Garotas que (também) amam outras garotas na literatura



Nessas curtas férias, apenas tenho lido histórias LGBT e, para sair do romance, li dois contos sobre garotas apaixonadas (também) por garotas. O primeiro aborda a bissexualidade, tema recorrente das histórias da autora parceira Marcia Dantas. Já o segundo, de Maria Hollis, descobri por acaso (recomendação da Iris Figueiredo), e fala da lesbianidade.

Uma dose de café e um sorriso, Marcia Dantas

★★★★★


O conto me fez relembrar do meu início de faculdade, no qual eu saía do estágio e ia ler no bistrô e tomar café até a hora da aula. É exatamente nessa atmosfera intimista e relaxada que a história se desenrola. A protagonista busca sossego em sua cafeteria preferida, quando avista uma garota que lhe chama atenção. Coincidentemente, essa garota também gosta de literatura e isso, mesmo que sem nenhuma saber, as faz ter algo em comum. Os desencontros são muitos, até que o primeiro passo é dado. 

A escrita da Marcia continua madura e objetiva. Me sinto bastante confortável com a escrita dela, porque, mesmo que o texto dela seja um pouco inflexível, gosto da maneira com que a autora não deixa a cena pesada ou maçante. A história é muito simples, mas funciona, porque é muito bem ambientada e equilibrada. As personagens não têm nada de muito especial, mas são cativantes o suficiente para que o final seja satisfatório. A construção delas é quase imperceptível, mas gradual, bem do modo como amo, pois nos possibilita o acompanhamento de suas personalidades, como flores que desabrocham em câmera lenta. O ritmo da narrativa é lento, em sincronia com, especialmente, a protagonista - e com a própria expectativa do arco narrativo. 

A bissexualidade é inserida na história não por acaso e não de repente; ela faz parte da história e é abordada com naturalidade e calma. A protagonista não se atém a explicar o que e como sente isso, mas coloca em reflexão o porque pessoas bissexuais precisam se justificar o tempo todo para serem validadas por sua identidade sexual. Acredito que a escolha da autora em colocar as cartas na mesa, de forma lúcida, explícita e direta, é importante e foi usada com sabedoria. Ainda que o amor romântico esteja em pauta (e seja o objetivo do conto), a história não é feita com base em frases de efeito e clichês reflexivos sobre sexualidade, já que o intuito não é amenizar e mostrar o assunto de forma bonitinha, mas de forma que faça o leitor perceber que essa é uma realidade - e que não está "certa"ou "errada"; ela simplesmente existe. 

O desfecho, ainda que seja mesmo satisfatório, acredito que tenha terminado de forma comum e esperada. A maneira direta com que a autora trata a escrita (enredo, personagens e diálogos) influi nesse final, pois é seco e sem muito romantismo - muito se deve, a meu ver, pela maturidade da autora, que não é dada à floreios narrativos. A capa, como podem ver, é simples e comum, sem ser muito atraente, mas agradavelmente convidativa.

O conto é assertivo e ideal para a reflexão do amor para além do óbvio.

Eu e ela, M. Hollis

★★★★★


Começo dizendo que esse é um conto que dá um quentinho no coração. Mesmo com poucas páginas, consegue nos fazer sorrir de gratidão pela gentileza e sensibilidade dele. Assim como a história da Marcia, esta também tem uma storyline descomplicada. Aqui, duas garotas entre 14 e 15 anos são melhores amigas: Lara e Nicole. Elas estão numa festa da piscina, na casa de Lara, que se sente atravessada por sentimentos distintos, especialmente carinho e amor romântico.

A protagonista Lara tem certa doçura sem parecer frágil e infantil e é ela quem convida o leitor a reconstruir cenas de sua vida e a conhecer suas emoções escondidas. A doçura de Lara perpassa a história como um fio de lã que enreda, com sutileza, todos os conflitos, as felicidades e as tristezas que o conto traz.

Essa é a única história disponível em português da autora e, talvez por isso, consiga ambientá-la tão bem. Você sente que a personagem não está em Nova York, num loft, ou num clube em Paris. Você sente, desde o princípio, que Lara é brasileira. Isso é extremamente importante, a meu ver, para a identificação com o público. A carência de literatura lésbica nacional é, sim, muito visível, mas eu fico me perguntando se as autoras conseguem entender que a relação com o público precisa ser feita não simplesmente por causa do romance lésbico, mas por causa da identificação espacial. A literatura nacional, por si só, já sofre muito com essa descaracterização do que é essa literatura e fico me perguntando: por que não escrever histórias cujos personagens sejam tão brasileiros quanto seus leitores?

A autora acertou com maestria ao colocar uma garota ainda em transição para a vida adulta (o que não significa que ela esteja confusa quanto à sua sexualidade, mas que está confortável em perceber que está tudo bem se apaixonar por garotas) numa narrativa tão tipicamente fim-de-semana-brasileiro. Além disso, a linguagem simples e jovem, mas muito bem elaborada, faz com que a aproximação que o leitor sente com Lara seja basicamente imediata.

É tudo muito bonito, desde a construção das personagens até a solução do conflito. Há emoção de sobra, que faz o leitor se sentir empático e imerso no coração de Lara. O final é um amor, mesmo que previsível - é aquele clichê que a gente quer que aconteça. Fico imensamente feliz por notar que a histórias lésbicas estão sendo escritas por causa do amor e da felicidade - e, especialmente, porque o direito de amar sem padrões não significa que esse amor está fadado ao fracasso e à tristeza. Como a própria autora bem coloca em palavras sobre si mesma, ela escreve histórias sobre mulheres que amam outras mulheres com finais felizes e mensagens positivas sobre diversidade.

Impossível não sentir gratidão ao terminar de ler esse conto, porque nos faz refletir quão incrível é saber que o mundo pode, sim, ser um lugar mais justo e cheio de amor.

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Quer conhecer mais escritoras que estão escrevendo sobre amor entre meninas/mulheres? 

Love, Nina :)

15 comentários:

  1. Acho super bacana livros e textos que tratam sobre o amor homo afetivo. Nunca li nada do gênero. Tenho um único livro que sei que fala sobre o assunto. Me interessei por ambos contos. Espero ter chance de os ler.

    Vidas em Preto e Branco

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  2. Olá, tudo bem? Não costumo ler esse tipo de livro, mas adorei as dicas, com certeza lerei algum dos indicados!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  3. Olá Nina!
    Apesar de nunca ter lido um romance que retrate apenas o romance homo afetivo acho bem interessante essa abordagem quando o autor está comprometido em mostrar mais sobre a convivência, aceitação e todas as dúvidas pertinentes encontradas por eles.
    Fiquei interessada nas leituras, mas se optasse para leitura iniciaria com Eu e Ela.

    Beijos.

    Camila de Moraes

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  4. Olá! Eu li poucos romances com temática LGBT, inclusive, a maioria dos livros que li tem personagens gays/lésbicas, mas como personagens secundários. De contos, eu conheço alguns das coletâneas Boys Love, da editora Draco. Acho bacana mostrar que o amor pode surgir naturalmente, não dando importância ao sexo de cada um. Gostei das sugestões, acho que Uma dose de café me chamou mais a atenção, quero lê-lo em breve.
    Bjos!
    Por essas páginas

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  5. Eu já conhecia o conto Uma dose de café e um sorriso, mas ainda não li. O outro eu ainda não conhecia. Leio poucos livros LGBT, não por não gostar, mas por não ver com frequência e os poucos que eu vejo não me atraem para a leitura. Mas gostei dessas indicações.

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  6. Estou com esse conto da M. Hollis no meu Kindle já, achei a ideia muito amorzinho e concordo contigo quanto a precisarmos de mais casais F/F na literatura.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

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  7. Oii tudo bem?
    Já li alguns romances LGBT, mas contos não conhecia nenhum. O segundo parece ser incrível, mas gostei de ambas as sugestões!
    Beijoss <3
    Páginas Empoeiradas

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  8. Nossa, que bacana, vou procurar os contos para apreciação, estou com alguns livros para reler e fazer resenha sobre a temática, dentre eles, O Kama sutra lésbico, adorável.

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  9. Oi Nina, eu já li sobre Uma Dose de Café e estava interessada nele. Este Eu e Ela eu já não conhecia, mas gostei e vou deixar anotado. Boas dicas de leitura do gênero você está deixando.
    Bjs, Rose.

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  10. Olá!

    Conhecia só o primeiro conto, mas gostei de ambos. Realmente percebo que há muito pouca literatura lésbica no nosso país, mas acho que isso vai além de ser só literatura, pode ter a ver com machismo também, vai saber... Enfim, que legal que você também escreve, quero conhecer suas histórias!

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  11. Oi Nina! Tudo bem? Adorei seu post! Um dos temas que mais tenho vontade de ler são os que abordam os gêneros. Livros LGBTS me atraem por me proporcionarem uma experiência de compartilhar com aquele personagem seu amor, que é tão igual ao meu, mas diferente de gênero. Li Todos Nenhum, Simplesmente Humanos que fala de gênero fluído e eu nunca tinha lido nada parecido! É uma leitura que super recomendo!

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  12. Olá, tudo bem? Nossa que ótimas indicações. Anotei as duas. Confesso que o tema e o universo LGBT é uma dificuldade enorme para mim. Não por ter preconceito ou algo parecido, mas por não saber onde iniciar. Sei que hoje existe diversos termos corretos, diversos tabus a serem quebrados além da forma correta de tratar isso tudo, e fico perdidinha. Ainda espero tomar coragem e dar logo o pontapé inicial, por isso super anotado a suas dicas. Adorei!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com.br

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  13. Oi Nina, sua linda, tudo bem?
    Gostei muito da mensagem de que o mundo pode ser um lugar mais justo, eu sempre levantei a bandeira que precisamos de mais amor!!!Eu não faço leitura digital e nem tenho o costume de ler contos, mas para quem lê vale a pena. Sua resenha ficou ótima!!!
    beijinhos.
    cila.
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

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  14. Olá, Nina. Nossa, adorei o post e sou louca pra ler mais livros com o assunto, trazendo personagens LGBTs. Espero conseguir ler alguma dessas obras!

    Beijos.

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  15. Olá,

    Já li alguns livros voltados para essa temática, mas, raramente leio livros sobre garotas x garotas, e desde que li Os dois mundos de Astrid Jones fiquei surpresa com o quão pouco eu sabia sobre o assunto. Com certeza, usarei suas dicas e logo.

    Beijos,
    entreoculoselivros.blogspot.com.br/

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Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.