Como à luz do dia

janeiro 18, 2021


"A esperança é uma coisa traiçoeira", ela diz. Mas eu a segui até a última clareira, mata adentro, sem resquícios de céu azul. Ela chorava tentando buscar a si mesma, tentando expulsar a tristeza e a incerteza. Estava perdida, sem saber para onde voltar  seu lar agora em pedaços. 


Ela caminhou em direção aos seus medos até todo o seu potencial se tornar angústia; ficou paralisada, sem conseguir avançar, sem vislumbrar o amor. Eu vi suas feridas ficarem cada vez mais vermelhas, enquanto havia descrença e comiseração em seu peito vazio. Ela desperdiçou momentos ouvindo seus fantasmas, se calou diante da paixão de viver e do fogo que lhe queimava os olhos. Crescer era doloroso — era como morrer a cada passo dado. E o fim acontecia todos os dias, estava logo ali, à espreita. Ela desejou partir tantas vezes que perdeu as contas. 


Ela era corajosa e brilhante, mas suas feridas abertas sagraram tanto que o amor foi embora.


Ela tinha certezas imutáveis, mas, quando a primavera chegou, elas tinham florescido para além da razão e dos padrões. Decidiu olhar o sol mais um pouco, regar as plantas, sorrir porta afora. Ela sabia que o amor era uma chama frágil, que não ficava para sempre, mas deu o próximo passo e adentrou a floresta, consciente dos danos e da solidão. "Como atravessar para o outro lado, se não existe mais lado nenhum?", ela se perguntou. Mesmo com as luzes acesas, as lágrimas viravam estrelas submersas em culpa e remorso. As folhagens eras amigas, apesar de tudo; o sol apareceu todas as manhãs, invadindo seu espaço e lembrando-a que era possível amenizar o coração — que a despedida seria rápida e iminente. Que ela precisava parar de chorar. 


Agora, ela respira serena e completa, mas ainda se lembra da jornada. O silêncio de uma vida cinza, agora, parece distante demais; ela o preencheu com sons coloridos e brilhantes, fez de si mesma sua casa. O eco das memórias antigas ainda lhe dá um solavanco no coração, quase como uma batida perdida, mas ele já não se lembra mais delas. 



Ela encarou as lutas internas noite adentro, desperta e ansiosa, desejando que o sol trouxesse a transformação para si mesma — que ele a engolisse inteira e, assim, a desfizesse em poeira estrelar. Quis navegar por outros oceanos, pisar em outras florestas e saborear uma vida mais limpa, sem lembranças. Mas ela guardou todas. "É que são minhas", ela disse. E todas as partes, para fazerem sentido, precisavam estar unidas. Algumas voaram de si; outras ainda são como amuletos. Ela entendeu que a vida também é sobre escolher que algumas coisas se afastem. 


Ainda assim, as memórias tristes a seguem nos dias nublados. E ela nunca vai se esquecer delas enquanto viver, mas não importa mais — não lhe ferem mais, não lhe provocam nada. Ela trouxe as estrelas para perto. 


Ela sabia que era a última vez — ela sempre soube entender uma despedida. O último olhar, ela ainda guarda consigo com gentileza só pra contar essa história depois; sobre como seu coração vai sentir a falta do amor e da escolha de continuar doendo. O amor foi raso e cruel; ela levou tempo demais para se reconhecer no espelho e para deixar para trás as partes que não lhe cabiam mais. Mas ainda se lembra muito bem — lembra do frio, dos erros e do pavor; ainda se lembra de como foi quebrada como uma promessa e que preferiu correr para longe de todos. 


Ela quase voltou atrás diversas vezes, preferindo ouvir as feridas e os fantasmas. Mas a luz do dia a guiou para além das cercas-vivas. E a floresta terminou. E ela terminou também, para se reencontrar em outro lugar, em outra vida, cinco vezes mais velha agora. Ela não espera que ainda se lembrem dela e jogou fora todas as fotografias das caixas acumuladas. 


O coração, agora, é paz. Como à luz do dia, ele ainda é brilhante e bonito — quase inteiro, quase sem marcas. E ela voltou para casa.. As feridas se tornaram cicatrizes e o céu azul retornou, mas diferente, mais incrível do que nunca. Como uma lembrança de antes, mas melhor; infinitamente melhor. 


O dourado tocou tudo — as memórias, o sorriso e o amor. Fez pó de tudo que havia antes. E ela levou as cinzas para o pátio, enterrando-as. As flores demoraram a vir, e ela acredita que fez o melhor. Todos os dias, a esperança não é mais uma inimiga, e as pétalas amarelas lhe sorriem como que dentro de um sonho — mas é real. 


Ela é real, agora. Sem medos e sem dúvidas. Ela ficou e vai ficar para todo o sempre. 

5 comentários:

  1. Oi Nina!!

    Mulher, eu fiquei até arrepiada lendo seu texto, bateu e bateu com força aqui! Chega a ser dificil descrever o que eu senti! Eu adoro o que você escreve, preciso me atualizar dos textos anteriores sobre o album da Taylor, mas esse ficou perfeito, minha nossa!
    Adorei Nina, impecável como sempre!

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  2. Oi Nina!!

    Nossa que texto lindo! Espero ter interpretado direito, mas, achei interessante a forma como ele me fez pensar sobre transformação e mudança. Muito tocante, adorei!!

    Beijos!
    Eita Já Li

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  3. Oi, Nina! Tudo bem?
    Nossa, sempre que leio seus textos fico emocionada. Você escreve com tanta sensibilidade, que é impossível não ser tocada pelas suas palavras. Me fez pensar em tantas coisas, mas principalmente nos momentos em que foi difícil me despedir até do que não me fazia bem mais. Encerrar ciclos nunca é fácil, dói se despedir e caminhar para o incerto, mas tudo passa e a gente acaba se transformando e se encontrando nessas mudanças.
    Beijos!

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  4. Que texto lindo, impactante e me deixou com uma sensação de que todos sentimos esse misto em muitos momentos da vida.

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  5. Oi, Nina! Que texto lindo, parabéns! Muito reflexivo sobre o que devemos fazer para mudar. Mudança e transformação não são processos simples, tendem a ser muitas vezes bastante dolorosos, mas necessários.
    Bjos
    Lucy - Por essas páginas

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