto? Me pareceu essas impressões. Parabéns pelo texto!
Você provocou. Então eu vim até o fim com você. Se tivesse havido vida? Se houve trajetória, houve a vida. E no trajeto sempre há escolhas.
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirEu admiro bastante quem tem coragem de mostrar ao mundo seus escritos, parabéns. Enfim, achei o texto meio deprê, não sei se essa era a intenção, mas foi a imagem que me passou.
Beijos,
entreoculoselivros.blogspot.com.br
O texto em si me causou uma confusão inicial, mas é essa a sua intenção não é? Muito bacana mesmo refletir sobre esse tipo de bucolismo, até mesmo porque estamos vivendo isso no século atual. As vezes é duro, mas é a nossa realidade.
ResponderExcluirParabéns,
Amanda Melo manda beijinhos!