Todos, nenhum: sobre poder contar a própria história

Conheci Todos, nenhum: simplesmente humano pelo Clube do livro Infinistante, que é um clube do livro virtual. Demorei para lê-lo, porque tinha outras leituras já em curso, mas no início deste mês pude me dedicar a ele. 

A capa já me chamou atenção logo de cara, porque é minimalista e, de certa forma, deixa a gente curioso. O assunto abordado é sobre pessoas de gênero fluido, uma identidade que conheço, leio um pouco (coisas mais teóricas), mas que nunca tinha sabido existir em literatura. Por eu ser bem aberta à teoria queer e entendê-la, ler esse livro foi uma experiência muito boa e memorável. 

O próprio título já delata e pincela um pouco sobre o tema proposto. Pessoas de gênero fluido não têm um gênero fixo, podem acordar se sentindo mais meninas ou mais meninos e também um gênero neutro, nem menina nem menino. Como a/o protagonista mesma/o fala, é mais como uma bússola que varia sua agulha conforme os dias. 


Título original: Symptoms of being human
Autor: Jeff Garvin
Editora: Plataforma 21
Ano: 2016
Páginas: 289 (Kindle)
★★★★★ +

Todos, nenhum conta a história de Riley, um/a adolescente de dezesseis anos que sempre me sentiu inadequada/a e diferente. Ao contrário de muitas narrativas, Riley já sabe que é gênero fluido, mas ainda não sabe como contar aos pais. Ela/ele está se mudando de escola e quer passar despercebida/o por todos, já que na antiga escola já era motivo de perseguições pelos colegas não terem certeza de seu gênero. 

Como eu digo sempre em histórias juvenis, eu amo demais a adolescência e o universo YA. Acredito que ele oferece possibilidades muito maiores e, quase sempre, consegue falar de igual pra igual de uma forma livre, consciente e responsável. Esse livro apresenta exatamente isso: um discurso juvenil responsável e muito, muito cativante. 

Riley e seus novos amigos na nova escola são carismáticos e relacionáveis. Apesar de diferentes, todos carregam uma história de vida e sabem dar espaço à Riley. Parece um sonho de sociedade, mas essa força que essa amizade tem, mesmo com seus altos e baixos, apenas reforça que a sociedade real tem capacidade de respeitar o diferente. A união de Riley, Bec e Solo parece uma utopia, mas também parece a vida real: pessoas que entendem as limitações dos outros e suas vivências e respeitam isso. 

Sabe o que é louco? As pessoas toleram o sigilo. Vejo isso na minha vida. É como se não tivesse problema ter sentimentos gays ou trans ou de gênero fluido - desde que você guarde isso para você. Desde que não os concretize Seja lá o que isso signifique. As pessoas não condenam você por ser trans. Condenam por se aceitar.

Trabalhar com minorias não é fácil e não tem uma receita pronta. O autor conseguiu misturar vida juvenil, com suas inconsequências e escolhas impulsivas, com consciência (diria política, porque ser queer é sempre uma luta política; você sempre precisa lutar para existir), sarcasmo e histórias bem sólidas. Não tem um único personagem, por exemplo, que não tenha um porquê. Todos eles têm as suas histórias, as suas vivências. Riley, mais do que os outros, precisa se fazer falar mais alto para que sua história não se perca e não seja motivo de violência. É muito legal como as histórias de todos se complementam e se entrelaçam sem soar forçadas.

Adorei como a narrativa foi tomando formas bonitas e reais, com Riley, por exemplo, fazendo terapia e criando um blog para falar sobre como é viver sendo gênero fluido. É muito fácil se dar conta que poderia muito bem acontecer na vida real. A parte do acolhimento também acontece, de se formar uma família para se proteger uns aos outros. 

Algo legal durante a leitura é que o leitor realmente não sabe se é uma ou um protagonista. A tradução conseguiu muito bem remover qualquer marcador de gênero, o que faz o livro ser ainda mais real e incrível. 

Minha vida toda estruturada para me esconder.

Todos, nenhum faz parte de uma nova literatura que se faz pela diversidade, respeito e acolhimento. É claro que, sim, há cenas de ódio, porque as pessoas ainda não entendem que a sociedade evoluiu quanto à sexualidade e às marcações de gênero, mas elas acrescentam, não estão ali para mero enfeite ou exagero. 

Foi meio impossível não chorar algumas vezes, porque é uma leitura também muito sensível. Recomendo Todos, nenhum para quem ainda não entende muito sobre o gênero fluido e para quem quer ter uma experiência literária bonita e com certa esperança para quem nasceu diferente. 

- Eu não vou parar de ser quem eu sou porque você não gosta. [...] E não vou parar de falar sobre isso só porque você é incapaz de entender. [...] Só vou falar mais alto.


64% das pessoas transgêneras e não binárias nos EUA sofrem violência sexual em sua vida - 12% antes de se graduar no Ensino Médio. Quarenta e um por cento tentam o suicídio. Pessoas genderqueer e transgêneras têm quatro vezes mais chances de viver abaixo da linha da pobreza. - N/A

Disque 100 para denunciar situações LGBT+fóbicas.

Love, Nina :) 

6 comentários:

  1. Nossa, eu nunca tinha ouvido falar desse livro. Acredito que não deve ser uma literatura fácil de se escrever. Que interessante... hoje em dia falta muito vontade de entender o outro. E caminhando sempre "para frente", o mundo vai tratando de trazer essas informações. Só não vê quem não quer!!

    www.coisasdemineira.com

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  2. Oiii Nina

    Achei bem interessante tudo o que vc contou sobre o livro, acho que nunca li anda sobre o assunto e é realmente bem interessante, novo até pra mim. Tb gostei dessa capa minimalista, cofnesso que atiça bastante a curiosidade do leitor, e de certa forma, está bonita e de acordo com o tema.

    Beijos, Alice

    www.derepentenoultimolivro.com

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  3. Oi, Nina. Tudo bem?

    O Young Adult é um dos meus gêneros favorito porque acredito no mesmo que você. Tem-se como trabalhar bem. E eu adorei essa dica, já anotei!

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  4. Olá,
    Muito interessante o livro. Já li outras histórias LGBTQ e essa parece agregar mais conhecimento. Eu só não entendi se este é um livro de literatura ou não, pelas citações escolhidas não parece muito, porém o conteúdo ainda é interessante.

    Debyh
    Eu Insisto

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  5. Olá!
    um livro interessante, porém que mita gente precisava ler e mesmo assim seria um pouco polêmico na nossa sociedade né. Mas, é válido demais, ler essas histórias e vê o quanto é difícil essa dúvida dos adolescentes em se identificar e assumir. Muito bom saber sobre o livro!

    beijos!

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  6. Adoro o conteúdo que você traz aqui no blog, eu não conhecia esse livro ainda e me interessei bastante por ele. Eu não conhecia o gênero fluído e antes de vir aqui comentar pesquisei sobre e li algumas coisas a respeito. Achei o livro uma leitura essencial para jovens que passam pelo mesmo e na maioria das vezes não sabem o que fazer.

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Olá, obrigada pelo comentário, mas, para evitar passar vergonha na internet, por favor, não seja machista, LGBTQAfóbico(a), ou racista. O mundo agradece :)

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Editado por Alice Gonçalves . Tecnologia do Blogger.