Aquelas linhas de ferro: no estalar de ossos uma solução
No último post especial do Setembro Amarelo, venho com uma resenha muito especial, do conto Aquelas linhas de ferro, da minha amiga Ana de Oliveira. Conheço a Ana há quase três anos e acompanho de perto do trabalho literário dela, que é diverso e engajado.
Ano: 2017
Páginas: 6
Apesar de ter apenas seis páginas, o conto Aquelas linhas de ferro tem muito a contar. Aqui, você não lerá passividade, pelo contrário: há muita ação, mas que acontece no interior do personagem. Léo é um acadêmico com uma vida "perfeita" e esse é um dos motes da história. Por que alguém que "tem tudo" pensaria em suicídio?
O personagem, assim como sua narração, é melancólico, mas sempre em movimento. Este movimento é dado em consonância com os pensamentos ora de desgaste, ora de insuficiência. Feita em terceira pessoa, a história envolve mesmo que não haja uma conexão intrínseca com Léo, porque ela tem uma cadência muito agradável, ainda que trate de um assunto triste. Existe certa leveza, mas também crueza no modo narrativo da autora. Ela não ameniza pensamentos autodestrutivos, nem romantiza a divagação do personagem.
O que lemos é todo um universo à parte que existe no interior de Léo - e que, não posso deixar de pontuar, com certeza, existe em todos nós, em maior ou menor grau. A verdade é que a realidade que acontece dentro da gente é algo invisível aos outros, penso, mais porque sabemos o que podemos ouvir: os julgamentos, o deboche e a diminuição do que sentimos.
A história dialoga de forma muito crua com a gente. Ela o faz não simplesmente com a realidade que conhecemos - onde a cada quarenta segundos, alguém se suicida -, mas com aquilo que existe de humano em nós.
A depressão nunca é sentida da mesma forma e da mesma intensidade, pois a dor e o vazio são sentidos de formas diversas conforme a pessoa que os experimenta, e isso me faz refletir sobre as vidas que levamos. Se nós, enquanto pessoas, não podemos ser iguais, por que um sentimento seria? Será que todos temos de sentir a vida - e a morte - do mesmo jeito?
O relato de Léo traz isso, sendo convidativo e, pode-se até dizer, bastante cotidiano. O que ele narra não é um mero recorte fictício: poderia ser a situação de qualquer pessoa que tem a vida correndo mais rápido do que suas pernas conseguem acompanhar.
Aquelas linhas de ferro é um lembrete muito real do colapso emocional. Ainda que vivamos ignorando a morte, o conto nos dá aquele estalo do porquê é muito mais fácil fingir que a vida é perfeita: às vezes, simplesmente não queremos pensar que existe um fim - e que ele pode acontecer ao ultrapassarmos nossas próprias amarras.
A história não nos apresenta um personagem que se envergonha de seus pensamentos suicidas, o que a torna humana e sensível. Pode ser chocante para quem nunca teve tais pensamentos, mas são justamente a crueza e a sinceridade que lembram ao leitor que, apesar da vida, a morte existe o tempo inteiro ao nosso redor.
"Ninguém poderia salvá-lo, pois todas as palavras do mundo eram insuficientes. Não era como olhar para o abismo e o abismo olhá-lo de volta. Era como olhar para o abismo, e o abismo agarrá-lo". |
Sem diálogos, a narrativa da autora conquista pela introspecção. Talvez seja o tipo de melancolia que pessoas que não são neuroatípicas possam entender melhor o nível emocional fragilizado do personagem, mas não significa que seja uma leitura arrastada, pelo contrário. Como mencionado acima, existe muita ação, mas que parte de dentro para fora, num movimento típico do vazio, dos pensamentos automáticos e da ânsia de sentir e receber nada de volta.
Muito rico em emoções, Aquelas linhas de ferro não fala do suicídio como única solução, mas como uma solução indolor. O conto traz fragilidades humanas, mas verdadeiras, que ficam soterradas e adormecidas, e que nos oferecem muito mais do que um recorte em poucas linhas: é um reflexo de vidas que estão em colapso e que socorro algum parece amenizar o que sentem.
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Espero que meus posts especiais sobre o Setembro Amarelo tenham conscientizado aqueles que não são neuroatípicos e prestado algum tipo de apoio aos que convivem com a depressão.
É sempre bom lembrar que não estamos sozinhos. E que, sim, somos importantes.
A vida sempre vai doer alguma hora e tudo bem. O que não tá tudo bem é silenciar as pessoas que sentem o mundo de maneira diferente. Vai ficar tudo bem, mesmo que não pareça agora. Vai ficar tudo bem. Você é o bastante, você é o bastante, você é o bastante.
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10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
Você quer ajudar? Que tal começar a se informar melhor? Conheça a campanha Setembro Amarelo.
Precisa de ajuda? O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio gratuitamente.
Ligue 141 ou fale com algum voluntário pelo site.
Love, Nina :)
Que postagem maravilhosa Nina, ainda sobre o setembro que é muito lembrado e é importante que posts assim sejam escritos, fazem muito a diferença. Esse é um tipo de leitura que eu me adequaria com toda certeza e essa capa está incrível.
ResponderExcluirBeijinhos
Adorei essa iniciativa do blog. É realmente muito importante nós estarmos informados e sabermos como podemos demonstrar AMOR a essas pessoas.
ResponderExcluirO conto parece ser realmente bem intenso e eu, que já convivi com algumas pessoas que amo e que quase cometeram suicídio, teria que me preparar muito para ler algo assim, pois é algo que me deixa realmente no chão, bem destruída...
Nina sempre trazendo as postagens e as resenhas mais bem escritas e refletivas da blogesfera *___*
ResponderExcluirJá falei antes e repito: conheci o Setembro através de você e muitas de suas postagens me ajudaram no processo de desconstrução de vários pré-conceitos. Já fiquei com vontade de ler esse conto porque é importante tentarmos entender o lado das pessoas em situações críticas como depressão e desejo de suicidar-se.
Obrigada!
EU ESTOU CHOCADA COM ESSA RESENHA.
ResponderExcluirVejo tantas resenhas de livros de 400 páginas com apenas 1 paragrafo kkkkkkk E você fez uma resenha linda de um livro de 6 páginas... Gente, adoro quando o livro é pequeno mais tem tanta coisa que não conseguimos nem contar.
Chocada total.
Já quero esse livro para ontem.
Amei sua resenha. ADOREI OS QUOTES.
Eu não conhecia a autora e achei o conto dela muito bom, achei bem bacana você colocá-o aqui no blog e também gostei das postagens do Setembro Amarelo. Muito importante obras que abordem o tema!
ResponderExcluirMais um post divino!! Parece-me que este conto possui uma riqueza de detalhes maravilhosa, mostrando a realidade da depressão, nada caricaturado como costumamos (infelizmente) ver por aí. Não conhecia este conto e ainda hoje vou atrás dele.
ResponderExcluirbjs
www.livrosdabeta.blogspot.com.br
Que resenha lindaa! Eu não conhecia essa obra, mas só de ler a sua resenha fiquei curiosa e muito tocada pela história do Léo. O suicídio é um assunto sério, mas poucos dão verdadeira importância, pois pensam que é apenas frescura e que a pessoa quer apenas atenção, o que é um absurdo e me deixa realmente indignada. Devemos ajudar essa pessoas e não julgá-las, pois não sabemos pelo que elas estão passando. Vou anotar a sua dica de leitura, bjss!
ResponderExcluirOi Nina, não conhecia o conto, e pelo visto ele é muito bom mesmo, apesar das pouquíssimas páginas. Só um parenteses, eu não acredito em vida perfeita...
ResponderExcluirBjs, Rose
Parece ser um conto muito interessante e que toca no assunto de maneira muito real, gostei da maneira como você apresentou a obra.
ResponderExcluirBeijos
Mari
Pequenos Retalhos
Olá!
ResponderExcluirAcompanhei alguns contos pertinentes ao tema (inclusive o seu) e cada vez mais fico encantada com a qualidade dos textos, um mais lindo que o outro, mesmo o tema sendo triste e, até mesmo, um tabu. Adorei o conto.
Oiii!
ResponderExcluirEu fico muito feliz em ver autores usando seus espaços para contribuir com a conscientização de algo tão importante!
Beijnhos
Olá! Acho importante que os autores, ao tratar de temas como suicídio, não o romantizem, não o diminuam, não o façam parecer mais "bonito" ou menos impactante. A realidade é dura, cruel, horrível e fantasiar em cima disso mais atrapalha do que ajuda. Então é ótimo saber que a autora quis passar o máximo de realidade no conto. E é ótimo também que você abra esse espaço para conscientização!
ResponderExcluirBeijos.
Olá!
ResponderExcluirMe interessei muito pela história, acredito que temas assim precisam de mais evidencia, para que pessoas que passam pelos mesmos transtornos ou semelhante tenha mais segurança em se expor, em buscar ajuda. Digo por experiencia própria que o medo de passar ridículo de ter seu problema diminuído é o que mais afeta e atrapalha, então quanto mais pessoas souberem e entenderem como é, mas fácil fica para quem precisa se sentir confortável para pedir ajuda.
Beijos
\olá, parabéns pela postagem, setembro acabou mas a conscientização deve permanecer, achei bem legal os contos, é importante ler algo que nos ajude.
ResponderExcluirbjs
Oi Nina, que resenha mais envolvente, me emocionou. Você fez analises e correlações profundas e reais. Gostei da forma como é o Léo e a única certeza é de que se existe vida, apesar das tentativas de negá-la a morte tb existe, penso que é negada pq nos dá a certeza de que em algum momento a vida por aqui acabará, uiii pesado para mim!
ResponderExcluirBjo
Tânia Bueno
Gosto de histórias com temas fortes e que me emocionam ao ponto de me fazer refletir.
ResponderExcluirMuito bacana a sua escolha de falar sobre um tema tão real e presente em nossas vidas, que a conscientização possa ser constante e que possamos não perder a sensibilidade diante a dor do próximo.
Olá, como vai?
ResponderExcluirParece ser um conto bem reflexivo. Assuntos difíceis também precisam (e devem)ser abordados na literatura. Apesar do conto ser pequeno, gostei do tanto de coisas que você falou dele. Parabéns pelo projeto do Setembro amarelo, achei que fez um excelente trabalho por aqui. Um beijo e todo sucesso, sempre.