Não me abandone jamais: uma vida tarde demais

fevereiro 07, 2018
Quando lançou o filme homônimo ao título do livro, eu o aluguei em DVD. E, desde então, ele se tornou aquele tipo de filme que me dá tristeza ao lembrar, mas que é um dos queridinhos da minha vida, talvez, justamente por causa da tristeza. 

Demorei muito tempo para ler a história original, porque é o que geralmente acontece quando assisto à adaptação fílmica, o interesse acaba murchando. Ainda assim, a leitura me foi uma das mais gratificantes em muito tempo. Ao contrário de A arte de pedir, da Amanda Palmer (que resenharei em breve), que foi uma leitura muito eufórica, Não me abandone jamais foi silenciosa. 


Título original: Never let me go
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das letras
Páginas: 343
Ano: 2005
★★★★★

A leitura pode parecer vagarosa de início, o que causa certa estranheza, se você não é o tipo de leitor que é acostumado a livros com pouca ação. Justamente por causa desse estilo o livro me conquistou bem rápido. Apesar de nos primeiros capítulos haver certa confusão quanto às memórias da protagonista, aos poucos tudo vai fazendo sentido, como um mosaico do qual nos distanciamos e conseguimos olhar o todo. 

Kathy H. é a personagem que nos apresenta a um universo bem diferente do usual, meio que entre a utopia e a distopia. O diferencial do livro é a concepção do imperfeito transpassando o perfeito utópico, já que a sociedade no qual ela está inserida se divide de muitas maneiras, todas coexistindo. Primeiro, Kathy rememora seus anos de escola, num internato em que não há férias para as crianças voltarem aos pais, já que não existem pais. Essas crianças são muito bem cuidadas do ponto de vista médico, mas sabem muito pouco sobre o mundo além das cercas que as limitam. Essas memórias de infância nos oferecem nuances humanas, como o ciúme, a compaixão e a inocência. 

"Se querem uma vida decente, é preciso que saibam quem são e o que os espera no futuro.
Cada um de vocês".

p. 103

O livro passa a maior parte do tempo narrando memórias de infância, mas isso não se torna maçante em momento algum, porque é natural acompanhar o crescimento e as transições de Kathy até a vida adulta.

Além de Kathy, temos Ruth e Tommy. É muito lindo perceber a delicadeza e a realidade com as quais o autor conseguiu retratar as relações dos três personagens, porque são relações - em consonância com o estilo narrativo - lentas, graduais e muito pouco impetuosas. As memórias de Kathy revelam sentimentos diferentes de Ruth, por exemplo, o que oferece uma construção mais introspectiva da personagem. É interessante conhecer Ruth e Tommy a partir dos olhos e das lembranças de Kathy, porque a sensação é de confiança e de verdade. Pela trama ser narrada apenas por ela, é claro que temos somente o seu ponto de vista, ainda assim, a veracidade das situações rememoradas casam bastante com a construção que ela faz de Ruth e Tommy. 

O enredo real - para além das memórias de Kathy - se desnua muito devagar, quase que dando pistas mínimas, para que, no final, tudo seja muito mais objetivo. Isso pode causar certa irritação, mas o "mistério" sobre a sociedade não me incomodou em momento algum. Fica evidente que o livro está muito mais preocupado em oferecer as construções das personagens do que a sociedade para qual foram projetadas, o que é uma abordagem muito inteligente, porque traz a humanidade que pouco lemos em livros cujas sociedades ferem direitos humanos. 

"(...) o sentimento de que estávamos fazendo aquilo tarde demais;
que já tinha existido o momento certo, que nós deixamos passar"

p. 289

O tópico humano principal do livro se faz implícito na maior parte da trama, mas, quando Kathy passa a narrar seu presente, já adulta, a questão ganha uma proporção maior, menos inocente e mais angustiante, embora a personagem não se mostre angustiada por sua realidade. O direito que é ferido, desde sempre, nessa sociedade, com certeza é a vida, não somente em seu sentido mais óbvio, mas em seus sentidos mais particulares. Para essas pessoas, tudo lhes é roubado antes do tempo. Elas não são encorajadas a amar romanticamente, a ter filhos, a trabalhar em empregos comuns, porque vidas nas quais essas coisas se encaixam não são as vidas que lhes foram projetadas. Quando percebem que querem uma vida real, é tarde demais.

Não me abandone jamais é um livro com personagens apaixonantes, muito bem desenvolvidos nos detalhes, e com uma narração silenciosa que nos desafoga da tensão dos plots acelerados e plots twists contínuos. O autor escreve com uma maestria impecável, diluída e emocionante, porque nos coloca em contato com o que temos de melhor e pior. Além disso, sabe usar a introspecção de uma forma triste, mas apaixonante e viciante. 

O livro pode servir, inclusive, de metáfora para muitos pontos de vista, todos eles tristes. A narrativa é inquietante e profundamente delicada, sabendo oferecer perguntas para respostas, às vezes, sem soluções. A vida, a partir dessa história, é limitada e lenta, o que nos oferece tempo para contestar o íntimo, a nossa humanidade e o próprio tempo. Será que é sempre tarde demais? 

"É uma pena, Kath, porque nós nos amamos a vida toda.
Mas, no fim, não deu para ficarmos juntos para sempre".
p. 337

-

Impossível não recomendar o filme, que é também incrivelmente bem delineado e angustiante. 

Talvez nenhum de nós realmente entenda o que passamos
ou sinta que tivemos tempo suficiente.

Love, Nina :)

17 comentários:

  1. Oiii Nina

    Sempre imaginei que seria um livro profundo, que engloba diversos temas, traz diversas reflexões, mas ao mesmo tempo sempre foi uma leitura que me intimida, me parece ser meio denso, especialmente no inicio como vc diz. Não sei, por enquanto acho que ainda não estou na vibe para a leitura, apesar das tuas boas criticas, mas quem sabe futuramente.

    Beijokas

    www.derepentenoultimolivro.com

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  2. Olá, tudo bem? Não conhecia este livro antes, mas depois de ler tua resenha fiquei bem curiosa para ler a obra... Parece ser uma leitura bem profunda. Ótima resenha!

    Beijos,
    https://duaslivreiras.blogspot.com.br/

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  3. Quero ler esse livro por curiosidade e tenho pra mim que ou vou me apaixonar ou odiar., por conta dessa falta de ação e metáforas sobre os pontos da vida, mesmo assim quero ler. Acho que para essa leitura o psicológico conta bastante, mas não sabia do filme, vou dar uma olhada.

    Beijos.
    https://cabinedeleitura0.blogspot.com/

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  4. Ola
    Interessante a proposta do lro, mas acho que cada livro tem um momento certo para ler, um livro intenso e triste como vc citou pra mim não é simplesmente pegar e ler, e sim tenho o momento certo para absorver a leituta. Vou anotar a dica para uma leitura no futuro, pq agora não seria o ideal.
    Gostei do post.
    Bjus

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  5. Oiii amada, creio que para eu possa ler esse livrinho tenho que estar focada e sem nenhum compromisso, parece ser aquele livro que nos motiva a ler e nos encanta em tantos momentos, que nos faz refletir, dica anotada para ler futuramente.
    Bjs

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  6. Oláá! Esse é um livro pelo qual eu sempre tive um interesse, especialmente pelas resenhas que eu já li. Porém ao mesmo tempo é um livro que eu por algum motivo ainda não me sinto preparada para desbravar. Talvez pela densidade da história, talvez pela narrativa que pareça ser lenta, eu ainda não sei, mas algo me impede hahaha. Espero que não dure muito, porque depois da sua resenha eu realmente fiquei com muita vontade de ler!

    Beijos

    Blog Conta-se um Livro

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  7. Quando eu assisto às adaptações também acabo perdendo um pouco o interesse pela leitura, mas quando gosto muito eu até leio. Não conhecia o livro e fiquei curiosa, gostei muito da tua resenha e de poder conhecer um pouco sobre a obra.

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  8. Eu sou apaixonada pela capa desse livro e sempre que passo por ele em uma livraria, namoro um pouco. Li algumas resenhas (algumas não tão positivas como a sua) e quero dar uma chance sim. E espero que consiga ler ainda este ano, pois deu pra sentir que é uma leitura mais intensa. <3

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  9. olá,Nina... nunca li nada do autor, e sinto curiosidade em conhecer sua escrita... mesmo com essa 'lentidão' na narrativa, ainda assim eu gostaria de realizar a leitura... o enredo me deixou curiosa... bjs...

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  10. Olá!
    Eu vi a capa desse livro, que por sinal é linda, em alguns blogs esses dias, mas não li nada sobre ler. Fiquei com bastante interesse ao ler sua opinião. Me parece uma história sensacional.
    Vou conferir a adaptação primeiro.

    Abraço!

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  11. Olá Nina,
    Ainda não li esse livro, mas estou louca de curiosidade, pois uma amiga leu e super indica e um vendedor de uma loja que conheço também indicou. Gostei de saber que você o indicou e que a trama, apesar de remeter à infância não se torna maçante.
    Eu não sabia do filme e fiquei contente por isso. Também gostei muito de saber que temos metáforas presentes na obra. Dica anotadíssima.
    Beijos,
    http://www.umoceanodehistorias.com/

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  12. Olá!
    Não sabia que esse livro tinha uma adaptação cinematográfica. Apesar da leitura ser mais arrastada no início, me parece ser uma trama muito reflexiva e cheia de detalhes, o que me agradaria a leitura.
    Beijos!

    Camila de Moraes.

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  13. Olá, gostei muito de conferir suas considerações sobre o livro. Eu ainda não li nem vi o filme, mas pelo seu post eu achei a história bem interessante, além de eu estar bem curiosa para ler algo do autor.

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  14. Olá, não conhecia o livro, mas pelos seus comentários ele parece estar muito bem trabalhado pelo autor mesclando o presente com lembranças da protagonista *-* Adorei a dica.

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  15. Gostei muito da história e confesso que não conhecia nem o livro nem o filme. Vou procurar. Ótima indicação.

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  16. Olá, adorei a resenha, parabéns!
    O livro despertou minha curiosidade e quero conferir também.

    Abraços e obrigada pela dica!

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  17. Oi Nina, tudo bem?
    Não conhecia, mas estou encantada! Fiquei fascinada pela sua resenha e estou muito curiosa para ler o livro. O filme também não conhecia, mas antes de ver, quero ler primeiro! Obrigada pela dica!

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.