La casa de papel: o que fizeram com as mulheres?

março 07, 2018
De tanto a internet falar sobre o seriado espanhol La casa de papel, eu fui conferir. E, sim, a narrativa funcionou bem para mim. Até, mais ou menos, o quinto episódio. Depois disso, eu me forcei a acompanhar a história simplesmente porque queria chegar ao final da temporada. E, na verdade, cheguei ao décimo episódio e me dei por vencida. Larguei o seriado e até pensei em terminá-lo para escrever esse texto, mas não quis desperdiçar ainda mais o meu tempo. 


La casa de papel pode ser considerada mediana com seu humor, às vezes, doloroso, com as doses de sadismo, com a fotografia muito semelhante às superproduções americanas e com o nível narrativo bem ao estilo novela mexicana. Mas essa não é uma resenha sobre o seriado. O motivo de ser  focado nas mulheres é porque elas foram o maior motivo de eu rolar os olhos para o que estava vendo.

Cada uma das mulheres - e eu vou focar em cinco delas -, apesar de o seriado tentar convencer o espectador de que estão ali por serem personagens fortes, num estilo bem girl power problemático, é apenas um peão dentro da narrativa. Não que, em certo momento, não tenham um papel certeiro, mas fica óbvio que elas não são realmente fundamentais para a trama, uma vez que nem uma delas é a "cabeça" da operação, ou chega perto de ter um poder real nas mãos. 

Sim, existe a inspetora Raquel, que seria a tradução de uma figura de poder às avessas. O espectador pensa: olha, tem uma mulher aí e está no comando. De início, a gente pensa que ela é a antagonista do Professor, mas - assim como outros plots ali dentro - acontece a representação do óbvio: mulheres em cargo de poder não conseguem ou sabem conciliar a profissão com a vida pessoal. E, apesar de a personagem levantar a bandeira da violência doméstica e de relacionamentos abusivos, existe uma quebra dessa linearidade construtiva assim que o estereótipo sexista começa a acontecer. 

Essa fórmula, que deixa clara que mulheres não conseguem "separar" as coisas, também é evidente em Tókio, que, teoricamente, seria a personagem feminina mais "forte" dentre todas. Inclusive, foi ela que me motivou a assistir ao seriado, pois burramente achei que sua presença na trama seria essencial. No entanto, o que vemos nela é uma mistura de desinteresse fingido com ânsia de viver tudo à flor da pele. No fim, ela se torna alguém apagada, uma manic pixie dream girl fingidamente poderosa, à sombra de um romance que vai e vem sem muito futuro. 

Já que a Tókio caiu no meu conceito bem rapidamente, eu tentei encontrar alguma certeza em Nairóbi. O plot dela é clichê - uma mãe que quer resgatar o seu filho -, mas acho que ela foi a única personagem feminina bem construída, talvez porque os roteiristas não passaram tanto tempo investindo em uma história decadente no presente tão grande para ela. Suas aparições não são constantes, são mais pontuais, mas, justamente por não se relacionar tanto nesse jogo de entrelaçamento de sentimentos e dores, seu plot conseguiu ser linear e menos assemelhado a um arquétipo. 

Temos também Mónica, definitivamente a pior personagem feminina. A partir de sua história, temos  seu papel de amante e de, agora, mãe. O fato da maternidade estar tão presente nela poderia ter suscitado o livre-arbítrio, mas ela protagoniza a pior cena do seriado, que é quando um homem a convence de não fazer um aborto. Ela não rebate e, no fim, volta atrás de sua decisão. Porque, afinal, as mulheres sempre ouviram dos homens que é o destino, que vão se arrepender, que estão matando uma vida. Além disso, também temos a situação completamente nonsense de ela se relacionar afetivamente com um dos ladrões. A verdade é que você fica esperando qual é a próxima cena ridícula que verá e que fará com que role os olhos - ou que tente arrancá-los. Você fica pensando: NÃO É POSSÍVEL! Mas sempre é. 

Por último temos uma adolescente estereotipadamente representada, a Alison. Apesar de, a partir dela, o início do seriado abordar o revenge porn, a força da personagem vai decaindo conforme os episódios vão passando. Mesmo quando ela tem atitudes encorajadas por habilidades masculinas ou por uma espécie de irmandade com Nairóbi, os homens vêm e tiram seu poder, que é para dizer: você, uma garotinha tentando me desafiar? Até parece. Olha só quem manda aqui. O que significa que todas as tentativas da personagem são inócuas e frustrantes. 

A única resposta que eu consigo pensar para a pergunta do título do texto é que as fizeram como a sociedade sempre as fez: vendendo-as com poderes inexistentes, submetendo-as a caixinhas condicionadas de o que seria uma mulher e colocando-as como muletas ou prêmios aos homens. 

Uma dica? Não assista ao seriado. 

///

Quote extraído do livro "Profissões para mulheres e outros artigos feministas",
de Virginia Woolf.

Talvez ser mulher não seja sobre ganhar flores e receber elogios por aguentar o que for. Talvez ser mulher seja sobre matar fantasmas que foram produzidos especialmente para nos dizer que nunca chegaremos a lugar algum. Mas a gente tem chegado - os outros gostando e encorajando, ou não.

Love, Nina.

16 comentários:

  1. Olá!

    Não assisti ao seriado e não senti vontade de assistir pelo seu contexto como um todo, mesmo as pessoas elogiando tanto... Não me chamou atenção. Dificilmente eu iria notar o que você notou e lhe incomodou e é uma pena que o conteúdo seja assim e tenha lhe desagradado.

    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Eu sinto muito que você tenha desistido do seriado, assisti as duas temporadas e não concordo com alguns pontos, logo no primeiro episódio da segunda temporada a frase mais marcante é a da Nairóbi que diz"vai começar a porra do matriarcado" a partir disso ela passa a ser uma mulher ainda mais forte e que comanda tudo, acho que esse é o único as aspecto que não concordo contigo, de verdade, no mais, tiro o meu chapéu, não tinha visto Mônica por esse lado e você realmente tem razão, creio que você ficaria ainda mais fula com o final que a inspetora tomou, de qualquer forma, sua reflexão foi bastante valida.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que você não leu a parte da Nairóbi, mana. Em momento algum eu digo que ela é "fraca" ou desimportante, pelo contrário. Aliás, é a única personagem feminina realmente ok.

      Excluir
  3. Olá!
    Uma amiga assistiu e gostou muito mas ainda não me senti atraída pra querer embarcar nessa maratona, principalmente com esse gênero e tantos desastres que o seriado apresenta.
    Beijos!

    Camila de Moraes.

    ResponderExcluir
  4. Sinceramente, se formos analisar as mulheres em vários seriados, não iríamos assistir nenhum. Infelizmente. Concordo contigo em alguns pontos, mas não acho que seja algo que "não assista o seriado". Gostei da trama, alguns personagens são clichês, alguns são inteligentes, enfim...
    beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O "não assista ao seriado" é mais pelo conjunto da obra mesmo, que é bem reciclado e repetitivo.

      Excluir
  5. Nina, ainda bem que via a suta postagem! Assim como você, vi muitos elogios e fiquei curiosa para assistir à série também, mas me dava uma preguicinha nem sei porque, acho que era um sexto sentido me dizendo para não começar kkkk Gostei bastante de ver a sua opinião sincera sobre a série e agora eu perdi totalmente o interesse.

    ResponderExcluir
  6. Olá, tudo bem? Como sempre fujo de hypes, não iria acompanhar a série tão cedo, e depois do que você trouxe como observação, agora mesmo que não vejo. É complicado tratar do tema de forma leviana e ainda por cima revertê-lo em algo ruim. Pensei que veria o oposto, é uma pena :/ Obrigada pela opinião sincera!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  7. Eu já não estava muito segura quanto à série, agora se um dia for assistir vou ficar bem atenta para esses pontos a respeito das mulheres que você colocou.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

    ResponderExcluir
  8. Oii1

    Eu já vi muitos elogios a série, mas não quis assistir por enquanto. Gostei de ver seu ponto de vista, entender sua percepção por cada personagem. É bom ver os lados da história. Gostei do post e da critica, não vou ver por enquanto, mas quando eu tentar assistir vou levar suas consideração em conta.

    Beijinhos,

    ResponderExcluir
  9. Oi Nina, nunca tinha ouvido falar da série, e pelo que li aqui, vou continuar sem conhecê-la. Além de não fazer muito o estilo que costumo acompanhar, as características das personagens da forma como você expôs, me afastou mais ainda.
    Bjs, Rose

    ResponderExcluir
  10. Chocada com a publicação.
    Mas isso pq ainda não assisti. Já perdi as contas de quantas vezes já me recomendaram, mas ainda quero dar uma chance. Mesmo assim adorei a sua sinceridade e isso fará com que eu preste atenção em vários pontos.

    Beijos
    Sai da Minha Lente

    ResponderExcluir
  11. Olá Nina, apesar de concordar com vários pontos da sua analise das personagens femininas eu curti o enredo da serie, mesmo que em alguns momentos esses esteriótipos incomodem no final a série consegue te divertir =)

    ResponderExcluir
  12. Não terminei a série, mas estou gostando muito, principalmente de alguns elementos da relação sobre as mulheres. até onde assisti, não me identifico com sua leitura. Penso, que, se observamos e analisarmos a narrativa (feita por Tókio), fica claro que as mulheres são o contraponto de equilíbrio, estão sempre colocando em "xeque" a organização masculina.

    ResponderExcluir
  13. Catei a internet em busca de alguém que estivesse falando isso! As mulheres podem ser fortes no sentido comumente associado ao masculino (brutas, bravas, corajosas com sangue frio) mas são fracas (secundárias, estereotipadas, manipuláveis)... isso sem contar as personagens que LARGAM a vida anterior (e profissões) para embarcarem no bando junto com seus amores... me incomomou muito a construção das personagens.

    ResponderExcluir
  14. Muito boa sua análise. Tenho procurado por críticas feministas a serie e tem poucas. Mas é um monte de androciscentrismo, misoginia, homofobia que rola até o final. A personagem que foi torturada por Berlim, nem aparece mais. Os dialogos quase todos terminam com uma moral androcentrica. Tem um discurso de defesa do abandono parental na terceira temporada que eu acho muito grave. Tem uma reafirmação no esteriótipo de bixas sexitas e mimisoginas. E quem defende uma relação com envolvimento e compromisso afetivo é uma mulher, sendo o proprio cara gay que está sendo oprimido concordando com sua opressão. Tem coisas desse tipo totalmente dispensáveis que não agregam nada na trama. E na ficção diz que movimetos feministas aderiram ao uso da máscara em protestos... sim, com a cara de um homem de bigode, mascara usada por torturadores misoginos... representando a revolução num rotesto feminista?? Oii??

    ResponderExcluir

Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

Qualquer preconceito exposto está sujeito à remoção.

Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.