Fãs do impossível: uma adolescência que pede socorro
Desde que soube do lançamento do Fãs do impossível, há mais ou menos um ano, estou querendo lê-lo. Mas, conforme os preços não iam baixando e eu lia resenhas desfavoráveis, a vontade foi sumindo, até que a Lorena Miyuki postou a resenha dela. Eu e ela temos algo grandiosamente em comum: adoramos livros YA e, por isso mesmo, eu fico esperando que ela "valide" muitos livros que quero ler.
Título original: Fans of impossible life
Autora: Kate Scelsa
Editora: Intrínseca
Páginas: 333
Ano: 2015 (EUA) | 2016 (BRA)
★★★★★ + ❤
Apesar de ser um livro que aborde a adolescência, essa adolescência não é romantizada, livre ou feliz. Aqui, temos três histórias paralelas sendo contadas de maneiras diferentes; histórias que tentam se encaixar, se reconstruir e se re-socializar.
Nos deparamos com Jeremy, logo de cara, narrando em primeira pessoa. Conectar-se com ele é muito fácil, pois, ainda que não saibamos seu passado (pois há, claramente, uma tensão logo no primeiro parágrafo), ele nos passa a veracidade de ser um garoto comum e, por isso mesmo, há bastante expectativa pelo que virá. Já que há três narradores, fica difícil saber se há um protagonista (mas eu arrisco dizer que, se houvesse, seria o Jeremy, já que a história se desenrola a partir deste primeiro capítulo, narrado por ele). Jeremy está se reabituando à escola, por ter passado por um episódio de bullying. Um determinado professor, bastante jovem, o incentiva a criar um Clube de Artes, para que comece a se re-socializar.
Nesse meio tempo, conhecemos Mira, uma garota que está ingressando numa nova escola (a escola de Jeremy) e que espera conseguir sobreviver a este dia. Os capítulos de Mira são narrados em terceira pessoa, mas não deixam a desejar. A relação que a garota tem com a família é algo à parte, algo muito doloroso e que acabam influenciando diretamente na história dela. É muito aos poucos que ela sugere pistas sobre seu passado, à princípio fala-se de dieta, mas episódios de pânico e conversas melancólicas conseguem nos colocar a par do que está escondido.
Paralela e concomitantemente, existe Sebby (Sebastian), o melhor amigo de Mira. É também aos poucos que ficamos sabendo como a relação deles nasceu - e é algo bem triste - e o que Sebby esconde. Ele nos é apresentado como alguém pra cima, mas que tem muitos problemas de conduta: não vai à escola, rouba e desaparece sem dar notícias. Há uma revelação sobre ele: detesta a casa na qual vive, pois é órfão e esta casa o acolheu, pois a "mãe" é uma religiosa meio fanática, que doa a vida que resta à "benfeitorias". A narração dele é a mais destoante, pois é feita em segunda pessoa (você). É como se ele estivesse alheio, mas sempre observando suas situações. Esse distanciamento me causou certa angústia, pois era como se ele fosse um observador incapaz de intervir e como se não tivesse controle da própria vida.
"— Não acho que você ia querer se sentir como eu me sinto", p. 97 |
Apesar de terem rotinas, famílias e problemas diferentes, os três conseguem se conectar. É uma amizade, a princípio, muito bonita - mas não romantizada. A narrativa encontra várias brechas para falar de sexualidade, e creio que esse é o segundo mote do livro. Ficamos sabendo que Sebby é gay de um modo bastante aberto, mas me foi difícil entender a dinâmica entre ele e Jeremy. De início, achei que Jeremy fosse bissexual, mas em meio aos seus flashbacks, há uma reviravolta. A dinâmica entre as duas personagens é uma incógnita durante todo o livro, pois se modifica a todo instante. Pra falar a verdade, ainda que haja muito conforto no modo como os três encontram motivos para encarar a vida, há cenas um pouco doentias e esquisitas - que, por vezes, ficam no ar.
Fãs do impossível se dedica a três grandes temas: a saúde mental (lidando com a depressão e o suicídio), a homossexualidade (mais a masculina, no entanto a feminina é frequentemente abordada por duas personagens secundárias) e o bullying (causa de episódios homofóbicos). A depressão foi o que mais me sensibilizou, pois é tratada e falada de um modo muito, muito pessoal e de forma alguma de um modo genérico. Todos os quotes sobre o tópico me atingiram de uma forma que conheço, o que foi muito triste (basicamente, foi impossível não chorar). O suicídio, atrelado aos problemas do passado de Sebby e Mira, está presente às vezes. Ambas as personagens falam dele em tempos diferentes, de acordo com suas experiências. Estas passagens, ainda que mais diluídas na narrativa, também são fortes e muito diretas. Todos os temas, na verdade, são narrados de forma crua, intensa e pesada, o que é algo muito positivo, pois não há espaço para romantização, escárnio e deboche. A autora trata a saúde mental, em especial, com muita seriedade - uma seriedade muito difícil de se ler hoje em dia, em especial em livros YA.
"Tome. Tome para poder sobreviver a esta noite. Para poder dormir. Tome e repita para si mesma estas palavras sem parar: Vai acabar, vai acabar, eu prometo, prometo que vai acabar", p. 101 |
No meio da leitura, fiquei sabendo que a autora é lésbica, o que transformou totalmente a minha perspectiva quanto à abordagem da sexualidade. Ainda que o enfoque seja a homossexualidade masculina, a feminina tem muito espaço e não é tratada com "simplesmente algo mais". A personagem abertamente lésbica (Rose) faz um enorme favor à comunidade desvelando, por exemplo, o machismo (muito real) incutido na lesbofobia. A diversidade e liberdade sexual são algo que acontecem durante a trama de uma forma que vai além da ficção - elas não estão ali para "fazerem bonito", mas para mostrar que existem e que são naturais.
Nas resenhas que li antes da Lorena, muitas vezes li que o livro deixada a desejar por ser raso. Não entendi como isso poderia ser verdade, até o fim se iniciar. E, quando o terminei, pude comprovar. Ainda assim, não é a história que é rasa. Para mim, o que mais ficou raso foi o fechamento da história de Sebby, mas o passado de Mira também não fica muito atrás. Ainda que a depressão e o suicídio sejam tratados de forma esplêndida, fiquei com a sensação que algumas coisas ficaram simplesmente no ar, mal explicadas e mal apresentadas. Há certas "lacunas" nos relatos, que ocasionam mistérios não solucionados ou compreendidos.
Ainda assim, Fãs do impossível é uma obra incrível, pela coragem e forma com que os assuntos-tabus se afloram na trama com vivacidade e crueza. O livro lembra aos leitores que a adolescência na literatura vai muito além de escrever sobre festas, namoros e felicidade. Há tristeza, vontade de partir, fracassos e cobranças destrutivas. E o melhor de tudo: nos mostra que ninguém está sozinho.
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Fãs do impossível, Kate Scelsa, p. 244 |
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Love, Nina :)
Olá, tudo bem? Já vi falarem bastante desse livro, e parece ser uma ótima história, só não sei se leria no momento. De qualquer forma, adorei sua resenha!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oi!
ResponderExcluirJá vi muito esse livro por aí mas a sua resenha é a primeira que leio e, apesar de ficar um pouco ressabida com as diferentes narrativas ao longo da trama,fiquei bastante interessada na história de modo geral por conta dos temas abordados e da aparente comoção que ele causa a quem o lê. Uma pena o desfecho dos personagens não ter sido satisfatório, mas ainda assim me pareceu um livro que vale a pena ser lido.
Beijos!
Ótimos temas abordados no livro, pena ter um desfecho raso, mas pelo visto o livro no seu todo compensa isso.
ResponderExcluirQuem sabe não role uma continuação ou algo do tipo para responder tais perguntas que ficaram em aberto.
Beijos e obrigada pela dica.
https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/
Oii! Eu já tinha visto a capa deste livro, mas nunca soube do que se tratava a história. Achei bem interessante o livro conter três histórias paralelas e apesar dos temas serem fortes, não me incomodei e sim, fiquei bastante curiosa para conferir essa obra. Sua resenha está ótima, obrigada pela dica. Bjss!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirNão conhecia este livro, mas adorei a premissa dele, que bom que os YA também estão conscientizando os jovens sobre os mais diversos assuntos. E livros que falem abertamente sobre o universo LGBT são muito bem vindos! Obrigada pela dica!
Olá!! :)
ResponderExcluirEu não conhecia este livro ainda mas ainda bem que gostaste de fazer a leitura...! E também dos temas nela abordado!
Enfim, acho ótimo que os assuntos tabus apareçam na obra sem qualquer problema, de forma natural como deve acontecer!
Boas leituras!! ;)
no-conforto-dos-livros.webnode.com
Quero ler esse livro, pois acho legal os temas que ele aborda. Vamos ver se começo essa leitura logo.
ResponderExcluirBeijos
Mari
Pequenos Retalhos
Oi tudo bem?
ResponderExcluirJá tinha visto a capa desse livro por aí e já estava curiosa para saber sobre o que ele abordava mas pela capa achei que era alguma coisa de casal feliz sei lá hahaha, mas fiquei ainda mais curiosa pois quero ver como a história vai se "juntar".
Beijos
Olá Nina!
ResponderExcluirNossa essa obra deve ser bem intensa e muito reflexiva.
É muito importante que esses temas sejam abordados e levados para todos os tipos de idade, mas sobretudo para adolescente acho imprescindível pelo turbilhão de sentimentos que essa fase vive.
Fiquei com vontade de realizar essa leitura e ver como essas histórias se conectam.
Beijos!
Camila de Moraes
Olá,
ResponderExcluirNão conhecia o livro, mas achei a premissa bem interessante, com uma carga emotiva muito grande. Com certeza irei ler futuramente.
Abraços,
Cá Entre Nós
Olá!
ResponderExcluirNão tinha ainda lido nada sobre o livro.
Apesar de tratar de assuntos que muito me interessa, acabei ficando desanimada por deixar a desejar, já sei que se tiver o livro em mãos vou ficar pensando no que a Nina disse na resenha dela. Ele vai com certeza pra lista do "depois eu leio" rs
Mas adorei ler a resenha. Parabéns
Oi, Nina!
ResponderExcluirNossa, curti o seu post. Por incrível que pareça, não tinha lido nenhuma resenha a respeito desse livro, nem qualquer divulgação. Pelo que percebi na sua leitura, as pessoas podem não ter gostado por dois motivos:
1 - Os temas abordados são muito fortes e elas não encararam/lidaram bem
2 - Pode ter havido falta de empatia diante do tema proposto.
Fora isso, as pessoas podem não ter simpatizado com a forma da narrativa (primeira, segunda e terceira pessoa do singular) - eu achei super interessante.
Eu gostei da premissa, mas acho que é um livro que precisa ter alguma preparação para lê-lo. rsrs Por isso, ainda bem que li sua resenha, porque se ele cair nas minhas mãos um dia, saberei que terei que respirar fundo antes de seguir e me preparar para abraçar os personagens e suas histórias.
ótima resenha!
bjos
Por essas páginas
Tive muitos problemas com livros que abordam adolescentes, geralmente não consigo me envolver.
ResponderExcluirA premissa e sua opinião me deixou instigada a ler, mas é triste ver que um livro deixa a desejar .
Gostei muito da sua sinceridade, parabéns.
Beijos 💋
Oi Nina, não li ainda. Acho legal que você não tenha desistido da leitura, e que bom que sua amiga, ao qual você tem gosto parecido, contribuiu para isso.
ResponderExcluirBjs Rose
Olá! Amei sua nota sobre o CVV no final do post <3. Quanto à obra, são abordados temas necessários e que fazem parte do dia a dia dos jovens mesmo. Quanto a mim, prefiro ler sobre os conflitos adultos, com os quais me identifico mais. No mais, adorei que você apreciou a leitura.
ResponderExcluirBjs