Tartarugas até lá embaixo: quando o medo se torna um intruso constante
Eu comprei Tartarugas até lá embaixo, do John Green, na pré-venda não porque é o novo livro do autor, ou porque amei a sinopse. Eu não li a sinopse até cinco minutos antes de começar a lê-lo, na verdade. Comprei Tartarugas porque a obra aborda a saúde mental (e um transtorno muito pouco trabalhado em narrativas). Sei muito pouco sobre TOC, mas sei muito sobre ansiedade, que existe bastante também no livro.
Título original: Turtles all the way down
Autor: John Green
Editora: Intrínseca
Páginas: 266
Ano: 2017
Páginas: 266
Ano: 2017
★★★★★ + ❤❀
Acho que o John Green dispensa quaisquer apresentações sobre sua literatura, que se tornou um fenômeno. A verdade é que os livros dele, ainda que sobre a adolescência, não chegam perto de clichês abomináveis. É claro que as narrativas têm estereótipos, alguns plots óbvios e personagens que tendem à extraordinariedade, mas, ainda assim, é fácil acreditar nas histórias. É fácil perceber, também, que é com muito pouco esforço que essas histórias se relacionam com o leitor.
Eu não sabia muito bem o que ia encontrar em Tartarugas, o que sabia era que eu queria muito conhecer a Aza e seu transtorno. Fica óbvio constatar que o livro é como uma catarse para o autor, algo que ele criou para não somente se colocar como uma pessoa real para mundo, mas para oferecer um apoio àqueles que convivem com transtornos psicológicos.
Aza Holmes convive com o TOC desde criança e é algo que, mesmo com acompanhamento psiquiátrico, não sabe controlar. A personagem, desde o início, se mostra muito para dentro, vivendo em sua própria cabeça e analisando perigos em padrões. O padrão de TOC é extenso, apesar de muita gente acreditar que ele se revela de um único modo. Aza é obcecada por germes, mas não somente os que estão no mundo; ela pensa incansavelmente nos germes, nas bactérias e nas doenças que seu corpo pode estar abrigando.
Os pensamentos intrusivos de Aza são constantes, repetitivos e, para quem não entende a mente de um ansioso, podem parecem muito exagerados. São justamente nas cenas em que a garota descreve suas crises, seus pensamentos e suas reações perante a coisas banais (como um beijo) que Aza deixa de ser uma personagem fictícia e se torna uma personagem do mundo real, alguém que poderia ser, facilmente, eu.
Como alguém que convive com a ansiedade, eu me vi muito na Aza: me vi aflita, triste e sem saída. Na época em que eu não sabia o que estava acontecendo com a minha mente e na qual tinha ataques de pânico repetidos ao sair de casa, eu fui a Aza de inúmeras maneiras, desde o modo de estar rodeada de pessoas e não saber o que elas falavam, até o medo desenfreado de deixar alguém legal entrar na minha vida (e acabar destruindo a vida dessa pessoa também, por causa da minha ansiedade).
"E se a gente não pode escolher o que faz nem o que pensa, então talvez a gente não seja real, entende? Talvez eu seja uma mentira que estou sussurrando para mim mesma e nada mais", p. 102 |
É muito triste, ao longo da narrativa, perceber como o TOC de Aza acaba afetando tudo ao seu redor: a relação com a mãe, o envolvimento com um antigo amigo de infância e a amizade com a melhor amiga. Mas, ao mesmo tempo, o livro oferece muita informação, tanto para pessoas leigas quanto para pessoas que também sentem o aprisionamento da personagem. O fato de haver uma terapeuta, uma personagem que é constante - não somente aquele fantasma que aparece quando convém -, é muito bom. É a partir da relação médica-paciente que, aos poucos, a esperança vem. Mas também são nessas cenas que a realidade vem: apesar de Aza tomar medicamentos, ela é resistente à ideia e, muitas vezes, acaba não cumprindo com o tratamento. Outro ponto positivo em Aza é que ela não esconde pensamentos pesados, ela se acha louca e acredita que não é uma boa pessoa às outras, devido ao transtorno. Ainda assim, Aza não se vitimiza. Apesar de querer compreensão, ela entende que é difícil para os outros (sendo que é muito difícil para si também).
Como eu disse no começo, o livro não foge de alguns clichês. A melhor amiga de Aza, Daisy, é um pouco estereotipada (ao estilo garota-americana), mas a vantagem é que ela tem um papel importante na história. Apesar de o tempo todo soar desinteressada ao TOC de Aza, Daisy também protagoniza cenas essenciais para entender o lado quem vive com pessoas que têm transtornos psicológicos. Para Daisy, é difícil ser melhor amiga de alguém que não presta atenção total à sua vida, que não se interessa por coisas ditas "normais" e que tem muitos limites que não podem ser totalmente controlados [bom lembrar que transtornos psicológicos não são algo que você pode ligar e desligar, eles nunca somem completamente].
Além de Daisy, existe o plot dromântico, que é bastante óbvio - mas o desfecho dele me deixou bem satisfeita. A relação de Aza com Davis, alguém que ela conhece desde criança, é bonita, mas não sugere muita coisa além de questões filosóficas. Davis está passando por um momento difícil e, por algum tempo, Aza é um pilar importante para o garoto - até ela se dar conta que, infelizmente, o TOC é um inimigo que nem ela nem Davis vão conseguir conciliar.
Se você leu a sinopse e ficou interessado(a) no plot policial, ele se faz bem menor durante a leitura. Apesar de ser o fio que liga a protagonista a muitas outras questões, o desdobramento dele em si vai desaparecendo lenta e gradualmente na narrativa. Ainda assim, fiquei pensando que isso pode ser um reflexo da própria mente de Aza: por ter que lidar com os pensamentos intrusivos e os padrões de TOC, ela pouco consegue focar no presente.
Tartarugas até lá embaixo fala sobre uma realidade ainda pouco entendida, mas muito dolorosa. A maestria de John Green vai além do fato de dialogar com os jovens: o autor tenta encontrar e oferecer esperança a partir de uma personagem que é tão real quanto os sentimentos negativos com os quais lidamos todos os dias. A obra, felizmente, não estigmatiza, não tenta dar lição de moral e não pretende ser um apanhado de dicas para ser alguém emocionalmente estável. Tartarugas entende sobre o que está falando e com quem está falando. Trabalhar a saúde mental, muitas vezes, acontece de forma irresponsável, desinformada e despreparada, mas o John Green soube equilibrar os dois lados: aqueles que têm a mente incompreendida e aqueles que não sabem ou não entendem pessoas neuroatípicas. Senti imensa gratidão por ter a oportunidade de ler esta obra, com certeza.
"Eu não conseguia me fazer feliz, mas conseguia fazer as pessoas ao meu redor infelizes", p. 150 |
///
Links legais:
> O que é TOC, o transtorno obsessivo compulsivo? (Revista Galileu)
> Animação: TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo (YouTube)
> What OCD Is Like (for Me) (YouTube - vídeo pessoal do John Green falando sobre seu TOC)
Love, Nina :)
Nossa! Eu não sei nem o que dizer depois de ler essa resenha!
ResponderExcluirComo a maioria das pessoas, eu conheci John Green com A Culpa é das Estrelas, e me apaixonei por esse livro. Em seguida, li vários outros, mas não gostei tanto (confesso que detestei Cidades de Papel, mas curti Quem é Você, Alasca?). De qualquer forma, após ler alguns livros, acabei me afastando dos livros dele e não procurei saber muito desse. Até agora. Ainda bem que li essa resenha, pois tenho esperança de gostar de um livro dele novamente.
Esse é um assunto que é muito pouco bem tratado em livros e saber que tem um e com uma linguagem que costuma ser tão jovem, me alegra demais, ainda mais por ser real como diz.
A dica está mais do que anotada! <3
Nina, como sempre você trazendo mais uma ótima dica de leitura. Eu ainda não sabia praticamente nada sobre o livro, mas adorei conhecer a obra de verdade através da tua resenha. Eu não estava interessada na leitura, mas agora fiquei curiosa, parece ser um livro muito bom.
ResponderExcluirOii! Eu amo a escrita do John Green e a genialidade que ele tem de pegar temas bem interessantes e criar uma história envolvente, emocionante e ao mesmo tempo reflexiva. E com certeza essa história não parece ser diferente. A sua resenha está incrível e muito completa, espero conferir essa obra um dia. Bjss!
ResponderExcluirOiee
ResponderExcluirUau, que resenha maravilhosa! Só de saber que o livro possui temas como TOC e ansiedade, já fico com vontade de ler. Amo a escrita do John, realmente os livros dele se tornaram um fenômeno e acredito que isso se deu a imensa dedicação que ele tem com as obras dele. Esse livro já tá na minha lista e preciso ler ugenteeeeeemente. Adorei o post, arrasou!
Bjos, Bia! 💋
Olaaaaaaaa
ResponderExcluirNão sou fã do John Green, pra falar a verdade não gosto dos livros dele, mas me indicaram esse livro pois tenho uma filha de 12 anos, autista e com toque de repetição, mas não sabia direito do que o livro abordava, apos ler sua resenha, vou sim dar uma chance ao livro e o autor, Bjus
Jis rocha
Blog Cá Entre Nós
Oiii!
ResponderExcluirEu não li essa obra ainda, mas a divulgação para obra está bem pesada! Eu acho muito legal que o autor trate de algo tão pessoal e tão sério, esses livros são motivadores.
Beijinhos,
O green, sempre procura trazer livros com alguma doença ou algo pesado para nós leitores e isso o admiro, gostei muito de saber a sua opinião Nina e definitivamente eu preciso ler esse livro.
ResponderExcluirBeijinhos
"Aza é obcecada por germes, mas não somente os que estão no mundo; ela pensa incansavelmente nos germes, nas bactérias e nas doenças que seu corpo pode estar abrigando." OMG! Há alguns anos eu era exatamente assim!!! E deixei de viver tanta coisa por causa disso :( .
ResponderExcluirMuito boa sua análise do livro e da personagem, o John Green trouxe uma temática muito bacana em Tartarugas até lá embaixo.
Olá,
ResponderExcluirEu sou muito fã do John, estou doida para ler esse livro, ainda mais que tenho acompanhando alguns comentários sobre e até agora não li nenhum negativo. Assim como você, também sei muito pouco sobre TOC e adoro livros que trabalham doenças mentais. Estou bem animada para fazer essa leitura, espero que ainda esse ano.
Beijos,
oculoselivrosblog.blogspot.com.br/
Oi Nina,
ResponderExcluiresse autor dividi opiniões, já li muitos comentários sobre a sua escrita, nem todos gostam de seus livros, por isso até hoje nunca li nada dele. Apesar disso, o tema realmente é pouco explorado e confesso que não entendo muito sobre o assunto que deve ser muito doloroso e frustante para a pessoa que tem TOC. Parabéns pela resenha.
bjs.
Pri.
http://nastuaspaginas.blogspot.com.br/