Depois do azul: o silêncio também mata

dezembro 07, 2017
Depois do azul, de Élaine Turgeon, foi uma indicação da Monalisa, do Literasutra. Eu não conhecia a obra e, por ela falar de depressão e suicídio, foi natural que eu a quisesse ler. 


Título original: Ma vie ne sait pas nager ("Minha vida não pode nadar")
Autora: Élaine Turgeon
Editora: Plataforma 21
Páginas: 136
Ano: 2017
★★★★★

O livro é bastante curto, mas bate bem forte na gente. Uma boa história não precisa estar, necessariamente, em infinitas páginas e a escrita simples, de organização também simples, ganha o leitor justamente por isso. Depois do azul é sobre depressão, suicídio e luto, mas a abordagem desses assuntos não é feita de forma pesada e exagerada - pra falar a verdade, existe muita leveza. Ainda que, sim, existam frases bem difíceis, a simplicidade é o que chama atenção. 

Existem dois pontos diferentes nessa narrativa. A primeira, que é a mais inovadora, é o fato de a depressão não ser abordada de forma isolada. A autora não isolou a personagem suicida, já que a história dela é uma história familiar. Apesar de a informação ser pouco conhecida, a verdade é que a depressão pode ter relação genética. Ou seja, em Depois do azul, o leitor tem a visão sobre a depressão a partir das mulheres da família: a avó, a mãe e uma das filhas. É logo no início que essa informação é exposta ao leitor, com o fato de a mãe das gêmeas já ter depressão muito antes da gravidez. E é muito doloroso, aliás, entender que a avó das meninas nunca desejou ter uma filha justamente por causa da doença: não queria transmitir os "genes podres" à sua criança. Acompanhar esse descoberta sobre a depressão a partir dessa perspectiva é algo muito doloroso, pois há coisas muito verdadeiras, de forma crua, sendo ditas. 

"Ela escreveu. Por muito tempo. Ideias negras e cinzentas que tinham o costume de atravessar seu espírito". 

Lou-Anne e Geneviève são irmãs-gêmeas, só que no dia do aniversário delas, Geneviève se suicida. As cenas são picotadas, pois na narrativa temos mais de uma perspectiva: há a narração de Lou-Anne em primeira pessoa, a de Geneviève em forma de diários e a de um narrador-observador em terceira pessoa. É difícil, a princípio, entender o que está acontecendo na obra, por causa dessas três perspectivas, mas depois que o sentido da cada uma delas é entendido, é oferecido ao leitor mais de uma dor, mais de um luto e mais de um entendimento de mundo. E o nosso coração, pouco a pouco, vai sofrendo (diversas vezes eu estava com lágrimas nos olhos). 

São poucas personagens, mas podemos acompanhar o modo como cada uma delas lida com a morte de Geneviève. A mais sufocada, justamente por também carregar o transtorno da depressão, é a mãe - mas a irmã-gêmea que ficou também se vê afundada em águas obscuras. Além disso, a garota percebe que não existe mais dentro da própria casa. Lou-Anne, então, vai represando sentimentos que, na hora certa, também se tornam páginas de diário. E essas páginas (escritas pelas duas garotas) são elementos gráficos que "quebram" de forma muito lírica a narrativa em prosa, quase como um respiro poético, ainda que triste e doloroso, no meio de tantas cenas sucessivas. 

"Por que não me disse? Eu teria cuidado de você se eu soubesse. Eu teria te impedido. Quem cuida de você agora?".

Algo muito interessante sobre Depois do azul é que o livro foi publicado com o apoio do Centro de Valorização da Vida (CVV), de modo que, ao adquirir a obra, o leitor está contribuindo com a organização. Ao final da história, temos uma nota da edição nacional, e é aí que entra o segundo ponto que foi trabalhado de forma diferente neste livro. A história é muito rápida e, apesar de Geneviève também ter voz, o foco é, justamente, o depois. Por isso, na nota da edição brasileira, está escrito algo muito importante, não somente para a obra, mas para o nosso mundo real:

"Mas, afinal, por que Geneviève parece não ter pedido ajuda? Por que as pessoas em torno dela não notaram a crise? O que ocorre, muitas vezes, é que quem passa por problemas como o de Geneviève sequer sabe que pode ser ajudado, tampouco que esses sentimentos são mais comuns do que se imagina. Além disso, parentes e amigos não oferecem ajuda simplesmente por não  saberem identificar os sinais ou por não conhecerem formas adequadas de abordagem". 

Na obra, em momento algum, Geneviève explica por que sua vida é um tédio. Ela não dá muitos motivos concretos, ou seja, Depois do azul se faz muito real também por isso: não procura um porquê, uma culpa, uma explicação. A verdade é que a depressão, muitas vezes, não se revela e não é tão evidente quanto achamos que ela é, o que significa que prevenir um suicídio também é complicado. Como prevenir algo que você não tem conhecimento sobre? 

O que, de imediato, me chamou atenção - após a temática - foi o título, que não foi escolhido ao acaso. Ele tem muita relação com a trama, além de fazer uma alusão justa ao afogamento e à tristeza. Eu sempre gostei muito da metáfora da água, do mar e do oceano para as coisas tristes e é impossível não sentir a angústia que permeia toda a história, especialmente porque a água é um elemento muito presente nela. 

"Confiar seu sofrimento à água. (...) Por muito tempo, apoiada no parapeito com vista para o rio, ela pediu ajuda à água. Por ela, por sua mãe, por sua filha".

Eu já li algumas histórias sobre suicídio e depressão, mas Depois do azul me tocou de uma forma muito diferente: de uma forma mais essencial e mais próxima de mim. Eu me vi, diversas vezes, nas palavras do livro. A emoção poética, muito bem desenvolvida, é tocante e gentil. O livro dialoga não somente com os jovens, mas com toda uma humanidade que, muitas vezes, se vê presa dentro de si mesma sem saber como traduzir o que sente. Depois do azul é primoroso, incrível e familiar, ainda que doloroso e sufocante. 

"(...) Também devemos falar sobre suicídio, inclusive com os jovens. O silêncio também mata e falar pode salvar vidas". 

Love, Nina :)

14 comentários:

  1. Caramba, Nina. Eu já sei que sempre que venho ver uma postagem no seu blog vai ser para me fazer repensar muita coisa, querer ler um livro emocionante e ficar horas pensando "como eu nunca fui procurar um livro assim?" rsrsrs Muito bom ler suas resenhas, receber essas dicar de livros tão profundos!

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  2. Oi, Nina. Gosto muito de conferir as tuas resenhas, além de escrevê-las muito bem, você sempre traz excelentes dicas. Eu não conhecia o livro, mas tenho certeza que é um daqueles livros que são capazes de salvar vidas. Gostei muito da sua dica.

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  3. Oi Nina td bem, tem livros que simplesmente nos tocam lá no fundo, vou ser sincera, esse não é o tipo de história que eu leria, pois sou muito emotiva, esse sentimento todo acho que não aguentaria ler. Mas assim mesmo vou deixar anotado, pois gostei muito da sua resenha, obrigado pela dica. Bjs

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  4. Oi, Nina, que resenha bem escrita. Fiquei com vontade de começar o livro nesse momento, só pelo que você falou. Também gosto de acompanhar história sobre essas temáticas densas, e creio que certamente ela irá me tocar. Achei o máximo ser publicado com o apoio do cvv que vem atuando em diversas frentes.

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  5. Oi, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia esse livro, mas logo de cara fiquei animada com ele, pois também gosto bastante de histórias sobre depressão e suicídio. E como ultimamente estou lendo bem pouco e devagar, fiquei ainda mais animada ao ver que se trata de uma história curta, mas que mesmo assim foi desenvolvida muito bem. Enfim, gostei muito da dica de leitura, espero ler algum dia!

    Beijos :*

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  6. Olá, já ouvi muitos elogios a respeito desse livro e também achei muito legal ter sido lançado em parceria com o CVV. Fiquei bastante curiosa a respeito da leitura.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

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  7. Também não conhecia o livro, mas parece ter uma carga dramática bem grande. Gostei dessa inovação no assunto. Aqui no trabalho temos um consultório do CVV e sei como é difícil o trabalho deles. Como vivi esse problema bem de perto, com certeza é um livro que quero ler, dica anotada.

    Beijos.
    https://cabinedeleitura0.blogspot.com.br/

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  8. Caramba que livro é esse menina, parece ser uma ótima leitura e também gosto de assuntos com depressão e suicídio, o pessoal deveria ler mais e procurar saber mais sobre esse tipo de livro, com toda certeza pretendo ler.
    Beijinhos

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  9. Não conhecia o livro e também não sabia que depressão pode ser genético. Que bom que não houve um isolamento do personagem, e concordo que uma boa história não necessita de milhares de páginas. Obrigada pela dica de leitura.
    Bjs< Rose

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  10. Oie
    Já vi esse livro em alguns outros blogs, adoro livros curtos mas que falam de um tema tabu, eles são ótimos para fazerem a gente refletir. Já quero muito ler. O bom de ser curto é que dá pra ler rápido. Adorei a resenha.
    Bjos, Bya! ��

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  11. Olá Nina!
    Não conhecia esse livro e adorei o tema retratado. Concordo com você com o fato de não precisarmos de livros imensos para que nos toquem de alguma forma e esse mostra que além de muito profundo nos leva para grandes reflexões.
    Certamente me agradaria a leitura.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  12. Olá, não conhecia a obra e achei muito interessante, vou adicionar à lista de leituras.

    Abraços

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  13. Não conhecia a obra, mas caramba! Parece ser bem forte, né? Apesar de você ter dito que a autora não aborda o tema de uma forma pesada, acho que eu não leria. Gosto de leituras com temas mais leves, e por isso vou passar a dica. Mas achei bem interessante o fato de a compra do livro ajudar numa instituição, bem bacana mesmo!

    Um beijo,Pri :*

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  14. Olá, Nina!
    Cheguei aqui por um quote do livro que você compartilhou pelo facebook e fiquei muito interessada em ler! Faz tempo que eu não leio nada assim, e depois de ler a entrevista da Fernanda Campos, já acho que as coisas que li antes nem eram muito boas... Obrigada pela forma única que você escreve as suas resenhas! <3

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.