Entrevista: Escola & Literatura
Hoje (15) é o Dia do Professor e pensei em falar sobre o tema de outra forma: dando voz a uma professora ❤
A entrevistada é a Karla Kélvia, que é professora de turmas de Ensino Fundamental e Médio de Gramática, Literatura e Produção Textual, no Ceará.
1. A escola pode também ser responsável por auxiliar no senso cidadão das pessoas. No caso da literatura, qual o papel dela na formação da cidadania de crianças e adolescentes?
A literatura tem como uma de suas funções justamente isso de nos fazer refletir sobre a nossa realidade, seja em forma de uma história narrada, seja no sentimento de uma lírica poética... acho que quando você lê, descobre o mundo, acessa uma realidade que muitas vezes não é a sua, então os jovens e as crianças podem aprender muito sobre o mundo através disso, ver que não estão sozinhos, que precisam ter empatia, que os problemas que veem no dia a dia têm uma raiz histórica, que eles podem agir, questionar.
2. Muito se fala que no Brasil não se lê. De que forma a escola pode ajudar? O que ainda está faltando?
Na escola é onde muitas vezes as crianças e adolescentes têm contato com os livros pela primeira vez, mas acho que a forma como a leitura se torna obrigatória por causa do currículo escolar desestimula uns 75% deles. Aqui no Brasil temos uma cultura ainda muito arraigada de que ler é chato por zilhões de motivos estruturais, e a escola, no geral, por essa cobrança às vezes industrial, não ajuda. Meu sonho nesse sentido era dar aos meus alunos tempo para saborearem uma obra, entenderem as complexidades e maravilhas de um autor... então, acho que o que eu mais queria para isso acontecer seria resumido em “tempo apropriado para todos poderem ler, entender e discutirem uma obra”.
3. A participação mais presente da sociedade (das crianças e dos pais) na escola pode ser um caminho? Como construir isso em ambientes escolares desfavoráveis?
Nossa, muito complicado, porque isso perpassa muitas questões, principalmente nos ambientes escolares desfavoráveis. Ainda não temos essa perspectiva real de dar autonomia para os alunos, e, no geral, eles são filhos de pessoas que trabalham muito, muitas vezes é a mãe que sustenta a casa, tem várias demandas, enfim. Mas acho que as escolas têm que chamar os pais para dentro da escola, através de eventos como rodas de leitura, por exemplo, ou clubes do livro.
4. Como lidar com imposições de pais relativas às proibições de livros? Como fazer com que entendam que a literatura, assim como toda e qualquer arte, não existe para falar apenas de coisas bonitas e com as quais os pais concordam?
Nossa, isso vem num momento muito oportuno, visto o que houve no Colégio Santo Agostinho, do Rio de Janeiro, em que os pais queriam proibir o livro “Meninos Sem Pátria” porque supostamente, “teria conteúdo considerado esquerdista”. Isso me deixou tão, mas tão indignada! Eu lembro de uma professora da faculdade que disse que na época em que ela estudava Letras na Federal, como era Ditadura Militar, nunca chegou a estudar lá os modernistas “porque eles eram subversivos”. Esse atual contexto político do Brasil atinge em cheio a questão da leitura, do questionamento, de qual o papel da escola, do professor. Devemos continuar lendo, no entanto, indicando livros para os alunos, levantando a criticidade, até onde a democracia permitir; falo isso porque nunca senti esse direito ao reconhecimento da arte e da literatura como coisas essenciais à vida como no atual. É pegar, por exemplo, um texto como “Poema em Linha Reta”, do Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) e mostrar como a sociedade é desigual, como cobra padrões inalcançáveis, como somos diferentes e não somos obrigados a nos adaptar ao que não nos convém. É dar a quem não anda tolerando a arte, mais arte, mostrando que ela não é desconectada da vida.
5. O preconceito pode atrapalhar na formação de leitores? De que forma? Como reverter isso no ambiente escolar?
Pode, como em tudo. Acho que, puxando o que disse no final da outra pergunta, a arte, a literatura, não está desvinculada da vida real. O escritor está num momento, num contexto histórico, então, o professor pode oferecer leituras e aprofundamento teórico para que o aluno entenda, através dos textos, valores humanos. Às vezes, o aluno já chega com um pensamento pré-concebido de mundo, que só lendo um livro ou poema para ter a sensibilidade aguçada, reconhecendo que o mundo é maior e que as pessoas são mais múltiplas do que ele imaginava.
6. Você tem indicações de livros a serem trabalhados em sala de aula (que auxiliam a quebrar tabus e que não são tão frequentes nos currículos escolares)?
Eu não vi muito em listas de livro, na verdade, nunca vi um livro bem rápido de ser lido, mas de profundidade política gigantesca, por exemplo, que é “Revolução dos Bichos”, de George Orwell. Se eu pudesse passar para meus alunos imediatamente, eu passaria. Também acho que “Terras do Sem Fim”, de Jorge Amado, é um livro não tão lembrado dele, mas que tem um desenho perfeito de práticas políticas que, infelizmente, ainda existem; “Incidente em Antares”, do Erico Veríssimo, também nessa tendência, é excelente, e “O Conto da Aia” ( “The Handmaid’s Tail”), da Margareth Atwood, por abordar tanto essa coisa do futuro distópico baseado numa teocracia como pela questão feminista. Creio que o momento pelo qual estamos passando é muito grave não só politicamente, mas a nossa sociedade está com certeza doente, agressiva, insegura. Os livros sempre estarão, no entanto, à nossa espera para nos salvar do caos.
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A Karla também é escritora e dá para conferir as histórias dela AQUI :)
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Que livro você gostaria de ter lido na escola, mas que nunca te falaram que existia?
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A entrevista inaugural do blog foi sobre saúde mental e literatura.
Love, Nina :)
Que entrevista maravilhosa, Nina.
ResponderExcluirAntes de mais nada quero parabenizar não só a Karla, como também todos os professores. É uma profissão que valorizo e faço de tudo para mostrar para os meus sobrinhos a importância dessa área. Infelizmente vivemos um momento delicados em nosso país e ver educadores como a Karla me dá esperanças. Na minha época escolar, tive os melhores momentos em sala de aula e hoje reconheço o quanto cada professor foi importante pra mim.
E dessas recomendações li A revolução dos Bichos (na época que eu estudava) e concordo que é algo que deve ter trabalhado em sala. O Conto de Aia li faz pouco tempo e essa leitura mexeu tanto comigo que ainda não consegui dar uma chance pra série. Mas sim, ela é maravilhosa e a Atwood é incrível.
Amei o bate papo e quero dizer que Ceará é um lugar que mora no meu coração.
Tenho parentes por lá e sinto orgulho ao saber que possui as melhores escolas por lá.
Beijos <3
Clayci
Sai da Minha Lente
Olá, tudo bem? Que incrível tua ideia de entrevistar uma professora! Eu amei conhecer a Karla e gostei bastante das respostas dela. Gostei muito também das dicas de livros que ela deu, tenho bastante vontade de ler "Revolução dos bichos".
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oi Nina,
ResponderExcluirQue entrevista mais emocionante, com perguntas e respostas inteligentíssimas!
Eu acho que na escola podemos formar inúmeros leitores, mas o preconceito que é disseminado por aí atrapalha muito. Achei muito legal as dicas que ela trouxe também.
Vou compartilhar essa entrevista, pois ela precisa ser lida por todos ♥
Beijos
Oi, Nina!
ResponderExcluirNão me canso de dizer que adoro o conteúdo do seu blog, sério, sempre que vejo aqui encontro posts maravilhosos. Que entrevista interessante, ter a opinião de quem lida com as salas de aula diariamente é muito importante. Gostei bastante das perguntas e das respostas também. Meu sonho (e acredito que seja o de muitas outras pessoas também) e mudar essa quadro que temos no Brasil de poucos leitores e de ver os jovens achando a leitura chata.
Felizmente, eu sempre fui incentivada em casa a ler e na escola era a única que frequentava a biblioteca (isso em todas as escolas), na hora do recreio eu passa o tempo todo lendo e alugava os livros para levar para casa. Nenhum outro aluno gostava de ler e ainda zombavam de mim por isso.
Hoje vejo que em algumas escolas os programas de incentivo à leitura estão cada vez mais presentes e isso me alegra demais.
Que entrevista mais necessária! Sou professora em formação e vejo a escola como uma forte aliada para a fomentação da literatura, é importante demais! Adoro a maneira como você trata de temas tão pertinentes, parabéns. <3
ResponderExcluirOiii Nina
ResponderExcluirIdéia fabulosa e uma linda homenagem aos professores, que se dedicam pra caramba pra cuidar e educar nossos pequenos. Eu tenho dois filhos pequenos e tive a benção de encontrar professores maravilhosos todos os anos e sou grata pelo trabalho desses profissionais (saudade da minha infância também, oh tempo bom!).
Adorei a entrevista, e com certeza é na escola que há maiores chances de se formar novos leitores, porém, acredito que hoje nesse mundo tão moderno, globalizado e cheio de novidades, é hora de tb permitir que os alunos leiam livros trativos, que os fascinem e os fçam amar aquela história. Lembro quando era adolescente, era obrigatório o Memórias póstumas de Brás Cubas... Sofri demais hein? Não conegui gostar do livro e me lembro que a maioria se sentia desestimulado com a leitura. Acho que se adaptar um pouco, e dar vez à autores novos e versáteis é um bom caminho (não estou dizendo pra abandonar os clássicos, mas um pouco de equilibrio entre os dois gêneros talvez funcionaria bem).
Beijos
www.derepentenoultimolivro.com
Oi, Nina!
ResponderExcluirQue ideia e homenagem sensacional a que você fez!
Eu acredito que é na escola que formamos os novos leitores, assim como formamos os não-leitores, devido às difíceis leituras que nos é passado, acho que a gente deveria investir na literatura juvenil nas escolas e ai sim, teríamos cada vez mais leitores apaixonados. Os classicos são importantes sim, mas nossa literatura atual é tão boa e importante quanto.
Beijos,
Blog Diversamente
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirParabéns pela entrevista! Achei a ideia do post sensacional e gostei muito das respostas dela. Sempre acreditei que os professores são fundamentais na formação de novos leitores, contribuindo não apenas para que despertar o interesse pela leitura, mas também para ajudar os jovens a desenvolverem pensamento crítico.
Fico muito preocupada quando vejo casos como o que ela citou que aconteceu no Colégio Santo Agostinho, dos pais tentando proibir a adoção de um livro na escola por acharem que ele tinha um conteúdo de esquerda. No entanto, ver professores como ela me faz ter esperança de que ainda teremos uma educação melhor no Brasil, que permita novas gerações de leitores, capazes de pensar criticamente e analisar o mundo de maneira mais ampla.
Com relação ao interesse dos jovens pela leitura, é uma questão que considero complicada. Eu gosto de ler desde pequena, mas sempre fui incentivada pelos meus pais e sei que nem todo mundo tem essa sorte. Acredito que uma boa forma é buscar livros que abordem assuntos que estão presentes na realidade dos alunos para atrair o interesse deles. Acho que depois que o interesse pela leitura é despertado, fica mais fácil para apresentar outros livros que normalmente os jovens têm mais resistência, especialmente os clássicos.
Beijos!
Olá, tudo bem? Ah que legal a ideia da postagem, em dar voz ao professor no dia dele. Não sabia dessa intervenção do tipo de leitura em um colégio aqui no RJ e fiquei chocada, mas nada fora do esperado do que a "elite" acha das literaturas que fazem pensar. É bem complicado, e vejo cada vez mais difícil fazer um trabalho de professor. Gostei MUITO das respostas dela!
ResponderExcluirBeijos,
http://diariasleituras.blogspot.com.br
Olá Nina, não conhecia a autora, mas já fiquei curiosa para ver seus livros pelas respostas que ela deu *-* Sem duvida a escola tem um papel fundamental para a leitura, eu quando estava no fundamenta e ensino médio adora ir na biblioteca da escola e pegar algumas indicações de leituras com a professora que ficava responsável por lá *-*
ResponderExcluirEstou maravilhado com essa entrevista. Como estudante de Letras e futuro professor conhecer um pouco mais sobre a literatura na escola foi extremamente importante e acrescentador para mim. Eu gostaria muito que minha escola tivesse trabalhado alguma obra literária que discutisse sexualidade. Adorei o post, foi muito acrescentador. Beijos do Wes ^^
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