Fera: você não precisa pedir permissão para existir e ser feliz
Eu apoio e adoro a literatura que traz assuntos e temáticas relacionadas à comunidade LGBTQ, mas ainda não tinha lido nem um livro que trouxesse a questão da transgeneralidade. Mês passado foi o mês do #OrgulhoLGBT e, como Fera (Brie Spangler) foi lançado recentemente, decidi que iria comprá-lo. Eu tive momentos de dualidade durante a leitura: amor e ódio, mas que tornaram essa história algo bastante real.
Título original: Beast
Autora: Brie Spangler
Editora: Seguinte
Ano: 2016 (EUA) | 2017 (BR)
Páginas: 383
★★★★ + ❀
O fato de Fera ser YA (young adult) já me convenceu de cara a lê-lo, além do fato de trazer personagens da comunidade T. Na verdade, apenas uma das personagens é, realmente, transgênera - e isso não fica óbvio na sinopse. O assunto é falado com naturalidade e aqui acontece algo que não vejo com facilidade nas outras literaturas (relacionadas à bissexualidade e lesbianidade): os termos aparecem com frequência, nunca são escondidos e nada fica nas entrelinhas. A transgeneridade não é acobertada por eufemismos, metáforas ou indiretas. A personagem está ali, existe na história e quem ela é nunca deixa de ser importante.
A história é narrada por Dylan, um garoto de quinze anos, que odeia a aparência e é tipicamente o nerd da escola. A narrativa dele é permeada muito mais por abusos do que por aceitação. A mãe dele aparece como sendo a imagem da super-protetora, então, exerce um controle absurdo sobre Dylan - o que se resume, muitas vezes, na ausência de espaço e de privacidade. Ela reforça o quanto Dylan é bonito e que é ótimo que seja parecido com seu pai (que morreu de câncer). A personagem cai do telhado e o médico acredita que ele estava tentando se suicidar, então, sugere que faça terapia em grupo. É nesse grupo que Dylan conhece Jamie.
A relação de Dylan e Jamie é, a princípio, conturbada. Isso me incomodou um pouco, porque fiquei relembrando das muitas histórias nas quais o relacionamento dos protagonistas se iniciam de modo negativo e me perguntei por que precisa ser assim. Passado isso, acontece certa amizade. É muito rápido que Dylan se vê apaixonado por ela e, novamente, isso me incomodou.
Apesar da previsibilidade da maioria dos acontecimentos e do modo como são conduzidos, a narrativa é bonita e desfaz o discurso da normalidade. Jamie não esconde que é transgênera, o que decorre muitas ações de Dylan - todas de proteção. Essas ânsias de cuidado dele, muitas vezes, são combatidas e rebatidas pela própria Jamie, o que me fez ficar bastante aliviada. Fera não pretende dizer que precisamos proteger pessoas fora do padrão cisnormativo, mas que, se haver respeito, essa proteção não é necessária. Jamie tem ciência de que, sim, o mundo é muito mais difícil para ela (especialmente em relação à violência), mas também tem ciência de que não pode parar de viver por causa disso.
Fera é bastante americanizado, mas os diálogos se afastam da tipificação. Eles acontecem de forma bastante natural e é muito real a forma como a transgeneridade é tratada neles. Poderia dizer, inclusive, que esses diálogos têm função educativa. Tanto é que, ao final, existe um glossário - o que foi algo bem legal de terem inserido. Como tenho bagagem de conhecimento acerca do assunto, foi muito bom ver todas as palavras à vista e de maneira precisa. A narrativa não idealiza, ou romantiza o que é ser transgênero. A história de Jamie é colocada de modo muito real, o que contribui para o convencimento.
Ao longo da leitura, tive diversos momentos de amor e ódio com as personagens. Isso porque, cada uma delas, do seu jeito, fez e disse coisas ótimas e horríveis. A atitude da mãe de Dylan, depois que descobriu que Jamie é transgênera, por exemplo, é cansativa e certeira. Provavelmente, muitos adultos acreditam que, se seu filho heterossexual se apaixonou por uma garota trans, significa que ele é gay. A mãe de Dylan vai além, porque fica obcecada em descobrir em qual espectro sexual o filho se encaixa - o que, a meu ver, é algo completamente estúpido. Muitas e muitas vezes fiquei orgulhosa por Dylan dizer que Jamie é uma garota e ponto final. O fato de não ter "partes de garota" não desvalida quem ela é.
A história pessoal de Dylan, no entanto, decepciona um pouco. Isso porque, a princípio, o leitor acredita que, por ele ser o narrador-protagonista, a temática é por causa dele. Acontece que, apesar de ele odiar o próprio físico - por ser grande demais e ter mais pelos que o comum -, sua história não passa perto de questões de gênero. Ainda assim, casa com a proposta da mensagem de aceitação. Ambas as personagens estão na história para que a autoaceitação seja exposta. Apesar de isso convergir para o óbvio, naturalizando o discurso de que a autoaceitação é facilmente sentida a partir do amor romântico, não deixa de contribuir para que várias reflexões sejam feitas. No entanto, por Jamie não ser a narradora, o livro peca em dar voz a alguém que realmente precisa dessa voz.
As personagens - Dylan e Jamie - são previsíveis, mas acabam conquistando, porque estão dentro das "normas" do gênero YA. Para mim, foi muito mais gratificante e importante me ater à temática de gênero e de sexualidade do que às personagens. A perpetuação dos papéis de gênero também são previsíveis, uma vez que Dylan e Jamie têm características e desejos "naturais"* de seus gêneros. Jamie, na verdade, é o estereótipo absoluto do que seria uma mulher: alguém extremamente feminina, sensível e doce. Só fui perceber isso, na verdade, quando terminei o livro.
Acredito que falar de gênero é ótimo, especialmente no Brasil, que é o pais que mais mata pessoas da comunidade T, mas a padronização ainda é muito grande. E foi isso que também notei em Fera. Ainda assim, não desvalida a importância de uma história assim, num mundo literário em que a cisnomatividade ainda é a regra. A literatura existe, também, para dizer que não estamos sozinhos. E Fera cumpre isso com sabedoria e humanidade.
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*naturais = pode não parecer, mas absolutamente nada do que gostamos/apreciamos é natural, porque é construído socialmente e reforçado por essa mesma sociedade. Na verdade, não existe um padrão para os espectros da sexualidade, da atração e de gênero, embora a sociedade nos faça acreditar que exista. E os papéis de gênero nada mais são do que a perpetuação dessa "naturalização" reforçada pela sociedade, que dita que o é ser mulher/feminilidade e o que é ser homem/masculinidade. Ou seja, se a naturalidade não existe, papéis de gênero igualmente não existem ;)
Love, Nina :)
Oi tudo bem?
ResponderExcluirPor ser apaixonada por a bela e a fera estou com vontade de ler esse livro desde o lançamento mas nunca havia de fato parado para ler sobre, sua resenha me deixou ainda mais com vontade de fazer essa leitura.
Beijos
Oiii Nina tudo bem?
ResponderExcluirMenina encantada pela sua resenha, quando li outros comentários, sempre imaginei que fosse a história escancara de Dylan na obra, mas percebe-se que não é bem assim, creio que deve ser uma leitura m tanto forte e realista que muitos meninos vivem, com toda certeza adoraria ler, essa capa está um luxo.
Beijinhos
Olá Nina, nunca li nada deste tema LGBT, e menos ainda transgênero, pois é um assunto relativamente novo, mas tua resenha me deixou bem interessada, vou anotar a dica e colocar na minha lista de leituras futuras.
ResponderExcluirBjos
Vivi
http://duaslivreiras.blogspot.com.br/
OIiii!
ResponderExcluirEu conhecia o livro pela capa mas nunca li nada sobre ele, fiquei feliz ao ler sua resenha! Não imaginaria esse enredo! Fiquei bem animada para ler e já deixei anotado!
Sua resenha está ótima! Muito bem escrita e trabalhada.
Beijinhos,
bom dia,
ResponderExcluirAmo livros que talam sobre temas Tabus, me senti tentada a ler esse livro e ja anotei na minha lista de indicações infinitas, obrigada por me mostrar essa leitura que assim como você eu vou amar.
Bjos
Ps: amei sua resenha
Olá Nina!
ResponderExcluirEstou bem curiosa pra ler essa obra. To com ele no meu Kindle e espero me apaixonar pela trama e favoritá-lo assim como você!
Adoro os elementos que estão sendo abordados na trama, sem dúvidas me levará a altas reflexões.
Beijos!
Camila de Moraes
deve ser interessante a abordagem do tema nesse livro, gosto da temática LGBT e fiquei curiosa pra fazer a leitura, apesar dos momentos amor-ódio que vc falou a respeito...
ResponderExcluirainda há muito a ser conhecido sobre o tema, e uma leitura assim pode abrir para mais perspectivas...
bjs...
Eu não conhecia o livro e achei a capa muito bonita. Tenho visto muitos livros sobre LGBT e acho muito bom ter essa representatividade na literatura. Gostei da premissa e da sua resenha.
ResponderExcluirOie amore,
ResponderExcluirAdoro essa temática, gostei de conhecer essa belezura e já anotei a dica por aqui!
Adorei sua resenha, bem completinha!
Beijokas!
Olá! Que interessante, ainda é tão difícil encontrar um livro que aborde questões de gênero e sexualidade, né? Infelizmente, como você destacou, ainda temos alguns personagens bem caricatos, tanto nos livros quanto em novelas, filmes, séries etc. Mas mesmo assim é importante tê-los! Achei uma dica interessante especialmente por esse motivo!
ResponderExcluirBeijos.
Olá!
ResponderExcluirMesmo eu não curtindo a A Bela e a Fera, estou apaixonada por esta obra, por se tratar de um tema tão real e necessário. Livros com essa premissa estão se tornando cada vez mais comuns, ainda é pouco, é verdade, mas em comparação a outros tempos, está ficando cada vez mais comum, o que é ótimo! Adorei sua resenha!
Olá, o livro me pareceu bem interessante, nunca tinha ouvido falar sobre o livro, me deixou curiosa. A capa me chamou muita atenção.
ResponderExcluirBeijos
Eu não vejo a hora de ler este livro. Ouvi tantos comentários positivos da obra, que já amo mesmo sem ter lido. Ainda não consegui comprá-lo, mas estou perto.
ResponderExcluirOlá!!
ResponderExcluirAinda não conhecia esse livro.
E acho muito importante livros como esses que abordam assuntos que precisam ser falados.
Sua resenha está perfeita.
Mesmo o livro tratando de um tema que merece espaço, não fiquei com vontade de ler. A previsibilidade dos acontecimentos me incomodaria muito, e o fato de algumas coisas acontecerem rápido demais também. Mas é muito bom que um livro assim exista e seja lido por bastante gente. Quem sabe assim não diminui o preconceito que é algo tão presente por aqui.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirEu ainda não conhecia esse livro, e adoro YA, mas confesso que esse não me deu aquela vontade de ir correndo ler. Mas achei bem interessante a obra tratar desse tema tão essencial no momento. Com certeza deve valer a pena a leitura.
Beijos.