Quem tem medo do feminismo negro?: o feminismo ainda não é universal
Já fazia um tempo que eu queria ler Quem tem medo do feminismo negro?, da Djamila Ribeiro, e adorei saber que seria o livro de novembro do Leia Mulheres daqui de Porto Alegre.
Eu não tenho muita familiaridade com o feminismo negro, justamente porque o feminismo branco ainda é lido como universal. Então, quase tudo o que já li de feminismo teórico aborda somente questões do feminismo branco. Por isso que essa leitura foi fundamental para, inclusive, eu me dar conta de que o feminismo, como um movimento, ainda é excludente.
Eu já tinha visto postagens sobre como o feminismo branco é ele por ele mesmo, sem se empatizar com mulheres negras, mas com esse livro pude entender isso muito melhor e com muito mais base teórica. O fato de eu estar lendo Angela Davis também me foi muito importante para me compreender mais o livro da Djamila.
Título: Quem tem medo do feminismo negro?
Autora: Djamila Ribeiro
Editora: Cia das Letras
Páginas: 148
Ano: 2018
★★★★★ + ❤❀
Quem tem medo do feminismo negro? não fala exclusivamente do feminismo. Eu sou feminista, mas não acredito que o movimento é ele por ele mesmo. Existe uma vertente que entende as mulheres para além do gênero, que é o feminismo interseccional – e é nele que acredito e a partir dele que faço a minha luta. A Djamila aborda a interseccionalidade de forma ótima no livro, explicando o porquê não dá para pensar nas mulheres e excluir outras questões como a classe e a raça – bem como Angela Davis escreveu em Mulheres, raça e classe.
É por isso que o feminismo negro dá um passo além do feminismo branco. É muito difícil falar de feminismo negro sem ter um olhar interseccional. Não dá para falar da mulher negra sem perceber que o machismo que ela sofre é totalmente diferente, justamente por causa da cor de sua pele. Então, o livro fala, também, de racismo.
Quem tem medo do feminismo negro? é uma compilação de textos que a autora escreveu para a Carta Capital entre 2014 e 2017. Os textos são muito fáceis de se entender, porque são pautados em situações do cotidiano, é impossível ficar perdida com eles – e mesmo que você não se lembre de alguma situação, a autora sempre a descreve ou a contextualiza. Exatamente como em Feminismo em comum, da Marcia Tiburi, as palavras da Djamila são muito acessíveis, mesmo que você leia sobre o feminismo ou o racismo com frequência.
Como alguém pode querer legimitidade para falar sobre o que ignora? Negar fatos sociais para impor uma opinião é um problema sério de megalomania. [...] Continuar no achismo apesar da desigualdade latente mostrada é concordar com essa desigualdade. Negar a existência de fatos sociais e ridicularizar lutas histórias por equidade não é dar opinião, é compactuar com a violência. p. 34-35
A Djamila escreve de forma até mesmo didática, "desenhando" até que você entenda o porquê tais situações são racistas ou provêm de um pensamento escravocrata. Ela, inclusive, explica muitas vezes o que é o racismo. O racismo de verdade, não o que a sociedade acha que ele é. Isso me foi muito valioso, porque, até então, eu não tinha me dado conta que o racismo acontece, também, quando você nega ou retira direitos às pessoas negras. Entender isso me fez perceber quão racistas as pessoas são.
Aquela pessoa que diz que "cotas não são justas"? Essa pessoa é racista, porque ela quer que pessoas negras continuem sem acesso à educação superior, que, claro, tem a ver com o mecanismo de continuar a privilegiar e beneficiar somente pessoas brancas. A autora apresenta que isso, inclusive, não diz respeito somente a quem "merece" as vagas da universidade, mas a quem vai produzir conhecimento científico. Se são as pessoas brancas a produzir o conhecimento científico, quem vai contar as histórias das pessoas negras? Ou quando é que pessoas negras vão poder contar suas próprias histórias?
O poder sempre se esforçou para esconder a origem social das desigualdades, como se disparidades fossem naturais, meritocráticas ou providencialmente fixadas. p. 64
A Djamila contextualiza o feminismo branco e também o negro. Ela traz muitas teóricas – que, inclusive, eu nem sabia da existência –, e isso contribui muito para um discurso mais aberto e diverso. Por ser mestre em Filosofia Política, ela se vale de muita teoria, o que é muito bom, mas não faz seus textos parecerem pedantes. Quem tem medo do feminismo negro? consegue equilibrar o cotidiano brasileiro com o americano e trazer conceitos científicos e teóricos para fundamentar e embasar os discursos. Ou seja, o livro não se fecha em um único local da fala e de escuta, mas, com certeza, prima pelo local da dor, o que é muito compreensível.
O machismo e o racismo são uma via de mão dupla, quando vai se entendendo melhor o feminismo negro, e é muito triste perceber como o Brasil, há mais de 355 anos, reproduz o mesmo sistema de opressão de forma natural. Fica óbvio que o racismo brasileiro já é naturalizado, justamente porque as pessoas desconhecem as facetas "invisíveis" desse sistema opressor.
Das senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta dessa herança escravocrata. É necessário conhecer a história deste país para entender por que certas medidas, como ações afirmativas, são justas e necessárias. Elas devem existir justamente porque a sociedade é excludente e injusta com a população negra. [...] Cota não diz respeito a capacidade, porque isso sabemos que temos; cotas diz respeito a oportunidade. [...] segundo pequisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demoraria por volta de cinquenta anos para que a educação de base fosse de qualidade. Quantas gerações mais condenaríamos sem as cotas? [...] Cotas não são pensão da previdência, mas medidas emergenciais temporárias que devem existir até as distâncias diminuírem. p. 72-73
O meu exemplar ficou todo marcado com marca-texto (sou dessas rsrs) e fico imensamente grata pela leitura de Quem tem medo do feminismo negro?, justamente porque eu pude conhecer o outro lado e me colocar no lugar, especialmente, de mulheres negras. Por causa desse livro, comecei a me reeducar sobre o meu próprio feminismo. Será que os meus discursos chegam nas mulheres negras? Será que eu as incluo com a devida atenção que deveria? Será que, às vezes, eu mesma não reproduzo um racismo velado?
Acredito que a importância desse livro é a de justamente nos fazer repensar sobre nós mesmos, sobre como nos colocamos na sociedade e sobre o que temos feito para que os sistemas de opressão sejam quebrados.
As questões levantadas pela Djamila são urgentes, especialmente se percebemos quem está no poder (político e de classe). Não são pessoas que querem um olhar interseccional. São pessoas que querem garantir o que têm e deixar as outras, ainda com poucas oportunidades, com menos oportunidades ainda.
O livro nos faz pensar de que lado estamos. Se o silêncio perpetua a parte opressora, por que continuar calada? E é bom lembrar que você não precisa fazer parte de movimento nenhum para querer uma sociedade mais justa para todos. Você só precisa ter consciência e caráter.
Quem possui privilégios sociais tem interesse em criar mecanismos para mantê-los, seja pela ciência, pela arte ou pela educação. [...] Falar de questões que foram historicamente tidas como inferiores, falar de mulher, população negra e LGBT, é romper com a ilusão de universalidade que exclui. Não nos enganemos quando eles dizem que falam de temas universais e nós não. Estão somente falando de si próprios. p. 77-78
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Confira AQUI as postagens anteriores da programação #racismonão
Love, Nina :)
Olá!! :)
ResponderExcluirEu confesso que nunca tinha ouvido falar deste livro, mas ainda bem que trouxeste a tua opiniao! E que aprendeste com a leitura!
De facto, ate com a simples leitura da tua resenha ja aprendi muito sobre o tema. Realmente, nao pensei que o feministe em si acabasse por excluir!
Boas leituras!! ;)
no-conforto-dos-livros.webnode.com
Olá!
ResponderExcluirEu estou louca para ler este livro que tem realmente um nome sugestivo, afinal, quem tem medo do feminismo? Quem são estas pessoas que ao se calar demais, ficam do lado do opressor e não entendem como isso é prejudicial e ficar calado já é um posicionamento. Muito bacana toda estas questões que o livro traz. Já ta na listinha pra ler em breve!
Tive o prazer de assistir a uma palestra da Djalma. Alem de inteligente, ela e calma e articulada para falar, por isso acredito que isso acabe passando para o livro, o que é ótimo para o leitor
ResponderExcluirBjs Rose
Olá, tudo bem Nina?
ResponderExcluirEu (Yvens) ainda não tive o prazer de ler esse livro que é bem elogiado e quero muito realizar essa leitura. Gostei da sua resenha, ficou bem caprichada e achei super legal você inserir citações, pois nos possibilita conhecer um pouco mais do livro. Fiquei com mais vontade de ler "Quem tem medo do feminismo negro?".
Abraço!
Muito bom! Seu blog é muito bom mesmo, estou amando ler os seus artigos..
ResponderExcluirJá salvei seu Blog em meus favoritos.
Estou amando seu blog ❤️ ..
Meu Blog: Isis Moraes
Eu fico muito feliz com o sucesso que esse livro vem fazendo porque é um tema muito necessário. É preciso compreender que o feminismo negro abarca questões que o feminismo branco nao é capaz, é necessária a nossa vertente para que possamos entender nossas mazelas. Muito boa a sua resenha.
ResponderExcluirOlá, foi muito bom ler sua resenha e saber que a autora (que acompanho nas redes sociais) escreve sobre a temática de forma compreensível, pois confesso que tinha certo receio de que o livro tivesse um tom acadêmico demais. Agora me sinto mais motivada a fazer a leitura, pois é uma temática que me interessa muito.
ResponderExcluirOlá Nina, faz um tempão que estou querendo realizar a leitura desse livro mas, estou com várias leituras de trabalho atrasadas e, acabei não comprando ele! Eu sou negra e passei por várias dificuldades por causa disso, hoje em dia não sofro tanto preconceito quanto recebi na adolescência mas, consigo perceber que várias pessoas tem medo ou desconhecem o feminismo negro. Tenho certeza que vou aprender muitas coisas quando realizar essa leitura, assim como você também aprendeu, essa foi a melhor resenha que eu li desse livro.
ResponderExcluirBeijos e Abraços Vivi
Resenhas da Viviane
Oi, Nina!
ResponderExcluirEu ainda não conhecia esse livro e agora quero muito ler. Esses dias eu vi no Instagram uma influencer negra falando sobre isso e me dei conta do quanto ainda tenho muito o que aprender. Essa moça (que agora não me lembro o nome dela) dizia que a luta da mulher já é muito difícil, mas da mulher negra é ainda mais e falou sem querer desmerecer qualquer luta, apenas mostrar que se para a mulher branca é difícil, para a mulher negra tem o agravante da cor de sua pele.
Então ela disse que mulheres brancas estavam lutando por algo que não cabia a elas, estava vendo a sua luta em rostos e corpos que não condiziam com a realidade dela e queria ver mais mulheres negras, pobres, gordas se posicionando.
Voltando ao assunto do livro, ainda que não seja o meu lugar de fala, eu quero conhecer essa leitura, precisamos cada vez mais de empatia, sororidade, dar meu apoio ao feminismo negro.
Eu também acredito no feminismo interseccional, adorei a premissa do livro e fiquei mega curiosa para saber mais através da leitura dele e a forma como você resenhou me fez crer que é um livro que posso trabalhar com os jovens.
ResponderExcluirBeijo
Tânia Bueno
Olá Nina, não conhecia esse livro, mas pelos seus comentários a autora conseguiu trazer de forma de fácil compreensão o tema, além de como você destacou com um bom embasamento em diversas teses e historias. Sem duvida ele vai para listinha de livros necessários para eu ler e compreender melhor o feminismo negro. Obrigado pela dica *-*
ResponderExcluirOi Nina
ResponderExcluirParece uma daquelas leituras que a gente tem que fazer e é tapa na cara atrás de tapa na cara. Quero ler. Eu tô com um livro da Chimamanda pra ler esse ano. Não é especificamente sobre o feminismo negro, mas ela arrasa falando sobre o tema sem ser sobre o tema, sabe?
Vidas em Preto e Branco