O amor não é óbvio: o poder da narrativa lésbica nacional

Desde o pré-lançamento eu queria ler O amor não é óbvio, um romance sapatão nacional, escrito pela Elayne Baeta. Então, decidi colocá-la na minha meta do Leia Mulheres deste ano, porque eu sei que seria um livro fácil de eu comprar e ler. 


Título: O amor não é óbvio
Autora: Elayne Baeta
Editora: Galera Record
Páginas: 390
Ano: 2019
Lido em: livro físico
★★★★

De forma geral, eu fiquei satisfeita com a narrativa do livro, já adianto. Mas ele teve problemas nas construções de algumas coisas, especialmente cenas e um andamento bem importante para a trama. 

Tudo começa quando Cadu Sena e Camila Dourado acabam terminando um relacionamento de três anos e, de repente, Camila aparece namorando uma garota: a Édra Norr. Nossa protagonista, Íris Pêssego, se convence de que precisa de mais informações sobre Édra, para entender por que Camila deixaria o deus do futebol por uma garota. E, a partir daí, Íris começa a perseguir Édra para onde ela vai. Mesmo com essa premissa bem infantil e imatura (porque, sério, como assim você sai perseguindo uma pessoa e a chama de "experimento"???), eu fui me convencendo da narrativa. 

A Íris é a típica garota invisível que esconde segredos. E Édra é seu antônimo: é independente, masculinizada e livre. Em condições normais, eu teria gostado de ambas, mas achei-as muitíssimo estereotipadas: Édra é uma lésbica dos anos 2000 (aquela visão de que lésbicas são masculinas e é isso que as faz lésbicas), e Íris, uma garota perdida e imatura. Mesmo tratando-se de adolescentes, eu achei a complexidade das personagens muito fraca. Ainda que existam segredos que ambas guardam, não tem nada que realmente diga: personagem desenvolvida com sucesso. Ambas parecem retalhos, especialmente Édra. Apesar de ambas terem jeitos de agir, elas não passam personalidade. São meros arquétipos americanizados. Sabe as personagens de Glee, que você sabe direitinho quem é quem porque tem uma característica óbvia? É exatamente isso que senti com Íris e Édra. 

Em compensação, o romance entre elas é o ponto alto do livro. Não existe pressa, é bem pensado e bem encaminhado. Gostei muito do romance, é uma parte que convence bastante. Ainda assim, algo que me incomodou em Íris durante o processo do romance foi o fato de ela surtar com cada coisa que a Édra fazia (tipo, beber água, sério), colocando-a como uma garota "especialzona" (em especial quanto à masculinidade, como se isso a colocasse acima das outras garotas). Pessoalmente, eu detesto o discurso "você é diferente das outras garotas". Mesmo que você esteja apaixonada por alguém, isso não é justo com absolutamente ninguém. 

Partindo para a parte da autodescoberta, acho que a autora conseguiu passar verdade e otimismo. Dá para entender que, para Íris, foi mesmo difícil se entender enquanto lésbica se, até pouco tempo, era apaixonada por um garoto, mas o livro tem a sacada perfeita: o mundo só a havia ensinado a ser hétero. E, dentre todas as novelas, propagandas, filmes e seriados nos quais vemos a heterossexualidade sendo exaltada (sendo a única narrativa possível), é mesmo bonito ver como Íris consegue se apoderar de uma parte dela e se autoconhecer. 

Como eu mencionei, o livro tem problemas. Pra começar, achei a visão da autora extremamente binarista (como se o mundo só fosse dividido entre homem/mulher). Com certeza a sua visão sobre lesbianidade é completamente desvirtuada e genitalista, afirmando, por exemplo, que Íris é lésbica porque tem medo de pênis. Em momento algum a protagonista foi genitalista com Édra, mas bastou que a questão se focasse em um garoto para ser. A minha opinião é que você não se apaixona pelo que as pessoas têm no meio das pernas. E não deveria repudiar os genitais dos outros só porque não sente atração por eles. Além do mais, tem uma cena totalmente transfóbica, que obviamente foi pensada para ser inclusiva, mas com certeza não foi. A pessoa trans foi inserida só pra fazer cena e não ter desenvolvimento. Dá para perceber que a autora quis tratar sobre diversidade, mas não pesquisou sobre ou mesmo conversou com alguém dos grupos abordados. 

Uma coisa que me incomodou muito, por eu ser assexual, foi todo o discurso de "precisamos perder a virgindade, pois não existem garotas virgens na faculdade". Ainda que, sim, a autora esteja falando sobre jovens, acho que faltou sensibilidade na hora de tratar sobre o assunto. 

Por causa desses problemas, que seriam facilmente consertados se alguém dentro da editora tivesse entendido a gravidade, eu me decepcionei com a Galera Record por ter a coragem de publicar cenas tão desrespeitosas. Achei um trabalho honestamente porco por parte da editora. Sério que não teve ninguém para analisar sensivelmente o material e dar um toque na autora? É a segunda vez que esse trabalho porco aparece na editora, de novo sendo um nacional (o outro tinha sido 13 segundos). De novo senti que não houve um trabalho preparatório editorial. 

De forma geral, o enredo convence, o romance convence, mas os problemas, infelizmente, me incomodaram bastante, especialmente se pensarmos que vivemos numa sociedade diversa e que o acolhimento deveria ser mais recorrente. De certa forma, fiquei decepcionada pelo tratamento das questões citadas, o que não me deixou aproveitar completamente o livro, mas cumpre seu papel em falar sobre garotas que amam outras garotas.

E era céu no chão. Pude sentir o pânico das pessoas e todos os blogs religiosos comentando sobre nós. Éramos asteroides gigantescos passando.

Love, Nina :)

14 comentários:

  1. Assim como você pontuou que a heterossexualidade compulsória existe, essa pressão pra perder a virgindade de sexo também existe entre os jovens; não acho que seja a opinião da autora e sim um retrato de como a sociedade é. Achei a abordagem bem sensível e leve, ela tira o peso que existe nisso de perder virgindade de sexo quando as personagens falam em outros tipos de virgindade – virgindade de pizza, por exemplo – o que mostra que a virgindade de sexo é só mais uma entre tantas outras. Embora para mim tenha ficado nítido que ela não quis passar a mensagem de que as pessoas precisam perder virgindade de sexo antes de entrar na faculdade, pra você pode não ter ficado tão nítido assim, por isso achei legal vir dar a minha opinião.)

    Sobre esteriótipos: acho que no fim você quem acabou esteriotipando as personagens, porque pra mim e muitas outras leitoras, a Íris se apaixonou por Édra, mas poderia ter se apaixonado por qualquer outra garota. A questão não é o modo como ela se veste ou o corte de cabelo, a questão é: garotas como Édra existem e garotas como Íris podem se atrair por garotas como ela (porque Édra é uma garota e Íris é lésbica), assim como Íris pode se atrair por garotas com cabelo comprido, que vestem vestido e performam a feminilidade que você parece defender – nessa parte da feminilidade eu posso acabar soando meio chata ao seu ver ou sei lá qual outro adjetivo negativo, mas acho que você não tá em posição de cobrar coisa alguma depois dessa resenha cheia de ofensas e acusações. Voltando a questão da feminilidade: garotas cis criticam a obrigação de performar feminilidade, porque muitas garotas são oprimidas por não peperformarem e muitas são comparadas com garotos como você faz quando diz que Édra é masculinizada. Isso além de ser problemático porque reforça um esteriótipo de gênero que muitos tentam quebrar, é homofóbico, porque garotas lésbicas não querem parecer garotos só porque vestem terno, camisa, cueca, tem cabelo curto, etc, elas só não querem seguir as normas pelo patriarcado impostas, elas querem vestir o que elas acham legal e confortável e não o que obrigam elas a usar.

    Você também parece querer determinar o que pode e o que não pode em questão de atração sexual, mas acho que se você é assexual, não deveria nem opinar sobre como garotas lésbicas tem que experenciar a sexualidade delas. Não é legal ficar cagando regra pra sexualidade alheia. Eu nenhum momento Elayne escreveu algo pra dar a entender que ela pensa que garotas tem vulva e garotos tem pênis. Não é porque o livro é cisnormativo, que ele é transfóbico, da mesma forma que livros com casais heterocis não são homofóbicos só porque não retratam casais homo.

    É isso, espero que entenda meu ponto de vista. Eu como uma garota lésbica cis, me senti super representada quando Íris achava bonito a Édra bebendo água e outras coisas, é assim que algumas/alguns adolescentes são, sabe? Não tem nada de rivalidade feminina em estar apaixonada por uma garota e achar ela a garota mais bonita do mundo naquele momento de paixão.
    Achei sua resenha muito grosseira, você fala da editora e de Elayne, mas sua sensibilidade você deixou onde hein?

    ResponderExcluir
  2. Eu acompanhei você falando sobre o livro no Twitter e no Instagram e devo confessar que só conheço uma outra pessoa, fora você, que ficou insatisfeita com o livro e e ressaltou os mesmos pontos. Eu acho super válido e concordo em alguns, mas, assim como você quis muito ler o livro eu também quero ler e tirar as minhas conclusões, mas acho que eu já vou mais preparada pra algumas coisas. No fundo, espero gostar muito do livro, real kkk
    Bom, de qualquer forma, eu vou ler o livro e conto minha opinião pra tu no instagram kkk Adoro a sua sinceridade Nina, não é todo mundo que tem o mesmo cuidado em narrar histórias que você tem kkk

    ResponderExcluir
  3. Interessante esses problemas que você apontou sobre o desenvolvimento da história e visão da autora. É um livro que está na minha lista de desejados e tenho muito interesse de ler, por isso assim que der uma oportunidade voltarei para dar minha opinião. Mesmo com as suas ressalvas, acredito que seja uma história que vale a pena ler por conta da representatividade <3

    Sai da Minha Lente

    ResponderExcluir
  4. Oi Nina.

    Eu ainda não tive a chance de ler esse livro e mesmo com os pontos que você mencionou que incomodou um pouco, ainda despertou meu interesse. Acredito que a história é muito interesse vou tentar adquiri -lo o mais rápido possível. Obrigada pela dica.

    Bjos

    ResponderExcluir
  5. Não conhecia a obra. Interessante que as vezes nos decepcionamos com algumas coisas na leitura ou no enredo ou na ideia do autor mesmo que reflete no comportamento dos personagens. Chato quando as vezes as expectativas deixam a desejar.
    Apesar de nunca ter lido livros a esse respeito , eu gostei da sua critica e como você descreve o livro.

    um beijo
    www.chuvanojardim.com.br

    ResponderExcluir
  6. Olá, tudo bem? Esse livro tem uma premissa bem bacana, é uma pena que tenha seus pontos negativos, mas acontece, né? Adorei a resenha sincera!

    Beijos,
    Duas Livreiras

    ResponderExcluir
  7. Oi, acho importante termos livros nacionais que tragram representatividade sendo publicados por editoras maiores como a Galera, pena que houveram esses pontos que lhe incomodaram.

    ResponderExcluir
  8. Oi Nina,
    eu vi todo o burburinho pelo lançamento desse livro e fiquei bem curioso pela leitura dele sabe? E ainda continuo mesmo você tendo apontado tão fortemente os pontos negativos do livro kkkkk, eu tenho problema com qualquer personagem que é colocado na história sem ter um devido desenvolvimento e entendo perfeitamente seu ponto nessa questão, preciso ler o livro para tirar minhas próprias conclusões.

    Beijos!
    Eita Já Li

    ResponderExcluir
  9. Sua resenha me deixou instigada a ler o livro, pois sou dessas que gosta de conferir os pontos que foram destacados como negativos. E o tema me interessa muito.

    ResponderExcluir
  10. Oi tudo bem? Uma pena que os pontos negativos tenham sobressaltado daqueles que poderiam fazer o livro ser maravilhoso. Eu estou com ele aqui, mas ainda não tive oportunidade de ler, e talvez reparar os pontos que você trouxe. Das pessoas que eu já vi que leram, só vi elogios e não cheguei a ver nenhum debate sobre. Pensarei mais acerca dele. Ótima resenha!
    Beijos

    ResponderExcluir
  11. Eu ainda não li o livro, mas não me interessei muito pela leitura dele - não pelo tema abordado porque amo livros LGBTQI+ - mas pela premissa em si. Parece ser uma leitura que fala bastante sobre representatividade e diversidade, mas que peca em alguns momentos por esteriótipos, não conheço a autora e não sei se houve pesquisa, mas pela maneira como você falou a impressão que dá é que não houve uma pesquisa mais aprofundada para falar sobre alguns temas.

    ResponderExcluir
  12. Olá,
    Eu geralmente fujo de livros com adolescentes, raramente leio livro com personagens assim ou em fase de escola/faculdade. Não entendi bem as cenas desrespeitosas, mas como não li o livro não posso opinar muito.

    ResponderExcluir
  13. quando vi a capa fiquei bem curiosa e confesso que mesmo com suas pontuações eu ainda desejo ler, justamente pra saber , entender e observar suas pontuações. acho que quando falamos de sexualidade é tudo muito fluído principalmente porque envolve o sentir alheio, você vê Edra como masculinizada e estereotipada, mas no mundo lésbico essa ''divisão'' existe, nem toda lésbica quer ser sempre feminina ou utilizar modelos do feminino, mas compreendo seu ponto.

    ResponderExcluir
  14. Oi Nina, tudo bem?
    Eu li outra resenha desse livro que foi MUITO diferente da tua, que me deixou bem espantada em razão dos pontos negativos que tu ressaltou até porque a outra resenhista, cujo nome me foge nesse momento, não falou nem a metade, só elogios. Confesso que estava me interessando por esse livro, mas agora desanimei de modo considerável. Será que ainda devo dar uma chance se surgir a oportunidade?
    Um beijo de fogo e gelo da Lady Trotsky...
    http://www.osvampirosportenhos.com.br

    ResponderExcluir

Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

Qualquer preconceito exposto está sujeito à remoção.

Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.