Um teto todo seu: ainda precisamos do feminismo
Sou muito suspeita para falar da literatura da Virginia Woolf, por motivos de: ela é uma das minhas escritoras preferidas da vida. Ter lido As Ondas, no ano passado, abriu todas as portas possíveis para que eu me identificasse com seus fluxos de consciência, lirismos e fortalezas.
Título original: A room of one's own
Autora: Virginia Woolf
Editora: Tordesilhas
Páginas: 185
Ano: 1929 (original) | 2014 (BR)
★★★★★ + ❤❀
Um teto todo seu, possivelmente, é um dos primeiros textos feministas do Reino Unido, dentro da literatura contemporânea (digo isso, porque meu TCC é sobre feminismo e em alguns livros que já li sobre o tema fazem referência à Virginia e a esse ensaio). Mas a Virginia, nesse livro, não fala somente sobre o feminismo como uma luta diária para as mulheres. Ele foi escrito (e reescrito, de acordo com diários da autora), em 1929, em dois momentos. Apesar de o livro apresentar os dois artigos escritos de forma corrida, onde não há uma real separação entre eles, os dois momentos se dividem em uma leitura feita por ela em duas universidades para mulheres: a Newnham College e a Girton College (que foi a primeira universidade para mulheres do Reino Unido).
Ao ficarmos sabendo que esses artigos são tão dirigidos, tão específicos, já podemos imaginar que seu conteúdo se resume em fazer um apanhado de críticas, reflexões e retrospectivas históricas sobre a situação da mulher dentro do contexto inglês. Mas não é bem isso. Primeiro, porque estamos falando da Virginia Woolf - dificilmente ela era uma pessoa (e escritora) que ia direto ao ponto; gostava bastante de divagar, mas não significa que se afastasse do objetivo dos ensaios. E segundo, porque a intenção não é ser factual.
“O mundo não dizia a ela, como dizia a eles: ‘Escreva se quiser, não faz diferença para mim’. O mundo dizia, gargalhando: ‘Escrever? O que há de bom na sua escrita?’.
p. 78
Um teto todo seu, em uma única palavra, é revolucionário. Não apenas questiona e instiga o leitor a encontrar as falhas sociais que sub-julgam, limitam e confinam a mulher a um espaço ínfimo, mas oferece a ele vários "e se?". Por exemplo: e se Shakespeare tivesse tido uma irmã com a mesma aspiração para a escrita? Seria ela tão bem sucedida tanto ele? É a partir de "divagações" que Virginia surpreende, pois são meras imaginações, mas que nesse contexto se tornam reais.
Há dados históricos, especialmente os que citam as irmãs Bronte e Jane Austen. É a partir delas, por exemplo, que conhecemos como eram as vidas das mulheres. O título, por fim, vem justamente disso. O que seria esse teto? E por que a mulher deveria ter um teto todo seu? Aos poucos, a autora nos revela que para uma mulher, especialmente escritora, não bastava ter alguns maços de papéis, mas se abster de ser mulher. Isso porque ser mulher, numa dada época (e ainda na nossa época?), significava não ter privacidade, ter sempre um dono (pai, irmão, marido) e não ter autonomia criativa. O destino que a mulher desejava quase nunca condizia com a sua realidade, já que precisava satisfazer os desejos patriarcais da sociedade: ser boa filha, ser boa esposa, ser boa mãe. Então, percebemos que, ainda isso tenha se modificado um pouco, a mulher era condicionada a papéis sociais cujas características e habilidades reforçavam sua obediência, feminilidade e maternidade.
“Mas quase sem exceção elas são mostradas dentro de sua relação com os homens. É estranho pensar que todas as grandes mulheres da ficção tenham sido, até o advento de Jane Austen, não só retratadas pelo outro sexo, mas apenas de acordo com sua relação com o outro sexo”.
p. 120
O livro é uma reflexão estilo tapa na cara. Dói, porque, mesmo com todo o lirismo que a Virginia usa, é desvelada uma realidade sub-julgada e invisível. É uma desconstrução tanto social quanto individual. No âmbito individual, ele me acertou me duas maneiras diferentes. Como leitora, foi assustador. Enquanto escritora, foi epifânico, isso porque, além de falar sobre as mulheres, as palavras de Virginia fizeram algo diferente comigo: foram bem além. Elas me atingiram de igual para igual. Me fizeram perguntar: por que eu sou escritora? E mais: o que é se dedicar à escrita sendo mulher dentro de um mundo que, cultural e socialmente, pertence aos homens?
“Somente os estudantes e os professores eram admitidos ali;
o cascalho era o meu lugar”.
o cascalho era o meu lugar”.
p. 15
Apesar de o feminismo ganhar cada vez mais importância e de as mulheres já terem conquistado parte de tudo aquilo que também é delas, o que o livro deixa no ar é algo que, no Leia Mulheres, me veio à mente: que espaço é esse que as mulheres ocupam? Certamente, temos algum espaço, mas onde, exatamente, nós estamos? Estamos dentro das universidades, dentro de grandes empresas, dentro de uma vida independente, mas até que ponto tudo isso realmente representa o que conquistamos? Será que, dentro das universidades, ainda não nos calam nas aulas? Será que, dentro das grandes empresas, ainda não estamos em cargos de subordinadas? Será que, dentro de nossas próprias vidas, não estamos numa posição muito mais passiva do que efetivamente ativa?
Ser mulher, levando em conta que a palavra não consegue abarcar tudo o que o gênero feminino é, ainda é uma construção e uma desconstrução - e o livro deixa isso muito óbvio, logo nas primeiras páginas.
Façamos um exercício rápido: hoje é dia das mães, mas quando você pensa em uma mulher-sendo-mãe que tipo de mãe lhe vem à mente? Que tipo de mulher você acredita que a maternidade representa? Que tipo de maternidade você associa às mulheres à sua volta? Que tipo de mulher você quer ser, dentro e/ou fora de uma maternidade?
Ser mulher não é apenas buscar um teto todo seu, mas se perguntar por que você mereceria esse teto. É se justificar o tempo inteiro. É ter que deixar de ser mulher para que os outros lhe vejam como mulher. São muitas reflexões que Um teto todo seu aflora na gente e, por isso, é tão essencial na literatura. Ele não quer comprovar um discurso, ele quer ir além do discurso.
“Ficção é como uma teia de aranha, presa por muito pouco, mas ainda assim presa à vida pelos quatro cantos. Muitas vezes estar preso é quase imperceptível”.
p. 64
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Não sabe quem foi a Virginia Woolf? Eu escrevi uma crônica sobre ela para o podcast que produzo com três amigas e você pode lê-la AQUI.
Love, Nina :)
Vou começar pelo fim: “Ficção é como uma teia de aranha, presa por muito pouco, mas ainda assim presa à vida pelos quatro cantos. Muitas vezes estar preso é quase imperceptível”. - concordo plenamente com isso. Virginia Wolf é simplesmente uma gênia. Suas histórias são sempre muito bem estruturadas e a arquitetura dramática é muito bem construída. Adorei ler um pouquinho mais sobre o livro. Na verdade, eu havia comprado e ainda não consegui ler. Tenho outros que gostaria antes desse. Foi bom entrar aqui e ver suas impressões.
ResponderExcluirGrande Abraço
Olá!
ResponderExcluirEu não conhecia essa autora e através da sua consideração fiquei extremamente empolgada para conhecer o trabalho dela que me parece ser de extrema qualidade.
Fico contente em saber que além de reflexivo essa obra trouxe um divisor de águas para seus dois eus (leitora e autora).
E o que me chamou bastante atenção foi a forma como vc quis nos mostrar relacionando com a data do dia das mães e como mulheres.
Vou procurar mais da Virginia pra ler em breve.
Beijos!
Camila de Moraes.
OOi!
ResponderExcluirNunca li nada da autora, mas vontade não me falta. Gosto desses livros que são um verdadeiro tapa na cara, que faz dor e refletir bastante. Sem contar que a temática me interessa e muito.
Sua resenha está maravilhosa e, até ela, nos faz refletir. Dica mais que anotada!
P.S.: O layout novo tá um amorzinhooo! Amei!
Ai que delícia ler você falando sobre Virginia Woolf e ela falando sobre feminismo em tempos tão remotos. Meu coração se enche de alegria.
ResponderExcluirRuh Dias
perplexidadesilencio.blogspot.com
Olá,
ResponderExcluirSou completamente leiga quando o assunto é feminismo, porém entendo a importância de conhecer a fundo essa temática. Eu nunca tive muito interesse pela autora Virgínia, mas saber que ela, numa época onde a mulher não tinha liberdade, escreveu esse livro, me fez ficar bastante curiosa sobre o que ela tem a dizer sobre a sociedade naquela época.
Olá tudo bem?
ResponderExcluirEu nunca li nada da autora e sempre vi ótimos comentários sobre ela. Acredito que eu iria gostar de ler qualquer obra menos essa, pois não concordo com alguns ideais (a maioria) do feminismo, então vou deixar a dica passar dessa vez.
beijinhos!
Eu não a conhecia e com a sua resenha me deu uma vontade de ler todas as obras dela até mesmo a sua listinha de compras de supermercado, sério amei. Obrigada pela dica!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirRealmente o feminino ainda está em construção e em desconstrução. Não conhecia o livro - mesmo você sendo suspeita por ter essa autora como predileta - me deixou com vontade de ler. Beijos'
Hey!
ResponderExcluirQue livro poderoso, ein!? Não o conhecia e nunca li uma obra da autora mas sua resenha me transmitiu uma sensação maravilhosa e me deixou super curiosa para ler. Gosto de livros que mulheres escreveram, principalmente quando são livros que falam SOBRE mulheres e sobre as lutas das mesmas.
Excelente resenha.
Beijos.