Essential Book: novembro

Para este essential book, o tema é a essência do inimigo. Seguindo o exemplo do mês passado, escolhi um livro (e uma abordagem) que passem bem longe do óbvio. O inimigo escolhido não é um vilão de carne e osso, mas algo que está, infelizmente, na raiz de nosso país: o racismo. 

O sol é para todos, de Harper Lee, é um daqueles clássicos que a gente demora pra querer ler, mas, quando começa a leitura, é impossível parar - e quando a termina, é impossível parar de pensar sobre. É um livro que dá um tapa na cara da gente de diversas maneiras, começando pela narradora, uma garotinha de seis anos que, como criança, vê o mundo de um jeito bem diferente dos adultos. Além do mais, ela é criada de um modo muito livre por seu pai, que é advogado da cidade. 

Ainda que a trama central apresente o racismo, de forma mais crua, a partir de Atticus, quando ele decide defender juridicamente um homem negro, o assunto está na trama de muitos outros jeitos, como a relação da família com a empregada negra, a Calpúnia; a intimidação da sociedade; a relação sincera de Atticus com os filhos ao explicar os porquês deles. 

A sociedade da época é muito aparente no livro, inclusive, ao ser descrita não somente a partir da abordagem social, mas também econômica e política. E esta sociedade, não raro, externava em todos os âmbitos seus racismos (assim como seus machismos, diga-se de passagem). 

– Você defende pretos, Atticus? – perguntei a ele naquela tarde.
– Claro que sim. Não diga preto, Scout. É grosseiro.
– Todo mundo na escola fala assim.
– A partir de agora, todo mundo menos você. 
p. 100

É bastante visível o quanto o leitor, tanto quanto Scout, é educado durante a história. A gente entende nuances que, em 2017, ainda são atuais - e que, é verdade, muitas vezes fingimos não tem a ver com a gente. É comum que façamos e falemos coisas que, no fundo, não entendemos por que ferem pessoas negras. A consciência de se entender que nossas palavras e nossos atos têm a chance de diminuir o outro, infelizmente, ainda é tachado de "politicamente correto". (Esse teste é bem legal e consciente sobre prestarmos mais atenção no racismo que reproduzimos, recomendo).

– Por causa do inferno pelo qual algumas pessoas fazem as outras passarem sem nem pensar. Por causa do inferno pelo qual os brancos fazem os negros passarem, sem nem sequer pararem para pensar que eles também são gente, p. 251

Ser gente, existir de verdade, é uma experiência bem diferente pra cada pessoa no mundo. Mas ser gente e entender que, sim, você existe passa por um critério bem simples: o respeito. Você existe para alguém, é gente para alguém, quando o outro é capaz de te ouvir, por exemplo. A militância negra - assim como qualquer militância - precisa disso: ter voz. E, para se ter uma voz, significa que alguém vai deixar você falar. 

Em O sol é para todos, o Atticus, à contragosto até de parentes próximos, se dispõe a fazer isso: ouvir alguém que, infelizmente, não tem oportunidade para ter uma voz própria dentro daquela sociedade.

– Como eles puderam fazer isso? Como?
– Não sei, mas fizeram. Já fizeram antes, fizeram hoje e vão fazer de novo, e quando uma coisa assim acontece... parece que só as crianças choram, p. 265

Esse é o meu quote preferido do livro, porque revela que o ódio é ensinado ao longo da vida (talvez, enquanto crianças, sejamos inocentes, mas na vida adulta ele não é mais uma ingenuidade - a gente sabe o que está fazendo e o que está falando). 

"À medida que for crescendo, vai ver brancos enganando negros todos os dias, mas vou lhe dizer uma coisa e quero que nunca esqueça: sempre que um branco faz esse tipo de coisa com um negro, não importante quem ele seja, quanto dinheiro tenha ou quão distinta seja a família da qual ele vem, esse homem branco não vale nada", p. 275

Acho que esse quote dispensa qualquer comentário meu. 

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Se você ainda não sabe: racismo é crime (com pena de até quatro anos de prisão)

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Links legais:

> Precisamos falar sobre racismo na propaganda. Mas por quê? (AdNews)

> Muito além do cidadão Waack: o racismo estrutural na mídia brasileira (Carta Capital)

> ‘I Don’t See Color. I Just See People.’ [tradução: Eu não vejo cor, somente pessoas] (Huffington Post, em inglês)

> When you say you 'don't see race', you’re ignoring racism, not helping to solve it [tradução: Quando você diz que "não vê raça", está ignorando o racismo, não ajudando a resolvê-lo] (The Guardian, em inglês)