Entrevista: Saúde mental & Literatura

Eu tinha planejado um mês cheio para o Setembro Amarelo, mas percebi que não dá pra abraçar o mundo inteiro de uma vez. Aí, diminuí o planejamento do blog. 

Eu quis trazer esse post, porque 1. eu sou jornalista e acredito que a informação é sempre uma arma poderosa contra a ignorância, 2. adoro a literatura da entrevistada e 3. a entrevistada é psicóloga, o que confere credibilidade à entrevista.


Mas quem é a entrevistada? Então, eu não precisei pensar muito na hora de trazer alguém sensacional para falar de saúde mental e literatura, porque acompanho a Fernanda Campos há tempos e acredito que ela é a pessoa certa para falar sobre o assunto. 

A entrevista não é longa, mas tentei, ao máximo, fazer perguntas essenciais que podem auxiliar tanto novos escritores quanto leitores desse tipo de literatura :)

1. Você acredita que falar com mais naturalidade de suicídio e saúde mental acaba provocando uma naturalização e estereotipação dos temas?
Isso depende muito de quem está falando. Acredito que quando a gente naturaliza alguma coisa ela deixa de ser tão tabu e passa a ser mais discutida como deve ser, mas, se feita de maneira errada, pode, sim, tornar a naturalização algo prejudicial. O importante é que quem fala, e quem escuta também, sempre esteja atento para debater, levantar questões, perguntar “mas por quê?”, para que a naturalização não se transforme em algo que já aceitamos previamente e não caiamos nesse tipo de estereótipo que vemos hoje.

2. Como fugir da naturalização e dos estereótipos no caso da literatura?
Pesquisando! É importante que, se você vai escrever sobre um tema – qualquer tema –, estude sobre ele. Claro, você não precisa ser um especialista, mas ir além da primeira página do Google, conversar com quem trabalha com o tema, quem faz parte desse tema em questão, é importante para analisar as diversas facetas que assuntos, quando são sobre humanos, podem (e devem!) ter. Quanto mais informação você tiver, menor a chance de cair no “mais do mesmo” na sua literatura.

3. Como e o que ensinar sobre a responsabilidade aos autores que querem escrever sobre saúde mental?
Eu acredito que estamos vivendo uma época que a bandeira da saúde mental até foi levantada, mas de um jeito que acabou tornando-se banal com o passar do tempo. Parece que virou bonito afirmar que se tem algum transtorno psicológico, mas continua não sendo bonito procurar a ajuda especializada para cada caso. É uma coisa que me incomoda demais, como profissional. E acho que isso acaba se refletindo na literatura sobre o assunto. Quase nunca vemos personagens descritos como neuroatípicos fazer um acompanhamento certo. Há muito desconhecimento do que é um psiquiatra e um psicólogo, de como remédios são, sim, úteis, e de como, também, não são a única resposta para qualquer tratamento. Eu acho que os autores precisam saber disso, precisam saber mais sobre o que é saúde mental antes de escrever, porque do jeito que está estão todos falando de “doença” mental, e isso não é o oposto quando a gente fala do campo de saber da Psiquiatria e Psicologia. São conceitos que a gente precisa compreender antes de escrever, porque quando você fala de “doença” acaba apenas registrando na escrita só os sintomas que cada transtorno tem, estereotipado mesmo, e quando a gente fala de saúde mental, a gente está falando de como cada pessoa, com suas limitações neuroquímicas, psíquicas e emocionais, lidam com os sintomas que os atravessa. É uma outra perspectiva, muito mais rica, que falta na maioria dos livros literários sobre o assunto.

4. Pouco eu leio sobre personagens que têm acompanhamento psicológico e psiquiátrico. De que forma essa falta de representação pode afetar um leitor?
Como eu disse, há pouquíssimas informações sobre o tratamento terapêutico e, quando acontece, ele é feito de maneiras completamente errôneas que só pioram a imagem que a sociedade tem de psiquiatra e psicólogo. Parece que quem escreve nunca entrou em contato com o profissional para saber como funciona o trabalho, principalmente quando se trata de psicólogos, já que há diversas abordagens teóricas e modos de clinicar numa terapia, e tudo fica sempre muito igual. É bem angustiante de ler! E se não tem informação correta sobre o tratamento psicoterápico em livros, não adianta muito a representatividade daquele transtorno ali, porque uma pessoa pode até se ver no personagem, mas o que ela vai fazer depois disso, se a representação de ajuda nos livros vem de forma tão errônea? Fora que há uma fetichização gigante em cima de psicólogos, quase todos os livros que têm um profissional da área, ele acaba sendo desejado pelo paciente e/ou seduzido, o que é um erro muito, muito, muito sério. É importante as pessoas saberem que, enquanto psicólogo, o profissional ocupa um lugar de poder na relação terapêutica e qualquer abuso desse poder, seja emocional ou não, precisa ser denunciado para o Conselho de Psicologia, e não aplaudido como uma conquista. Acaba que livros literários que poderiam desmistificar a profissão acabam transformando tudo ainda pior e criando mais resistência em quem precisa de acompanhamento e não procura.

5. Como escrever especificamente sobre o suicídio? Quais questões os autores devem levar em conta?
É um tema muito delicado que tem que ser escrito com muita sutileza. Existe, tanto pela OMS quanto pela ONU, uma cartilha de como falar sobre o suicídio, que é importante para quem pretende tocar no assunto conhecer. São profissionais e especialistas que, após anos de estudo e pesquisa, traçaram uma linha segura do que deve ou não ser falado. E a gente precisa ouvir do profissional de saúde se quer escrever de saúde. Eu entendo que existe a questão da vivência, e ela é mesmo importante, então temos que conversar com quem já passou por algo parecido, sim, mas não é só de vivência que se estrutura qualquer coisa, portanto é importante ouvir quem trabalha na área. 

Outra coisa que pouco vejo ser levada em conta é que nem todo mundo que tenta suicídio tem um transtorno psicológico. Claro que quando você escreve e sabe que precisa de uma boa estruturação de personagem pra convencer o leitor, colocar um transtorno psicológico torna a justificativa mais fácil. Mas é um mito achar que só quer acabar com a vida quem tem um diagnóstico de depressão, bipolaridade, ou qualquer outro transtorno. Aliás, quanto mais o escritor conhecer os mitos e as verdades sobre o suicídio, melhor vai ficar a escrita dele, com certeza. Por isso, repito: é sempre importante pesquisar muito antes de escrever. Mas muito mesmo! O que não falta é trabalho acadêmico e clínico sobre o assunto, então não tem desculpas para não procurar.

6. O que um autor deve e não deve escrever na hora de falar sobre o suicídio?
Não deve dar o passo a passo da tentativa. Isso tem que ficar muito claro e muita gente faz o contrário, inclusive autores e diretores famosos! É importante que você fale do suicídio sem descrever demais porque, se alguém que estiver lendo estiver numa crise, a descrição pode ajudá-lo não só a decidir, como ao que fazer para ser bem-sucedido.

Deve ser responsável com qualquer questão que aborde! Sempre! Como é um tema complexo, delicado e cheio de nuances, quanto mais sutileza o autor tiver para debater, menos angustiante vai ser a leitura e, aí, menos chances de provocar gatilhos em quem lê. Não é um assunto fácil de colocar no papel e por isso não deve ser feito sem reflexão ou estudo, nunca. A gente precisa começar a pensar que quando escrevemos, escrevemos para alguém que não conhecemos e que pode, sim, ser muito influenciado pelo que contamos. Escritores são formadores de opinião. Mais do que isso, também estão numa relação de poder com seu leitor – é o escritor o dono da trama, por mais que ele diga que é o personagem quem decide. É importante que ele tenha consciência disso para não criar cenas que podem ser gatilhos de crises.

 7. Você tem dicas de livros que falam sobre a saúde mental de forma responsável?
“Por Lugares Incríveis”, da Jennifer Niven é um livro que trata de um assunto bastante sério, sem perder a fluidez. “Dançando sobre Cacos de Vidro”, Kah Honcock, pra quem gosta de um romance mais adulto, é outro. “Conte-me seus Sonhos”, do Sidney Sheldon, e “Anjo da Escuridão”, da Tilly Bagshawe (que continua o trabalho do Sheldon) são excelentes novelas. De literatura nacional, tem "Rotas de Fuga" (Nina Spim) que é realmente muito delicado, e no Wattpad, gratuitamente, ainda indico "Platônico", da Bruna Fontes.

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A Fernanda mantém no Instagram um perfil como psicóloga, no qual posta coisas de self-care mental e informações ótimas.

Quase em toda a literatura dela existe o componente da saúde mental, escrita com sabedoria e responsabilidade. 

Dicas do que ler da autora:

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PRECISA DE AJUDA?
O Centro de Valorização da Vida (CVV) atua em todo o Brasil pelo site e pelos telefones 141 e 188.




Love, Nina :)

14 comentários:

  1. Olá!! :)

    Não conhecia a entrevistada ainda, mas ainda bem que trouxeste novos temas para discutir aqui, relacionando com a literatura!

    Concordo com muitas das respostas dadas!! Os temas devem ser amplamente discutidos, mas não de uma forma que pareça algo "aceitável" ou "positivo".

    Boas leituras!! ;)
    no-conforto-dos-livros.webnode.com

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  2. Olá, tudo bem? Menina, que postagem mais incrível! Amei a ideia de trazer essa entrevista, pois assim várias dúvidas que as pessoas possam vir a ter são sanadas em um post só. Adorei as dicas de livros!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  3. Ótima iniciativa!
    Cada dia mais estamos vendo assuntos envolvendo saúde mental ser discutido, mas da para notar que ainda falta tato. Os jovens de hoje (me senti A velha) parecem ter dificuldade em não romantizar as coisas. Não são todos, mas já tive exemplo dentro de casa de um livro sério (as vantagens de ser invisível) ser romantizado pela minha irmã que na época era bem novinha e achou que tinha depressão.
    É importante se informar e prestar muito atenção ao redor.
    Repito que gostei bastante da iniciativa e das respostas da entrevistada.
    <3

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  4. Oi, Nina!
    Já disse que amo o conteúdo do seu blog, né? você sempre traz posts tão importantes e, como você falou, a informação é a melhor arma para combater a ignorância.
    Eu não conhecia a Fernanda, mas gostei muito da entrevista e das respostas dela, eu vi nesse trecho "(...) a bandeira da saúde mental até foi levantada, mas de um jeito que acabou tornando-se banal com o passar do tempo" muita realidade (claro que vi isso em toda a entrevista, ela fala com muita propriedade sobre o tema que se propôs a falar), tem surgido livros e mais livros sobre isso, mas vejo que muitos desses não abordam a saúde mental como deveriam e podem até fazer mal. Como ela diz, é preciso conhecer antes de escrever sobre. Aí vejo muitos autores problematizando e falando que é mimimi de quem fala assim, fico triste com isso, a nossa literatura já é pouco procurada por leitores e ter autores tratando com tão pouco caso os seus próprios livros é algo muito sério, mais sério ainda quando o assunto é a saúde mental.

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  5. Oi Lindeza, fico feliz em ler essa entrevista, de verdade! Também tentei abraçar o mundo pro projeto de setembro, e de certo modo rolou, consegui parcerias com editoras e estamos trabalhando nisso, penso até em estender o projeto pro ano todo, mas ainda assim é um assunto bastante desgastante, né? Eu estudo especificamente sobre literatura e suicidio na faculdade, meu corpus de análise é O último adeus, e é um livro que super indico. Nao conhecia essa cartilha sobre como falar sobre suicidio, mas já vou dar uma pesquisada, obrigada!

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  6. Achei a postagem fantástica! Super esclarecedora mesmo! As pessoas romantizam tudo que é assunto hoje em dia, é bem grave isso da representação do tratamento de transtornos ser feita de forma tão errônea, e o povo parece realmente achar que é bonito criar um relacionamento amoroso entre psicólogo e paciente...

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  7. Oi!
    Nossa, parabéns pelo post incrível! Acho muito bacana a oportunidade de ter alguém, um profissional da área para falar sobre esse tema tão complicado. A entrevista foi ótima! Tenho em casa o Dançando Sobre Cacos de Vidro e vou adcionar a minha meta de leitura :)

    Com Carinho,
    Ana | Blog Entre Páginas
    www.entrepaginas.com.br

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  8. Oi Nina, sua linda, tudo bem?
    Nossa!!! Que entrevista incrível! Primeiro, todos deveriam abrir um espaço para a a Fernanda falar, o assunto não é só importante, é também grave, as estatísticas estão assombrosamente subindo. Eu lembro da polêmica sobre a série de TV baseado no livro os 13 porquês. Muitos estavam comentando que a forma como o problema foi retratado poderia influenciar os jovens que se encontram em quadro depressivo e justamente servir de gatilho, como a Fernando disse. Eu não sabia sobe essa cartilha e o que ela explicou faz sentido. O autor não pode dar o passo a passo. Sou completamente a favor dos autores e de qualquer pessoa buscar informação, a contatação de que somos responsáveis por uma palavra, é assustadora também, nesse caso. Parabéns pela entrevista e sucesso para a autora.
    beijinhos.]cila.

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  9. Olá, tudo bem Nina?

    Confesso que não conhecia a autora e adorei a entrevista, pois é uma ótima oportunidade para conhecermos autores nacionais e no caso você abriu espaço para a Fernanda demonstrar um pouco quem ela é e o seu trabalho.
    Abraço!

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  10. Olá,
    Muito legal conhecer as pesquisas que a autora faz para se basear suas histórias. Creio que o tema precisa sim ser abordado, mas de forma saudável.

    Debyh
    Eu Insisto

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  11. Olá! Como vai?
    Que entrevista maravilhosa! Eu dificilmente me arriscaria a escrever sobre esse assunto, porque já vivenciei tantas dessas cenas que, acredito, ao imaginar algo para escrever, seria pior. Mas acho muito importante ter esse assunto abordado, mas de forma consciente, como a psicóloga disse. Uma excelente entrevista, muito necessária.

    Abraços

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  12. Olá, tudo bem?
    Eu gostei muito da sua entrevista e acho muito importante falar sobre saúde mental, gostaria de contar um fato que aconteceu:
    Bom, na cidade onde eu moro e nas cidades próximas no inicio do ano aconteceram seis suicídios, próximos uns dos outros, questões de dias de diferença, os governantes em vez de tomar medidas de prevenção como: palestras, disponibilizar psicólogos, psiquiatras e remédios nos psf's ele, proibiu que falassem sobre o assunto, tanto nas escolas quanto na televisão. Na minha opinião, "esconder" o que está acontecendo da população não ajuda em nada mas, o certo é prevenir e ajudar as pessoas que precisam de ajuda.

    Gostei muito das respostas da Fernanda, principalmente quando ela fala o que os autores não devem escrever um passo a passo de como se suicidar nos livros ou nos filmes, como maneira de não incentivar os indecisos.

    Beijos e Abraços Vivi
    Resenhas da Viviane

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  13. 'Isso depende muito de quem está falando. Acredito que quando a gente naturaliza alguma coisa ela deixa de ser tão tabu e passa a ser mais discutida como deve ser, mas, se feita de maneira errada, pode, sim, tornar a naturalização algo prejudicial. ' perfeito, onde eu assino, entrevista necessária e urgente, o que vejo são pessoas tratando o assunto de forma bem preocupante. "Parece que virou bonito afirmar que se tem algum transtorno psicológico, mas continua não sendo bonito procurar a ajuda especializada para cada caso. " ela disse tudo e com profundidade e sinceridade necessária. Já me apaixonei.

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  14. Oii, tudo bem?

    Eu amei a entrevista, o tema precisa ser sim mais discutido. Moro em uma cidade pequena, e o número de suicídios aqui vêm aumentando cada vez mais, mas a grande maioria das pessoas ainda tem uma certa resistência sobre o assunto, infelizmente.

    Concordo com todas as respostas dadas pela Fernanda. O assunto tem que ser abordado, mas de forma consciente. Eu já li Dançando Sobre Cacos De Vidro, realmente é uma excelente leitura.

    Beijinhos!!

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