Relicário: quando amar mulheres é um ato feminista
Eu esperei muito tempo para escrever a resenha de Relicário, porque quis esperar a Fernanda Campos finalizar essa história no Wattpad.
Título: Relicário
Autora: Fernanda Campos
Publicação: Wattpad
Ano: 2017-2018
Capítulos: 40
Status: terminada
★★★★★ + ❤
Relicário é mais uma história diva da autora, que publica, majoritariamente, no Wattpad. Nesta narrativa, acompanhamos uma família rica e muito poderosa que tem no nome toda uma obrigação social: a perfeição, acima de tudo. Dafne é quem conta a turbulenta reviravolta em sua vida, que tem uma posição de prestígio na cidade por causa, também, do fato de ser jogadora de vôlei.
É claro que, se as coisas já são bem ruins para a garota, ficam piores depois que Emily provoca uma crise de ansiedade no melhor amigo de Dafne, o Fernando. Temos aqui o típico clichê de personagens opostos com Dafne e Emily. Dafne: bem de vida, aberta, socialmente aceita. Emily: uma inglesa bem da fechada e fria, meio arrogante e distante de tudo. Isso me irritou bastante no início, esse vai e vem entre preocupação e patadas acaba se tornando corriqueiro e o leitor se vê ora perdido e ora frustrado.
No início, não dá para entender direito quem é Emily e o que ela quer - especialmente o que ela quer de Dafne. Acontece que o trabalho da autora aqui é incrível, porque eu me identifiquei demais com esse desenrolar vagaroso, é o tipo de coisa que eu mesma escreveria. Ainda que essa oscilação de humor e de situações incomode, é algo incentivador, também.
Não se engane: Relicário não veio ao mundo para promover queerbaiting. O relacionamento de Dafne e Emily é essa coisa indistinta, esquisita, meio como duas forças que mais se repelem do que se atraem, mas a bandeira levantada pela história é justamente a da visibilidade lésbica e bissexual. Nem posso dizer o quanto eu sofri sendo muito fangirl e trouxa com essas duas HAHA.
Ao mesmo tempo em que acontece essa afirmação sexual de Dafne - que não dá para chamar de descoberta, porque a personagem já tem a consciência de que não quer beijar garotos antes de se relacionar com Emily -, acontece também a viagem por trás da família "comercial de margarina". Apesar de a sociedade olhar para Dafne como uma privilegiada - o que ela mesma tem total conhecimento -, ninguém sabe realmente como é conviver com a dinâmica familiar dela.
É a partir do pai de Daf que ela - e os leitores - experimenta diversas cenas machistas e abusivas. Ele acredita que é "dono" da vida da filha, por quem nutre certo desprezo por ela - não tanto quanto nutre pelo filho, o Pedro, irmão mais velho da protagonista. Essas cenas me fizeram sentir muita raiva e também impotência frente a uma realidade que, apesar de estar escancarada nesta ficção, é ignorada. O leitor vê Daf tentando se autoafirmar como mulher, como dona da própria vida e, também, como alguém que sabe que é diferente do que a sociedade "planejou" para ela.
Existem cenas realmente muito tristes, nas quais existe frustração, desespero e medo. Ainda que Dafne não tente renegar sua sexualidade, ela também não faz questão de se assumir, o que é algo compreensível. É muito emocionante ler os conflitos da personagem, que tenta equilibrar tudo o que conhece: a família, a paixão pelo vôlei, a amizade com Fernando e o que está sentindo por Emily, sem que isso desgrace ainda mais sua rotina.
A narrativa da autora é simplesmente maravilhosa. A Fernanda traz uma emoção difícil de encontrar, porque é sempre carregada de profundidade, de desconstrução e de reflexões dolorosas. Relicário, então, tem um tom muito lindo, dolorido e pertinente. Ele desnuda a sociedade brasileira, o tal "cidadão do bem", o preconceito, o racismo e tantas outras questões sociais que dificilmente lemos em livros nacionais. E a Fernanda conseguiu falar sobre tudo isso sem soar forçado ou forjado.
Relicário é uma história que adorei ler não somente por causa do viés LGBT, mas porque a narrativa tem realmente tudo para conquistar: personagens tridimensionais, questões além do óbvio, pouquíssimos clichês e bastante diversidade.
Além da orientação sexual, a Fernanda também explora, nesta história, o espectro autista com Fernando, que é Asperger. Ele, com certeza, é o personagem mais amorzinho do Universo. E a autora conseguiu com muita maestria e veracidade escrevê-lo como qualquer outro. Aqui, não se bate na tecla de que ele é anormal e que deve ser tratado de forma especial, pelo contrário: a história deixa óbvio que Fernando é diferente, mas que merece tratamento igualitário.
Relicário é tocante, vai direto em muitas feridas. Foi difícil encontrar algo que deixou a desejar. Ainda que eu tenha torcido demais para a Dafne e a Emily, o desfecho convence sem frustração de que, às vezes, as pessoas entram na nossa vida não para fazer a gente descobrir algo, mas para confirmar - e tudo bem nem sempre acontecer do modo que queremos.
Não posso dizer que é muito bem escrito, porque existem muitos erros de português. Como escritora, isso me incomodou, mas eu entendo que o que está postado na plataforma é apenas uma primeira versão e que precisa de uma boa revisão. Apesar dos erros, não é algo que impede totalmente a leitura.
~
Curiosidades sobre Relicário:
I. foi vencedor do The Wattys 2017, na categoria "Originais"
II. fui eu que criei essa capa muito Emyblue
Para ler mais histórias da Fernanda Campos:
~
BÔNUS: entrevista com a autora
1) Escrever uma história homo/binormativa foi diferente para você em algum sentido? Você teve que pesquisar mais, por exemplo?
Eu sempre pesquiso bastante antes de fazer uma história, independente de que tema vou tratar. Mas eu tive mais cuidado em procurar por experiências pessoais de primeiro amor, sobre a diferença de beijar homem e beijar mulher e, principalmente, sobre a sensação do processo de aceitação.
2) Qual a melhor e a pior parte no processo de ter escrito sobre pessoas não heteronormativas?
Eu tive muito medo de "errar a mão", porque era uma história bem diferente do que já tinha produzido antes, e eu tinha um carinho muito grande pela Dafne desde a primeira vez em que ela apareceu. Então, no começo fiquei bem insegura. Mas, a partir do momento que a Dafne foi tendo segurança, eu fui ficando mais segura também. E foi muito bom fazer algo diferente, com uma narração diferente, também, porque todo o tom do enredo era novo pra mim, não só a temática. Eu aprendi muito, principalmente, com leitora que vinha me procurar pra agradecer a história. Brinco que não foi só a Dafne que conquistou a liberdade, mas eu também.
3) O que mais te motiva a escrever sobre e para jovens?
Foi uma coisa que aconteceu, mais do que foi planejada. Acabou que meu público foi se consolidando assim. Eu gosto muito de falar com adolescente, eu atendo adolescente, eu gosto do jeito com que eles vêem a vida e como se transformam mais rápido que os adultos. Acho que me motiva muito esse "não-saber" adolescente e a busca por descobrir mesmo. É mais fácil conversar com eles, porque não são tão cabeça-duras como os adultos, mas é mais difícil, porque tudo é muito intenso nessa fase, começa e acaba muito rápido.
Love, Nina :)
Olá Nina, gostei bastante do enredo de "Relicário", trata de dois temas importantes e atuais. Não sou muito fã de acompanhar leituras pelo Wattpad por serem fracionadas, mas se a obra já está completa, vale a pena conferir. Obrigada pela dica.
ResponderExcluirBjos
Vivi
http://duaslivreiras.blogspot.com/
Ahhh que obra maravilhosa. AMO ler histórias assim e não conhecia a autora. Só não curto muito a plataforma - sei que estou perdendo histórias maravilhosas por causa disso, mas vou tentar dar uma chance pq gostei da premissa.
ResponderExcluirhttp://saidaminhalente.com/leve-me-com-voce-catherine-ryan-hyde/
Olá!
ResponderExcluirQue livro maravilhoso! Eu adorei conhecer suas impressões sobre esse livro e fiquei muito curiosa para ler, pois gostei da questão de o livro ter essa temática LGBT de afirmação e não descoberta. Também gostei muito dos personagens, pois eles parecem bem elaborados também.
Vou anotar a dica.
Beijos
Nunca li um livro LGBT,então não sei se eu godto.. Rs
ResponderExcluirNa li muitas resenhas de livros LGBT e alguns fiquei curiosa para ler..
Gostei muito da sua resenha,as vezes me irrita personagens indecisos fazendo com que a história não ande.
Beijos!
Nossa, Nina, eu não conhecia o livro nem a autora e já gostei muito de ambos. Fiquei curiosa com a leitura e adorei também poder ver a entrevista no final da resenha. Uma ótima dica e que anotei, espero poder ler em breve.
ResponderExcluirOlá! Poxa super curtir a indicação de livro aqui, eu gosto muito dessa temático lgbt e é tão bacana saber que tem um livro tão bom quanto esse me esperando para lelo haha.. Amei a resenha e gostei de saber que a leitura foi boa pra ti e que a escrita da autora ajudou a trazer profundidade ao enredo! Obrigada pela dica!
ResponderExcluirBeijos,
Conta-se um Livro
Olá, eu estou gostando muito desse mês do #OrgulhoLGBT estou lendo indicações literárias incríveis! Esse livro que você resenhou eu nunca tinha escutado falar dele mas, a sua resenha chamou tanto a minha atenção que sinto a necessidade de lê-lo hoje mesmo, estou indo agora no wattpad conhecê-la. Espero que a autora publique o livro físico em breve.
ResponderExcluirBeijos e Abraços Vivi
Resenhas da Viviane
Olá, acho que ainda não conhecia a autora nem seus livros. Pelo seu post, me parece ser uma história muito bem escrita e que traz esse diferencial de ter uma personagem lésbica que todos julgam ter uma vida de comercial de margarina quando a realidade é bem diferente. Gostei de conferir essas respostas da autora juntamente com a resenha.
ResponderExcluirNão conhecia o livro ou mesmo a autora, mas gostei muito da premissa do livro, ainda mais por saber que mesmo tocando na ferida a autora consegue manter uma narrativa cheia de emoção e reflexões dolorosas, isso tudo com diversidade, sem se tornar clichê. Vou deixar essa dica anotada, quero conhecer mais de Relicário.
ResponderExcluirAbraços.
https://cabinedeleitura0.blogspot.com/
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirEu ainda não conhecia o livro e nem a autora. Adorei suas impressões e os temas importantes abordados pela autora. No entanto, é uma leitura que não pretendo fazer por não ter curtido muito o enredo e essas oscilações de humor da Emily. Acho que eu não teria paciência com isso e com o desenrolar mais lento. Além disso, não consigo ler obras no Wattpad, força demais a vista. Só leio ebooks no kindle mesmo.
De qualquer forma, adorei a resenha e, para quem lê nessa plataforma, parece ser uma boa opção de leitura.
Beijos!
Olá,
ResponderExcluirGostaria de conhecer essa obra, pois apesar de ter lido vários livros LGBT, em sua maioria foram sobre gays e pouquíssimos sobre lésbicas. Achei a premissa interessante, infelizmente não me adaptei ao Wattpad, por isso estou torcendo para que seja publicado por alguma editora.
Beijos,
oculoselivrosblog.blogspot.com.br/
Muito legal a autora levantar a bandeira lésbica e bissexual, ainda bem que o mundo editorial está investindo e torço para a autora conseguir publicar o livro físico, mas estar sendo compartilhado no wattpad já é um avanço.
ResponderExcluirBom, acho que vou me irritar muito com a Emily, mas quero conferir a trama. Dica anotada.
Bjo
Tânia Bueno
Oi Nina, sua linda, tudo bem?
ResponderExcluirGostei muito da autora explorar o racismo, o machismo e comportamentos abusivos, pois são atitudes reais, infelizmente. Precismos denunciar e derrubar essas atitudes. O título do livro também ficou muito legal. Parece ser uma história forte que promete emocionar. Sua resenha ficou ótima!!!
beijinhos.
cila.
http://cantinhoparaleitura.blogspot.com/
Oi Nina
ResponderExcluirQue resenha interessante,gostei da sua opinião sobre tudo e o que me chamou a atenção foi o fato de falar sobre Asperger, minha filha é autista e esse é um assunto pouco falado em livros , mas também já li histórias que fantasiaram muito sobre esse espectro, então me interessa muito.
Vou anotar a dica mas para ler daqui um tempo ( se não estiver mais na plataforma procuro na amazon), li muitos livros intensos , sem intervalos , então estou me dando esse tempo, e lendo livros com beijos, fofo e tudo mais.
Mas a dica esta anotada.
Bjus