Visibilidade de Lésbicas e Bissexuais
Descobri que hoje (29) é o Dia da Visibilidade de Lésbicas e Bissexuais por acaso, no começo do mês. Como eu já havia lido Amora, da Natalia Borges Polesso, mas nunca resenhado, percebi que tinha o começo de algo para postar hoje. Assisti Lovesong na semana passada, que encontrei por acaso na Netflix, e, devido a algumas coisas específicas do filme, decidi adicioná-lo a este post.
Amora, Natalia Borges Polesso
Editora: Não Editora
Páginas: 256
Ano: 2015
★★★★★ + ❤
A Natalia ganhou, com este livro de contos, o Prêmio Jabuti do ano passado. Por ser uma "novata" e, especialmente, sua temática se afastar do padrão, Natalia entrou no circuito literário muito rápido.
Sei que há muita resistência com contos, o que me faz refletir: se as pessoas estão com suas rotinas cada vez mais atarefadas, por que não ler histórias curtas? Eu as acho ideal para pequenos trajetos (como no ônibus, que foi onde eu li o livro inteiro, entre idas e vindas) e não acho difícil me conectar com as histórias, nem com as personagens. Foi o caso de Amora: me conquistou do começo ao fim. Ainda que a temática seja a mesma (histórias de mulheres que amam ou sentem atração por outras mulheres), cada conto tem uma ambientação e uma característica particulares, o que significa que dificilmente a leitura vai te entediar.
O que eu li foi muito além de amor, paixão e atração. Na verdade, o que mais notei, do começo ao fim, foi a lesbofobia. Ela não está em todos os contos, mas é algo que se repete. Ao contrário de me fazer rolar os olhos, me fez refletir. Fala-se muito de homofobia e do quanto ela está escancarada. Mas a lesbofobia é algo muito mais invisível. O livro, então, desnuda a constante afirmação que as mulheres lésbicas precisam fazer e a violência implícita com a qual convivem.
É comum que as personagens, todas distintas tanto por faixa etária quanto por situações, ouçam palavras desprezíveis, mentirosas e manipuladoras que tentam, com muita ignorância, "justificar" sua identidade sexual. Essas várias passagens me causaram muita irritação, raiva, impotência e angústia.
Em ordem de leitura, os contos preferidos são O interior selvagem, sobre uma mulher que precisa superar o fim de um relacionamento. A narração é muito mais introspectiva e mais poética, e por isso me conquistou bem mais do que o próprio conflito da personagem; Flor, flores, ferro retorcido, narrado por uma criança do interior, que quer entender que "doença" a vizinha tem que sua mãe não a deixa se aproximar. Esse conto me revoltou bastante, porque fiquei com muita raiva dos adultos por tudo o que falavam para a menina.
Eu expliquei para a minha mãe que, se a vizinha estava mesmo com machorra,
seja lá que doença fosse aquela, alguém precisava ir lá e desejar boas melhoras.
Marília acorda, sobre duas senhoras que vivem juntas há anos. Ainda que a narração seja em terceira pessoa, ela me emocionou muito, porque narra um dia comum na vida das duas personagens e detalha o amor cuidadoso e mútuo que elas dividem.
Ali, ali naquela casa, moram duas velhas. Moram ali faz anos essas duas velhas.
Acho que essas velhas têm alguma coisa, moram juntas faz anos. Ali na casa das velhas estranhas.
Acho que essas velhas têm alguma coisa, moram juntas faz anos. Ali na casa das velhas estranhas.
O auto-intitulado Amora me pegou por ser uma narrativa mais jovem, mais próxima das leituras que faço. A história é mais leve e mais romântica, também.
Ambas sentiam todas aquelas coisas que não teriam nomes, todos aqueles movimentos dentro.
Wasserkur ou alguns motivos para não odiar dias de chuva tem uma construção quase epistolar, de confidência intimista, o que me fez apaixonar muito. Não há uma real narrativa, além de a personagem ficar escrevendo coisas aleatórias para uma remetente de quem ela parece ter saudade.
Então, eu tenho vontade de mergulhar para me curar do amor que ainda não tenho
e não sentir a saudade que nem existe. Por isso, eu desisto de ir embora.
Vou fazer dessas folhas de jornal um barco e, das outras folhas, um abrigo.
Tia Marga fala sobre uma mulher que a família ainda não aceita muito bem e que está reunida com a família por causa de um enterro.
Meu pai achava que não era casamento de verdade, que era uma fase - dos dezoito aos quarenta, baita fase. Minha mãe fingia que não sabia, que não ouvia, que não enxergava nada e sempre, sempre me perguntava quando eu ia casar, tomar rumo na vida (...).
Inventário da despedida: um conto em quatro instâncias é uma declaração de amor muito linda, poética e emocionante. Em tom de carta, o conto conquista pela simplicidade de falar de amor.
(...) Eu te conheço desde que o mundo era o som da distância que nos separava, mas nunca nos impedia encontros. Eu te conheço desde sempre, desde o medo primeiro de conhecer. Eu te conheço antes da vontade.
(...) Eu te conheço de vista embaçada e desde que o mundo era o som dos teus cílios. E eu te conheço desde que o mundo era o desejo de ir embora.
(...) Descrever, porque o amor é um título errado, palavra intrusa que, às três da manhã, ocupa todas as frases.
(...) Alguns lugares existem para que possamos revisitar memórias em templos e para que possamos dizer que há mesmo templos para guardar memórias.
No final do ano passado, eu fui a um lançamento de livro lésbico em que houve um pequeno sarau com autoras da temática. Na ocasião, Natalia estava lá e leu o conto Memória, que está neste livro.
Amora coloca na luz, com todas as letras, que mulheres lésbicas existem. E que elas não precisam da aprovação de ninguém. E que, sim, elas fazem literatura. Elas estão na literatura.
Lovesong
Diretor: So Young Kim
Duração: 1h 24 min
Ano: 2016
★★★★
A trama é muito simples, o início tão pacato e parado, que achei que nem ia conseguir ultrapassar os quinze primeiros minutos. A história é focada, a princípio, em duas personagens: Sarah e sua filha. Elas vivem longe do marido/pai, pois ele trabalha em outra cidade. Isso faz com que a educação total fique com Sarah, que não parece fazer muito da vida, além de ser mãe vinte quatro horas por dia. Essas cenas podem entediar, pois a narrativa é mesmo bastante devagar.
No entanto, o ritmo acelera um pouco quando entra em cena Mindy, uma antiga amiga de Sarah. Mindy está na cidade para visitação e as três saem para alguns passeios. Durante as viagens, a relação das duas mulheres sofre alterações, partindo da cautela e seguindo para uma tensão dúbia, ainda que num estado de reserva.
Esperar uma conexão romântica por parte das personagens é inútil. A relação delas acontece muito mais a panos quentes - porque, pelo que me pareceu, há algum medo por parte de Sarah em ser rejeitada.
O que me chamou atenção no filme - e o porquê de ele estar neste post - é a bifobia. Ficamos sabendo que Mindy se relaciona com homens e mulheres e que, para ela, isso nunca foi um problema. Há uma cena em que Mindy e Sarah acordam juntas na cama (e não dá pra saber se houve realmente relação sexual, porque a storyline sugere muitas coisas que não são confirmadas) e, após isso, a dinâmica entre elas muda mais uma vez.
- Eu sei que isso não foi uma grande coisa, mas...
- Você acha que eu faço isso o tempo todo?
- Não, mas eu sei que você sai, se embebeda e faz essas coisas.
Com isso, Mindy acaba decidindo ir embora. Elas se reencontram anos mais tarde, no casamento de Mindy, e têm de lidar com tudo o que ficou para trás.
O filme não pretende ser romântico, na verdade, ele é muito cru. Ele fala de amor, sim, mas não é nada épico, sôfrego ou dramático demais. Lovesong, poderia dizer, se aproxima de um recorte de um sentimento que vai e vem durante a narrativa, conforme a segurança ou medo das personagens.
Sarah é alguém que não sabe muito bem para onde ir e o que sentir. Dá para perceber que ela está muito cansada da vida que tem, da responsabilidade que sente em ser mãe e do vazio de aguardar um futuro que nunca chega. Já Mindy é desapegada a rotinas e não parece se importar com laços familiares (prova disso está nas cenas posteriores, que registram seu pré-casamento). Diria que elas se complementam, mas falta emoção em ambas para que um relacionamento amoroso dê certo cem por cento.
A sexualidade de Mindy parece uma coisa ínfima durante o filme, mas foi isso que me fez mudar a perspectiva com relação às conexões sentimentais das duas mulheres. O longa serve como crítica e reflexão para pontos que vão além da sexualidade, como a dificuldade em traduzir os sentimentos, o medo do incerto e a responsabilidade que temos ao nos relacionar com alguém, independentemente do gênero.
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Links legais:
> Visibilidade lésbica (Revista Capitolina)
> 10 respostas a 10 perguntas frequentes sobre lésbicas (Revista Capitolina)
> Série visibilizar: bissexualidade (Revista Capitolina)
> Descoberta não, reconhecimento bissexual! (Revista AzMina)
Love, Nina :)
Adorei saber dessa data e conhecer essas obras. Eu conheço um livro de título Amora, mas a temática é bem diferente. Me interessei por esse. Eu gosto de ler contos quando saio de casa e sei que vou ter que esperar algo em algum lugar, sabe? Eu sempre conclui que homofobia era preconceito sobre qualquer relação que não seja heterossexual. É triste ver que ainda existe tanto preconceito.
ResponderExcluirVidas em Preto e Branco
Oi, Lary, Que ótimo que minha postagem a fez conhecer um livro novo! Então, homofobia é um termo destinado à aversão contra pessoas que amam/sentem atração por outras do mesmo gênero. Não dá para dizer que é contra qualquer relação que não a heterossexual, pois há pessoas bissexuais (que amam/sentem atração pelos dois gêneros) e a violência que elas sofrem é chamada bifobia, não homofobia :)
ExcluirOiê!
ResponderExcluirEstou adorando ver o quanto a literatura nacional está evidenciando a questão lgbt, acredito que todos nós devemos ter contato com esses textos para quebrar paradigmas e possíveis preconceitos que as vezes temos e nem sabemos! Não conhecia essa autora, mas vou procurá-la na Amazon.
Quanto ao filme, já tinha ouvido falar dele, mas não me interessei muito, agora, vou colocá-lo na minha longa longa lista de "filmes interessantes para ver e refletir sobre", espero gostar. =)
Bjss
Oi Nina, não conhecia o livro e nem o filme, e tão pouco sabia sobre a data em questão. Tanto o livro quanto o filme parecem boas opções, por isso vou deixar aqui anotados.
ResponderExcluirBjs, Rose
Nina não conhecia o livro e nem o filme linda, a data eu sabia e acabei perdendo,queria fazer uma postagem também, com toda certeza vou assistir ou até mesmo ler, pois me atraiu e muito.
ResponderExcluirBeijinhos
Oi, tudo bem? Menina, não sabia dessa data. /sosad
ResponderExcluirGostei muito da maneira como você passa sua opinião, leve, inteligente, clara; tanto sobre o livro de contos, como a do filme. Não conhecia nenhum dos dois. Concordo com voce, sobre os livros de contos. Fiquei aqui pensando e acho que nunca li nenhum, e realmente são mais rápidos e práticos de ler. Preciso mudar isso.
Beijos e sucesso com seu blog.
Boa noite, gostei do seu post, é importante essa reflexão quanto ao preconceito, seja ele qual for, parabéns pela abordagem do tema.
ResponderExcluirOii, tudo bem?
ResponderExcluirNão conheci nem o livro, nem o filme, mas me chamaram a atenção. Confesso que não sou fã de livros de contos, pq acabo não me aprofundando na leitura, mas vou anotar essas dicas aqui. Beijão.
Olá! Não conhecia os citados por ti, mas é um tema que me chama atenção porque preciso ler mais sobre e tô adorando encontrar isso no teu blog.
ResponderExcluirBeijos!
Oi Nina, tudo bem? Eu gosto de livros de contos, apesar de não ter lido tantos quanto gostaria... Nunca ouvi falar dessas obras de sua postagem, mas não curto a temática, então dessa vez descarto a dica. Beijos
ResponderExcluirwww.viagensdepapel.com
Que post lindo! Eu particularmente não me sinto muito atraída à esses temas, mas é algo que pretendo mudar, pois não me sinto "orgulhosa" disso. Esse tema literário é frágil em nosso mercado, eu não vejo muitos comentários ou resenhas sobre livros desse porte por ai. Mas talvez esses escritores ganhem seu devido espaço com o tempo...
ResponderExcluirAdorei o post de coração! Parabéns pelas palavras lindíssimas.
Um enorme beijo, Karolline Vicente
www.palavrasambulantes.com