Quinze dias: o mundo inteiro é seu
Fiquei sabendo sobre Quinze dias (Vitor Martins) a partir desse vídeo na página da Globo Alt. Ele me interessou, especialmente, por tratar de gordofobia (e a gente sabe que a percentagem de personagens gordos é risível, né). A Lorena, do Marcado com letras, o acabou resenhando uns dias depois e, como eu confio muito do gosto literário dela, acabei comprando um exemplar para mim.
Título: Quinze dias
Autor: Vitor Martins
Autor: Vitor Martins
Editora: Globo Alt
Páginas: 207
Ano: 2017
★★★★★★ + ❤
Quinze dias é viciante. Lê-lo foi doloroso, lindo e engraçado tudo ao mesmo tempo, isso porque o autor tem um carisma narrativo muito cativante. Na primeira página, o leitor já se vê fisgado pelo protagonista Felipe, um adolescente que detesta a escola por causa do bullying que sofre diariamente e que quer muito aproveitar as férias assistindo Netflix. Pelo livro ser curto, o primeiro conflito já nos é apresentado no início.
Acontece que seu vizinho Caio vai passar quinze dias na casa dele. Isso significa que o desejo de Felipe em ficar trancado no quarto maratonando seriados foi por água abaixo. Significa também que vai ter que lidar com o sentimento platônico que nutre por Caio de uma forma louca e atrapalhada. Apesar de eles terem sido amigos na infância, a amizade acabou há algum tempo e, desde então, eles têm interações cotidianas bem estilo a-minha-vida-é-corrida. Alguns ois (nem sempre correspondidos) e coisas assim. Felipe se vê extremamente ansioso com a novidade, não somente pelo que sente por Caio, mas pela tensão que já vivencia fora de casa - todos os julgamentos conscientes e inconscientes das pessoas, as perseguições maldosas e o policiamento do próprio Felipe em fazer de tudo para não ser notado.
"Nunca vou entender como uma pessoa que tem metade do meu tamanho consegue fazer com que eu me sinta tão pequeno", p. 28 |
São inúmeros pontos incríveis, mas dois me chamaram a atenção: o que tangue à autoestima e o que tangue à visibilidade e pluralidade sexual.
A autoestima de Felipe, na verdade, pouco existe. O fato de ele usar muitas cores e combinações vestuárias monocromáticas, já evidencia muita coisa. Felipe acredita que, quanto menos é visto, menos é incomodado e menos mal se sente em relação ao fato de ser gordo. Eu me vi e me senti na pele do protagonista nesse jogo de esconde-esconde, o que foi bem doloroso - mas muito representativo - e me fez refletir sobre como nos sentimos em relação a nós mesmos e como isso pode afetar basicamente toda a nossa vida. Em relação à autoestima vem também outra questão importante: a ansiedade social (outro ponto em comum que tenho com Felipe). Ela está permeada na narrativa, não são somente episódios rápidos e isolados, já que o protagonista convive com isso de várias maneiras.
Até ler a resenha da Lorena, eu não sabia que se tratava de um livro LGBT. Saber disso foi o empurrão que eu precisava para comprá-lo em definitivo, aliás. Então, não é um spoiler dizer que Felipe é gay. A homossexualidade do personagem não é tratada nem como descoberta, nem como crise existencial, porque Felipe é gay e pronto. Essa questão não é o conflito do romance, o que achei incrível, já que é muito mais comum encontrarmos livros LGBT'S dramáticos e repetitivos. Além disso, não temos somente a representatividade da homossexualidade masculina, como também da feminina e a representatividade bissexual feminina. É com a melhor amiga de Caio, Becca, que a pluralidade se faz presente. Becca namorada uma garota bissexual, de forma que com quatro personagens temos identidades sexuais cujos conflitos e violências são distintos - mas que são, mesmo que pouco aprofundados, bem trabalhados. Apesar disso, senti que o autor colocou tudo no liquidificador e jogou na narrativa. Isso fica bem evidente em Becca, que é gorda, negra e lésbica. Não que não existam garotas gordas, negras e lésbicas (e eu sei bem que a representatividade é quase nula), mas, de alguma forma, para mim, pareceu forçado.
Histórias com personagens fora do padrão têm me ganhado cada vez mais, isso porque a padronização é tão repetitiva que mal tenho vontade de ler romances assim (pra falar a verdade, até mesmo romances heterossexuais têm me cansado). Então, não a toa Quinze dias me ganhou por absolutamente tudo. A gordofobia, a homofobia e a lesbofobia são debatidas a todo momento, de diversas maneiras, o que confere um caráter bastante educativo ao livro. Os diálogos do grupo são sensacionais, e a rainha deles é Becca. Sem diálogos forçados, ausentes de frases clichês e icônicas, o romance é de uma naturalidade sensacional. As personagens querem, sim, dizer algo - dizer tudo.
Entremeado a assuntos sérios, há um humor natural, extremamente cativante, que faz apaixonar pelo protagonista cada vez mais. O romance oferece o leitor a chance da empatia; o autor conseguiu, com muita sutileza e delicadeza, escrever sobre realidades que, muitas vezes, se esbarram na nossa.
A construção das personagens é muito real e destaco a mãe de Felipe. É comum que os pais apareçam ou pouco ou sejam estereotipados, mas dona Rita é recorrente e muito importante para a história. Ela pode parecer uma mãe comum, que ama o filho acima de qualquer coisa, mas ela é mais do que isso: dona Rita é um pilar para o protagonista e para a lição do livro. Faz tudo para ver a felicidade de Felipe e para fazer com que ele se sinta acolhido. Ela sabe das dificuldades do filho e é a primeira a incentivá-lo a sair da zona de conforto, sem ferir seus limites. Em suma, ela é uma personagem que traz harmonia e humanidade em meio aos fatos dolorosos que acontecem com Felipe. E é lindo ler o amor que ele nutre por ela, pois Felipe não é aquele tipo de personagem adolescente que despreza os adultos e que acredita que sua vida é incompreensiva para eles. E é lindo ler o reconhecimento de amor, confiança e estabilidade entre eles.
A principal lição de Quinze dias é, com certeza, a reflexão e o exercício da autoconfiança. Felipe tem muito a ensinar ao leitor também sobre respeitar nossos limites, se divertir sem restrições e enfrentar o medo. De extrema importância no meio nacional, o livro abre uma brecha para vários debates atuais, que merecem atenção e que trazem questões que precisam ser repensadas.
Love, Nina :)
"como eu confio muito do gosto literário dela"
ResponderExcluirAAAAAAAAAAA VOCÊ <3
espero nunca te decepcionar, e fico feliz que tenha gostado e ressaltado todos os pontos que eu mesma observei!
É tudo que estou precisando autoconfiança. E se vem junto com uma leitura embora dolorosa ainda assim boa de ler. Tô dentro!
ResponderExcluirParabéns pela resenha! Bjs
Não conhecia o livro, mas posso dizer que já me cativou e ainda mais por saber que é um LGBT que foge do drama, eu fujo do clichê.
ResponderExcluirUma ótima dica, vou anotar.
Beijos.
https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/
Olá, tudo bem? Já vi falarem muuuuito desse livro, e cada vez fico mais curiosa para saber mais da estória, o que faz ela ser tão boa, hehe. Adorei tua resenha, agora tenho certeza de que devo mesmo comprar o livro!
ResponderExcluirOii, tudo bem?
ResponderExcluirConheci o livro no Skoob, mas nunca li uma resenha sobre ele. Parece ser um livro incrível, tratando de bullying, sexualidade e o melhor, não é clichê. Li um nesse estilo chamado Dumplin' e adorei, acredito que esse também tenha essa pegada. Com certeza vou anotar essa dica.
Oi, Nina. Eu ainda não sabia muito sobre esse livro e adorei conhecer um pouco sobre a trama através da tua resenha. Eu gostei muito da premissa e ver tantos elogios à trama me deixou bem curiosa para realizar a leitura também.
ResponderExcluirNão tinha ouvido falar do livro ainda, mas super me interessou. Livros sobre autoconfiança acho tão interessantes e mesmo deixando meu coração pequeno,sinto que me faz um bem danado ler livros assim. Na minha opinião,temas assim deveriam ser muito mais valorizados,como você falou é difícil encontrar personagens acima do peso.
ResponderExcluirNunca li um LGBT,quem sabe essa não seja a oportunidade!
Beijos <3
Olá, eu necessito ler esse livro, pois eu li os primeiros capítulos na livraria e se tivesse dinheiro traria o livro para casa. Sua resenha só aumentou a minha vontade de ler
ResponderExcluirHey!
ResponderExcluirEu ouvi falar do livro recentemente numa TAG que li e achei muito interessante. Não costumo ler obras do tipo LGBT, mas acho que darei uma chance para esta.
Beijos.
Oii! Me apaixonei por essa capa logo de cara e com uma história dessas, é um bônus para ler essa obra. A história parece conter muitos temas interessantes e estou curiosa para saber como é a escrita do Victor. Sua resenha está linda, obrigada pela dica. Bjss!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirConheci o autor num evento aqui em SP e a história me cativou, só não comprei porque estava sem dinheiro. Mas a história deve ser lida sim por todos, precisamos de mais livros assim!
Eu estou doida para ler este livro, mas não consegui ainda. também gosto de enredos com personagens fora do padrão, e até por isso este já me chamou atenção. Eu entendi sobre o que você quis dizer sobre a personagem ser gorda, negra e lésbica, mas não sei se acharia de certa forma forçada de barra.
ResponderExcluirBjs, Rose
Olá, eu já li algumas resenhas desse livro e cada vez fico mais empolgada para lê-lo, pelos seus comentários além de ter um enredo bacana o livro passa boas reflexões.
ResponderExcluirMenina, isso que é resenha! Muito boa mesma. Adorei o tom que você deu ao livro. Também adorei o fato de ter conteúdo e personagens fora do padrão. Está na hora da literatura ser representativa também. Esse livro e Dumplin' são meus Próximos.
ResponderExcluirAdorei sua resenha! Quando vi que ele ia lançar esse livro fiquei louca, e sempre vejo comentários positivos a respeito, o que me deixa mais curiosa ainda! Não vejo a hora de poder ler este livro hahaha sua resenha ficou ótima, parabéns!
ResponderExcluirby: atravesdaescrita.blogspot.com
Menina, esse parece um livro muito bom para adolescentes, era bem o que estava procurando, de fato preciso ler para saber se é adaptável ao projeto de 2018 que não vai atingir apenas o público jovem, mas haverá idosos também, imagina idades, vivências diferentes discutindo essas questões?
ResponderExcluirEstou de olho neste livro desde que lançou, como já falei aqui em outro post, gosto de YA quando abordam algo interessante, que acrescente algo ao leitor, e quando vem com um tema como gordofobia, me anima muito a ler. E fico feliz por jovens estarem lendo sobre o assunto, que é tão presente.
ResponderExcluirComo sempre sua resenha ficou linda. <3
Olá! Já li algumas resenhas sobre esse livro e todas foram positivas.
ResponderExcluirInteressante um protagonista fora do padrão gato, gostoso e bad boy. Pessoas reais, com dramas reais, merecem ser retratados!
Bjs
Gosto do canal do autor e agora fiquei com bastante vontade de ler o livro dele. Tinha certo receio após certos traumas com livros de Youtubers, mas acho que essa história vale a pena por tratar de temas tão essenciais. Acho que nunca li nada que tratasse de gordofobia, estou bem curiosa para conferir a obra.
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