Me chame pelo seu nome: sobre lembrar de tudo
Eu não quis acompanhar a febre de Me chame pelo seu nome, de André Aciman, quando a história estourou, porque, quando houve esse boom, eu já estava saturada, sabe? Já tinha lido opiniões ansiosas, as primeiras resenhas das pré-estreias e tudo o mais.
Com a chegada do livro no Brasil, continuei esperando (especialmente por causa do preço). Aí, consegui uma promoção no Kindle e comprei o e-book já sem expectativas. O que esperar de uma história que eu já conhecia por diversos pontos de vista? Mas eu aceitei o desafio, no início do mês passado.
Título original: Call me by your name
Autor: André Aciman
Editora: Intrínseca
Páginas: 226 (e-book)
Ano: 2018
★★★★
Antes de tudo, preciso dizer que Me chame pelo seu nome não é um romance gay. Repetindo: não é um romance gay. Explico de forma bem simples: os protagonistas não amam exclusivamente homens. Apesar de a história ter sido vendida como um romance gay, surpresa!, ela não é isso, porque homens bissexuais, quando estão com outros homens, SURPRESA!, continuam sendo bissexuais. Tá entendido esse começo? Então, vamos para o resto.
A narrativa é em primeira pessoa, feita por Elio, um adolescente de 16 anos. O livro já começa com ele relembrando a chegada de Oliver, o novo hóspede da casa. Oliver é sete anos mais velho e faz do tipo fechado e frio. A família dele sempre abre a casa nos verões para escritores escreverem ou terminarem seus manuscritos e Elio já está bem acostumado a essa rotina, especialmente porque é um garoto que prefere se isolar nos livros e no conhecimento.
Elio é um narrador ótimo, poético e maduro. Às vezes, eu esquecia que era somente um adolescente, por causa da bagagem de informações que carrega e anseia dividir com Oliver. É a partir de pequenas interações que ambos "testam" se suas convicções estão certas. Na maior parte da leitura, lemos Elio decifrar o que sente, saber se deve mesmo sustentar esse sentimento, voltar atrás em decisões e ter coragem para tomar vários primeiros passos. É muito bonito e meio angustiante ler os diálogos entre os dois, por causa da subjetividade. Enquanto Elio está mirabolando expectativas e certezas, ao mesmo tempo não sabe se pode confiar nas palavras de Oliver. Nem Elio nem Oliver falam às claras sobre o que sentem e escondem o sentimento em assuntos literários, passeios e silêncios.
Seria difícil algum de nós dois acreditar que seríamos burros o suficiente para fingir exatamente aquilo que já tínhamos confessado ser fingimento.
Nessa maior parte, na qual não acontece nada - só esse embate emocional e sexual de Elio -, eu fiquei bem entediada e irritada. Entendiada, porque existe muita descrição detalhada e fluxos de consciência arrastados, que só giravam em torno de Oliver. E irritada, porque não há subtramas ou personagens secundários importantes, então apenas li um garoto obcecado por um homem que não sabe se retribui o sentimento. Mas, mesmo assim, eu entendi o ponto. Isso acontece no primeiro amor - ou no décimo. Acontece quando a gente entende o que quer do amor romântico. E, talvez, tenha sido por isso que Elio demorou tanto tempo para ter a conversa com Oliver. Existe, obviamente, o medo de ser rejeitado, mas o desejo de ter exatamente aquela pessoa sobrepuja qualquer outro sentimento.
Quando a relação deles sai dessa coisa gato-e-rato, parece que acontece um click, uma aceleração. O leitor facilmente se adentra no que acontece depois de todo o medo e a incerteza. A atmosfera desse momento é calorosa, aberta e sincera.
A trama se passa nos anos 80, então, não existem celulares, as pessoas sabiam muito pouco sobre AIDS e o movimento LGBT era silenciado mundialmente (que, na época, nem se intitulava assim, claro). Mas existe um contraponto bonito e positivo: os pais de Elio. Eles estão sempre por perto, mas não têm um peso que influi diretamente no livro, pelo menos até perto do final. Esses pais são bem liberais e abertos, não controlam o filho, apesar de se preocuparem com a solidão dele. Se você assistiu ao filme, sabe que tem um diálogo muito bonito entre Elio e o pai (que está mais longo no livro).
Eu não tinha mudado. O mundo não tinha mudado. Ainda assim, nada seria igual. Tudo o que nos resta é o sonho e a estranha recordação.
Elio é um personagem muito cativante e é interessante vê-lo interagir com Oliver. De certo modo, os dois são cautelosos, o que torna a relação deles, desde o início, algo incerto e distante. Ambos esperam o próximo movimento do outro para saber como reagir, é o que parece. O relacionamento deles é muito bem delineado, contrastando em altos e baixos, de forma bem humana e essencial.
O que acompanhamos não é, exatamente, a descoberta da sexualidade de Elio, porque ele relata em vários momentos que já sentiu esse desejo antes, com outros homens. E, para mim, isso foi um ponto muito positivo, porque não temos uma história que é calcada na mesmice sobre a temática. Elio sabe muito bem para quem sua atração sexual e seu sentimento romântico são direcionados, tanto é que enquanto luta contra e a favor do que sente por Oliver, não luta contra a atração sexual que sente por uma vizinha, a Marzia. Eu gostei muito da bissexualidade do Elio estar presente na história, porque pessoas bissexuais ainda têm pouca representatividade na literatura e, se falarmos de homens bissexuais, é ainda mais raro.
Algo que está muito presente na trama é o viés sexual, coisa que me incomodou bastante, não pelo exagero com que aparece - porque esse elemento é muito bem colocado -, mas porque tramas alossexuais nunca fizeram muito sentido para mim. O leitor entende que Elio sente muita atração sexual, e isso é repetido várias vezes, mas que também existe o lado emocional, do amor romântico, que é diluído, mas que está ali também.
Falamos de tudo, exceto disso. Mas sempre soubemos, e não dizer nada agora confirmava ainda mais isso. Encontramos as estrelas, você e eu. E isso só acontece uma vez na vida.
De forma geral, Me chame pelo seu nome me agradou em termos narrativos: construção de personagens, ritmo de leitura e linguagem. No entanto, a história em si - o romance -, não foi aquela coisa que todo mundo comentou. Não foi uma história inesquecível e incrível para mim, foi na média. Mas, ainda assim, recomendo-a por causa da importância de se falar em sentimentos e liberdade - que, de modo algum, se relacionam com o certo versus o errado. O autor conseguiu muito bem oferecer uma essencialidade sentimental crua e sem filtros.
Prepare-se para marcar muitos e muitos quotes (eu marquei 66 haha).
Love, Nina :)
Ai Nina, nessa parte em que basicamente não acontece nada eu acredito que ficaria ainda mais entediada e irritada que você... Não tenho muita paciência pra esse tipo de enredo, isso das pessoas não falarem às claras sobre o que sentem me deixa maluca. Mesmo que você recomende, ainda que com algumas ressalvas, não fiquei com vontade de ler.
ResponderExcluirOi Nina, sua linda, tudo bem?
ResponderExcluirGostei muito da sua colocação no final, que sentimentos e liberdade não têm nada a ver com certo e errado. E também acho importante falar de um assunto que não é muito explorado na literatura, concordo com você. Eu vi o murmurinho desse livro, por conta do filme, mas a história dele não me atraiu.
beijinhos
cila.
http://cantinhoparaleitura.blogspot.com/
Eu não acompanhei a febre do livro, apenas umas duas postagens de meu ex-professor de Teoria Literária e A.D. da faculdade elogiando, a julgar que Bruninho é crítico especializado, imaginei que iria gostar por nosso gosto similar, entretanto, ainda não li,. Acho que o elogio por parte de determinada crítica, como meu ex-profs é justamente por causa do fluxos de consciência, afinal, foi o que mais estudamos na facul, até tinha grupo para estudo da obra de Clarice Lispector. Mas, enfim, não tenho muito como opinar sobre porque estou totalmente no escuro. Espero ter a oportunidade de apreciar a obra.
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