O ódio que você semeia: racismo, voz e sociedade
Recebi O ódio que você semeia, de Angie Thomas, de um sorteio da Capitolina + Galera Record.
Eu não sabia muito o que esperar, pois não tinha lido nada sobre o livro e li muito rapidamente o início da sinopse antes de iniciar a leitura. Acho que não saber exatamente o que esperar me proporcionou coisas ótimas, a leitura se fez muito mais real e surpreendente.
Eu não sabia muito o que esperar, pois não tinha lido nada sobre o livro e li muito rapidamente o início da sinopse antes de iniciar a leitura. Acho que não saber exatamente o que esperar me proporcionou coisas ótimas, a leitura se fez muito mais real e surpreendente.
Título original: The hate u give
Autora: Angie Thomas
Editora: Record
Páginas: 376
Ano: 2017
★★★★★ + ❤
O livro é sobre racismo. Ponto. No entanto, apesar de sabermos o que isso significa de um modo bem simples, não estamos acostumados a pensar no que está atrelado a isso. O racismo não é somente sobre escravidão, ou sobre mudar de calçada, ou sobre barrar pessoas em shoppings e supermercados. É sobre, também, silenciar histórias e vozes que existem para além da nossa realidade. Acontece que, infelizmente, acreditamos cada vez mais que a nossa realidade é a única., o que sempre me lembra o discurso da Chimamanda no TED Talk sobre o perigo das histórias únicas.
O ódio que você semeia fala sobre esse perigo: quando você generaliza um povo, uma comunidade, uma raça a partir de um único aspecto. Negros são perigosos. Negros são traficantes. Negros roubam a gente. Negros querem nossas vagas nas universidades. Negros sempre precisam da ajuda dos brancos. Só que essa é uma perspectiva nem um pouco justa sobre realidades que não fazem parte das pessoas que têm essa perspectiva. Além de generalizar a partir de um único aspecto, esse aspecto é negativo, significando que essas vidas são menos importantes do que as outras.
"É maneiro ser negro até ser difícil ser negro", p. 16 |
No livro, a vida que significa menos é de um garoto de 16 anos, que simboliza todos os garotos negros e todas as garotas negras de todos os guetos formados por pessoas negras do mundo. Khalil é assassinado por um policial que "estava com uma sensação ruim", na frente de Starr, a protagonista. Como ela é testemunha, sua vida começa a mudar por causa do crime.
Apesar do parágrafo acima ser basicamente um elevator pitch da trama, ela vai se ramificando e revelando aquelas coisas que não nos atemos realmente quando se fala em racismo: a desigualdade e o estruturalismo sociais (que apenas afastam pessoas negras de oportunidades) e o medo constante. A leitura é difícil; às vezes, revoltante. Angie Thomas não faz mera literatura com essa história: ela é a própria história.
É recorrente ler diálogos tão simples, mas tão distanciados de uma realidade branca: conselhos de um pai sobre o que fazer quando a polícia aparece, ordens de uma mãe que não permite que os filhos saiam pelo bairro, limitações dos próprios personagens em relação aos vários estratos sociais. A Starr, como protagonista, oferece muitos pensamentos e receios surpreendentes e tristes. Ela, por exemplo, diz que precisa ser duas pessoas diferentes, conforme o ambiente em que está. Ela é a Starr negra do gueto, mas também é a Starr negra descolada e contida no subúrbio. Apesar de isso me parecer meio absurdo, eu consegui entender a sua realidade.
"— Isso não é sobre negros e brancos — ele diz. — Baboseira — discorda papai — Se estivéssemos em Riverton Hills e o nome dele fosse Richie, não estaríamos tendo essa conversa", p. 49 |
A trama também reforça coisas como a importância de ter uma voz, de fazer parte da resistência e de lutar pelo que se acredita. Starr, assim como a comunidade em que está inserida, quer fazer justiça, porém percebe que, mesmo estando do lado certo, existem consequências: mais medo, mais ameaças, menos liberdade.
Eu senti muitas coisas no decorrer da leitura, especialmente raiva e impotência. As situações escritas são reais, mostram protestos, tiroteios, bombas de gás sendo atiradas em jovens inocentes, mentiras que tentam caluniar vítimas e discursos de ódio sendo justificados como "piadas" e "brincadeiras".
O ódio que você semeia fala de vidas que foram roubadas e diminuídas pela falta de escolhas, pelas decisões erradas e pelas histórias que foram invizibilizadas. A realidade se faz presente também no desfecho, nas interações entre os personagens, no amor e na crença que move cada um. Eu o li quase como se estivesse acompanhando um telejornal e suas notícias sobre jovens negros assassinados, ou acusados indevidamente por pessoas brancas. Ter feito a leitura desse modo me fez perceber como tudo isso é um reflexo do mundo atual, onde não existe a imparcialidade e onde a culpabilização da vítima não parece ser um problema a ser mudado por parte dos opressores.
Ainda que exista toda essa carga dramática e trágica, também existe comicidade, porque, afinal, esse é um livro YA. Esse elemento, com certeza, fez toda a diferença, pois permite que o leitor encontre equilíbrio na trama e em relação ao que ele próprio está sentindo. Acho que, se o livro fosse tão pesado o tempo inteiro, não seria tão cativante. E, ainda que eu acredite que são os personagens que sustentam uma história, acredito que em O ódio que você semeia fez o contrário com muita, muita maestria. A trama se sustenta por si mesma, pra falar a verdade. Os personagens, claro, estão ali para contar essa história, mas também servem como apoio. Então, a trama e os personagens, nesse livro, meio que se retroalimentam de forma bastante equilibrada e convincente.
A narrativa de Angie é cuidadosamente jovial, trazendo um estilo criativo que sabe dialogar perfeitamente com qualquer pessoa, seja ela negra ou não, jovem ou não. O modo que as personagens foram desenvolvidas, mesmo os menos recorrentes, são de extrema realidade. Elas são mais do que mensageiras de suas histórias, são o estopim de vozes que demandam ser notadas; a facilidade com que seus discursos sociopolíticos acontecem, de maneira a reforçar suas vozes, é cativante e essencial. Apesar desses discursos estarem em todos os momentos, em situações diferentes, é evidente perceber que essa realidade é muito mais difícil e complicada, que ela vem de uma batalha impossível de cessar, a menos que a mudança aconteça. Não se trata, como o senso-comum acredita, de dizer que "todas as vidas importam"; trata-se de lembrar que ninguém é mais importante do que ninguém, que as vidas brancas não importam mais do que as outras.
Outra peculiaridade das personagens é que, como a maioria é negra, vem acompanhada de muita cultura negra: as músicas, os cantores, a moda, as gírias. E isso me fez encantar mais e mais por todos, pois é algo tão diferente e, ao mesmo tempo, tão divertido e incrível para entender quem são essas personagens e essa comunidade da qual fazem parte. Esse "choque" cultural, acredito, é uma das coisas mais legais que o livro proporciona, porque faz com que o leitor apenas queira ler mais e mais sobre tudo isso, sem estranhamento ou juízo de valores.
"Qual é o sentido de ter voz se você vai ficar em silêncio nos momentos que não deveria?", p. 214 |
A narrativa de Angie é cuidadosamente jovial, trazendo um estilo criativo que sabe dialogar perfeitamente com qualquer pessoa, seja ela negra ou não, jovem ou não. O modo que as personagens foram desenvolvidas, mesmo os menos recorrentes, são de extrema realidade. Elas são mais do que mensageiras de suas histórias, são o estopim de vozes que demandam ser notadas; a facilidade com que seus discursos sociopolíticos acontecem, de maneira a reforçar suas vozes, é cativante e essencial. Apesar desses discursos estarem em todos os momentos, em situações diferentes, é evidente perceber que essa realidade é muito mais difícil e complicada, que ela vem de uma batalha impossível de cessar, a menos que a mudança aconteça. Não se trata, como o senso-comum acredita, de dizer que "todas as vidas importam"; trata-se de lembrar que ninguém é mais importante do que ninguém, que as vidas brancas não importam mais do que as outras.
Outra peculiaridade das personagens é que, como a maioria é negra, vem acompanhada de muita cultura negra: as músicas, os cantores, a moda, as gírias. E isso me fez encantar mais e mais por todos, pois é algo tão diferente e, ao mesmo tempo, tão divertido e incrível para entender quem são essas personagens e essa comunidade da qual fazem parte. Esse "choque" cultural, acredito, é uma das coisas mais legais que o livro proporciona, porque faz com que o leitor apenas queira ler mais e mais sobre tudo isso, sem estranhamento ou juízo de valores.
"Era uma vez um garoto de olhos castanhos e covinhas. Eu o chamava de Khalil. O mundo o chamava de bandido", p. 371 |
Eu não poderia ter lido algo tão incrível e triste ao mesmo tempo. Com certeza, é uma história que fica na gente, que traz lições simples e que nos conscientizam das consequências do racismo de modo muito transparente. O ódio que você semeia é uma leitura que, com certeza, todos precisam fazer na vida.
Love, Nina :)
Olá! Sua resenha ficou tão linda e emocionante!
ResponderExcluirEu quero muito ler esse livro, pois me interesso muito pelo tema e ele parece dar vários tapas na nossa cara, hahaha.
Um beijo,
Luiza.
Esse livro é um dos meus favoritinhos da vida <3 e concordo com você que a peculiaridade das personagens, toda a cultura dela é algo sensacional, que faz do livro ainda mais envolvente. Muito reflexivo e lindo.
ResponderExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirJá li tantas e tantas resenhas desse livro, e todos se apaixonaram pela história igual você. Não vejo a hora de conferir o livro.
Beijinhos,
http://livroseimaginacoes.blogspot.com.br
amo livros com tematicas sociais, acho de uma importancia imensa ainda mais nos dias de hj em que as pessoas espalham odio a todo instante
ResponderExcluirvou comprar esse livr, deve ser otyimo
Comentei em uma resenha do livro agora a pouco. E sempre que encontro uma nova resenha, sinto mais vontade de ler. Era para ter entrado na minha meta de leitura ano passado, mas não deu certo... Esse livro tem tudo para ser maravilhoso e pretendo ler em breve. <3
ResponderExcluirBeijos
Oi Nina,
ResponderExcluirEstou mega empolgada com essa leitura futura.
Depois que ela ganhou o prêmio Goodreads, eu não pude mais adiá-la.
Quero comprar da próxima vez.
Beijos
http://estante-da-ale.blogspot.com.br/
Olá, amei sua ótima resenha, Nina. Eu quero muito ler O ódio que você semeia, ainda mais depois do seu post. Parece mesmo uma trama muito real e necessária para que compreendamos mais sobre o racismo.
ResponderExcluirGosto muito de histórias que abordem temas reais e que podem me fazer refletir e acredito que este livro me proporcionará isso.
ResponderExcluirEle já está na minha lista de desejados e não vejo a hora de lê-lo.
Oiie, tudo bom?? Amo livros que tem histórias reais e que nos fazem refletir, as vezes sair um pouco do fictício e ler livros que abordam assuntos importantes. Ameei ^^
ResponderExcluirSua resenha ficou maravilhosa! Já vi tantas coisas positivas sobre esse livro, que apesar de não ser um tipo de leitura que eu não goste muito, pretendo fazer ainda.
ResponderExcluirUm beijo, Por Amor aos Livros
Oi Nina, conheci este livro hoje e fiquei bem interessada nele, e agora vem você e fala mais um pouco dele e de forma tão positiva. Acho que o livro deveria ser usado nas escolas e até mais divulgado para o público em geral.
ResponderExcluirBjs, Rose.
As resenhas que li sobre esse livro sempre apontam alguma coisa nova na história. Pelas próprias resenhas vi que é uma história impactante.
ResponderExcluirVocê, como sempre, escreve as resenhas com tanto sentimento <3 vou acrescentar mais esse livro na minha meta, até porque, além da história, a capa é linda.
Cupcakeland
Já tinha lido sobre esse livro antes e acho a proposta dele muito interessante. Ele cria um diálogo com os jovens para falar sobre racismo e isso é extremamente importante. Empatia é essencial. Gostaria de poder resenhá-lo no meu blog também. Adorei o post!
ResponderExcluirPortal GATILHO
https://portalgatilho.wordpress.com
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirEu li há pouco tempo uma resenha sobre esse livro e fiquei fascinado, a premissa é interessante, a proposta é muito legal, aborda um tema delicado que é o racismo. Gostei da sua resenha, parabéns. Dica anotada!
Abraço!
tô muito a fim de ler esse livro, Nina. Acho a premissa forte, densa e amo leituras do gênero...
ResponderExcluirbjs...
Meninaa, que resenha incrível! Esse livro parece ser lindo e emocionante, com personagens muito bem escritos, uma história envolvente que aborda temas muito interessantes e reflexivos. Estou ansiosa para conhecer a escrita da autora. Bjss!
ResponderExcluirOlá! Também resenhei esse livro a pouco tempo e assim como você fiquei embasbacada. Rs. Uma leitura tensa, que aborda assuntos que vemos no nosso dia a dia, mas que preferimos ignorar. O fato é que é comum a sociedade associar negros com criminosos e isso tem que acabar. Amei sua resenha, bem entusiasmada. ;D Um beijo e todo sucesso com seu blog. Que você faça boas leituras durante o ano. Até a próxima.
ResponderExcluirOlá, quero muito conferir essa obra, vejo ótimas críticas a respeito e acho o assunto estritamente importante.
ResponderExcluirAbraços
Já havia colocado esse livro na minhas metas de leitura de 2018, pois li uma resenha que destacava pontos muitos interessante. Agora lendo a sua resenha acabo de confirmar que preciso conferir essa história. Gosto do tema abordado. E também preciso alargar minha visão sobre o que eu sei sobre racismo.
ResponderExcluirBeijos